04 Outubro 2019
O Papa Francisco nos mostra como apoiar aquelas pessoas engajadas no diálogo muçulmano-cristão, diz o ex-núncio apostólico no Egito, que será criado cardeal no dia 5 de outubro.
A reportagem é de Anne-Bénédicte Hoffner, publicada por La Croix International, 03-10-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O cardeal designado Michael Fitzgerald, ex-núncio apostólico no Egito, que também foi presidente do Pontifício Conselho para o Diálogo Inter-Religioso, entra na sala de estar da sua casa em Liverpool, no noroeste da Inglaterra, e lê duas cartas de parabéns.
Ele ri: “A mensagem é muito gentil, mas há um erro”, diz ele. “Eu não sou o segundo cardeal inglês, eu sou britânico. Você não encontrará uma gota de sangue inglês nas minhas veias!”.
De qualquer forma, não foi pela sua nacionalidade ou pela sua sede episcopal que o Papa Francisco pediu que esse padre da Sociedade dos Missionários da África (Padres Brancos) se unisse ao círculo dos seus conselheiros mais próximos.
“É um ato de justiça”, respondeu o papa a um jornalista que lhe perguntou isso no voo de Madagascar de volta para Roma, no início de setembro.
“Eu nunca desejei ou busquei honrarias”, diz o cardeal designado Fitzgerald. “E, depois, aos 82 anos, eu realmente vou aconselhar o papa?”
Ele olha para as interpretações que lê aqui e ali desapaixonadamente: trata-se do papa “fortalecendo o seu time”, com um olho na eleição do seu sucessor?
Ou, melhor, através da sua nomeação, assim como a do atual presidente do Pontifício Conselho para o Diálogo Inter-Religioso, Dom Miguel Ayuso Guixot, e do arcebispo de Rabat, Dom Cristobal Lopez Romero, trata-se de um desejo de colocar o diálogo inter-religioso na coração do serviço da Igreja e do Evangelho?
O próprio arcebispo Fitzgerald toma cuidado para não tomar uma decisão e prefere falar em “reconhecimento”.
De fato, ele encarna perfeitamente esses novos cardeais ao estilo de Francisco, no extremo oposto do espectro dos “príncipes da Igreja”.
Desde a permissão obtida de seus pais, ambos irlandeses, para deixá-lo ingressar no seminário menor dos Padres Brancos na Escócia, aos 12 anos de idade, até a sua nomeação em 2002 como chefe do dicastério encarregado pelo diálogo inter-religioso, ele considera cada uma das suas nomeações em Roma, Uganda e Sudão como uma coincidência... ou como um ato de providência.
Todos eles o orientaram um pouco mais a estudar o Islã e a conhecer os muçulmanos. Todas as vezes, ele se curvava à vontade dos seus superiores... e fica surpreso por estarmos surpresos.
“Isso faz parte do nosso voto de obediência: você sempre pode se recusar, mas você precisa de boas razões para fazer isso”, diz.
Ele dirigiu o Pontifício Instituto de Estudos Árabes e Islamologia (Pisai), fundado pelos Padres Brancos, de 1972 a 1978 e teve vários estudantes, incluindo o Ir. Christian de Chergé, futuro prior de Tibhirine.
Mesmo “sem ter procurado”, ele aceitou, em 1987, o cargo de secretário daquela que ainda é chamado de “Secretaria para os Não Cristãos”.
João Paulo II, ansioso por desenvolver relações entre os não crentes, mais tarde o transformou em um Pontifício Conselho. Durante 15 anos, ele auxiliou fielmente o cardeal nigeriano Francis Arinze em seus esforços para colocar o diálogo a serviço da paz, até que, um dia, ficou sabendo da sua própria nomeação como presidente desse dicastério.
A eleição de Joseph Ratzinger, sob o nome de Bento XVI, em 2005, marcou um ponto de virada na sua carreira. A falta de interesse do novo papa em aproximar as religiões está bem documentada.
No ano seguinte, o Pontifício Conselho para o Diálogo Inter-Religioso foi confiado ao cardeal Paul Poupard, já encarregado da cultura, e o arcebispo Fitzgerald foi nomeado núncio no Egito.
“Talvez a intenção fosse fundir o diálogo inter-religioso no diálogo intercultural?”, pergunta-se em voz alta, permanecendo fiel à sua extrema discrição sobre o assunto.
Poucos meses depois, após o discurso em Regensburg, na Alemanha, que causou uma vigorosa reação no mundo muçulmano, Bento XVI reverteu sua posição e restaurou a independência do Pontifício Conselho para o Diálogo Inter-Religioso, colocando à sua frente um experiente diplomado, o cardeal Jean-Louis Tauran.
De Jerusalém, onde se aposentou há sete anos, o cardeal designado Michael Fitzgerald recebeu alguns sinais da afeição do Papa Francisco por ele: foi-lhe confiada “uma missão no Líbano”.
“Mas eu achava que eu não seria criado cardeal durante a vida de Bento XVI”, reconhece.
Surpreendentemente, apesar dos anos que se passaram, podemos sentir alguns reflexos romanos, quando ele fica surpreso, por exemplo, com essas nomeações que “não respeitam a tradição”.
“Eu não vou forçar o próximo papa a viver em Sainte-Marthe”, anuncia ele com um sorriso no rosto, referindo-se à escolha do Papa Francisco de renunciar aos apartamentos papais.
Enquanto isso, e enquanto circulam rumores vaticanos sobre um “cisma” e escândalos sexuais, o cardeal designado Fitzgerald tem o prazer de estar “fora de tudo isso”.
Sua preocupação hoje é muito diferente, pois ele acabou de voltar à sua terra natal, Inglaterra, mais de 50 anos depois de sair. Junto com três padres do seu instituto, ele assumiu uma paróquia quase abandonada em Liverpool.
Em um acordo com a diocese, a província europeia dos Padres Brancos queria que essa “integração” na Inglaterra tivesse uma dupla missão: o serviço aos migrantes e o diálogo com os muçulmanos.
Portanto, eles devem encontrar um modo de estabelecer contato com os habitantes: a Chinatown, de um lado, e o “triângulo báltico”, do outro, nomeado em homenagem aos ex-marinheiros que costumavam desembarcar lá.
“No passado, Liverpool era mais conhecida pelos Beatles. Hoje, parece que a sua religião é o futebol”, diz Fitzgerald, enquanto compra o seu pão na frente de um enorme grafite que representa o treinador do Liverpool Football Club, vencedor da Liga dos Campeões na última temporada.
Ele também diz estar pronto para “apoiar” os atores do diálogo islâmico-cristão no Reino Unido.
É ao falar dessa luta ao longo da sua vida que ele é mais sincero: “Em Al-Azhar, Abu Dhabi ou Jerusalém, o Papa Francisco nos mostra como fazer isso: através do contato direto e sem ficar trancado em prescrições ou barreiras”, exclamou. “Ele é um homem livre, e nós precisamos de homens livres!”
Quando se trata de eleger um sucessor para o bispo de Roma, um dia, o futuro cardeal Fitzgerald, por ter mais de 80 anos, não participará da eleição. Mas participará “das discussões” e “ficará feliz em apoiar a direção tomada por Francisco”.
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Novo cardeal Michael Fitzgerald, um homem dedicado ao diálogo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU