28 Setembro 2019
“O ‘magnum principium’ da Reforma Litúrgica afirmado pelo Vaticano II – ou seja, a ‘actuosa participatio’ – impede um acesso indiferenciado e descontrolado ao Vetus Ordo. Com maior razão em relação aos mais jovens. Essa verdade hoje deve ser restaurada com urgência e firmeza.”
A opinião é do teólogo italiano Andrea Grillo, professor do Pontifício Ateneu Santo Anselmo, em Roma, do Instituto Teológico Marchigiano, em Ancona, e do Instituto de Liturgia Pastoral da Abadia de Santa Justina, em Pádua. O artigo foi publicado por Come Se Non, 26-09-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Nos últimos dias, duas entrevistas, concedidas, respectivamente, pelo superior geral da Fraternidade São Pio X (SSPX) (disponível aqui, em francês), sobre a qual já escrevi há alguns dias (disponível aqui, em italiano), e pelo prefeito da Congregação do Culto (disponível aqui, em italiano), esclareceram muito bem as progressivas dificuldades com que a Igreja Católica pode suportar a permanência de um acesso ao Vetus Ordo tridentino ao lado e em paralelo com o Novus Ordo, desejado pelo Concílio Vaticano II e realizado pela Reforma litúrgica sucessiva a ele. Precisamente a relação com o Concílio Vaticano II está no centro das opiniões expressadas pelos dois expoentes eclesiais:
a) o Pe. Davide Pagliarani, na sua longa entrevista, esclareceu que, com base na rejeição mais completa da letra e do espírito do Concílio Vaticano II, somente o Vetus Ordo pode garantir a identidade católica. Por isso, na opinião do chefe dos lefebvrianos, não faz sentido algum tentar uma reconciliação com a Igreja de Roma, enquanto ela defender os documentos do Concílio Vaticano II. Portanto, celebrar com o Vetus Ordo implica necessariamente a condenação tanto da letra quanto do espírito do Vaticano II.
b) Com uma posição diferente, mas profundamente consoante com a primeira, o cardeal R. Sarah censurou aqueles que pensam em obstaculizar o Vetus Ordo e defendeu que, se interpretado “no espírito do Vaticano II”, o Vetus Ordo ainda pode oferecer frutos de pastoral e de espiritualidade ingentes. Na sua opinião, não haveria qualquer contradição entre o “espírito do Vaticano II” e a celebração com o Vetus Ordo.
Parece-me que ambas as posições, embora na sua diferença, vivem um problema insuperável com o Concílio Vaticano II: o primeiro contesta abertamente a sua letra e o seu espírito, enquanto o segundo pretende “honrar o seu espírito”, mas esquece e remove a sua letra.
De fato, o Concílio Vaticano II pediu explicitamente e com autoridade a superação do Vetus Ordo, por ser inadequado para a experiência de Cristo e da Igreja da qual a fé cristã vive. Todos aqueles que, de modo pouco refletido, acham que podem “conciliar” o Novus Ordo e o Vetus Ordo devem fazer as contas, explicitamente, com essa expressa vontade do Concílio, que pediu para “reformar o rito romano em vista da participação ativa dos seus membros”, superando a sua qualidade de “espectadores mudos”. E, por isso, exigiu uma reforma profunda dos Ordines rituais. O Vetus Ordo é aberta e detalhadamente contestado pelo Concílio Vaticano II, sobretudo pela Sacrosanctum concilium 48 e seguintes.
O risco desejado, de modo contingente, pelo motu proprio Summorum Pontificum, em 2007, visava a uma reconciliação com o mundo do tradicionalismo. Na realidade, como está evidente após 12 anos, essa liberalização geral do Vetus Ordo apenas fomentou hostilidades em relação ao Concílio Vaticano II, abriu lutas em vez de trazer paz. Isso se deve a um equívoco de fundo: não apenas o espírito, mas também a letra do Concílio não permite ser contornada por muito tempo. Se uma forma ritual que foi oficialmente superada por uma nova ainda é deixada de pé, uma parte do corpo eclesial se ilude de que o Concílio e tudo o que ele significa são contornáveis. Até incitar a rebelião aberta contra um papa como Francisco, que faz do Concílio Vaticano II o horizonte comum do seu magistério. Existe um vínculo muito mais profundo do que se poderia acreditar entre a resistência a Francisco e a frequentação habitual do Vetus Ordo.
Portanto, chegou a hora de tirar as consequências dessa embaraçosa situação de equívoco. O caminho da Igreja exige, hoje de modo ainda mais forte do que ontem, que a liturgia católica se reconheça, de modo universal, apenas em uma forma, a ordinária. O acesso a formas superadas do rito cristão deve estar subordinado, caso a caso, ao juízo dos bispos locais, que podem avaliar as circunstâncias excepcionais individuais e conceder um acesso a elas de forma limitada.
Essa verdade, que nos últimos 12 anos se tentou negar de todos os modos, encontra o seu fundamento não só na “contingência” e na “ocasionalidade” do motu proprio de 2007 (Summorum pontificum, do Papa Bento XVI), mas também nas solenes declarações do motu proprio de 1960 (Rubricarum instructum, do Papa João XXIII).
De fato, a correção que o motu proprio de 1960 é capaz de oferecer hoje ao debate distorcido da última década consiste em uma límpida lógica de “senso comum”. Quando a última edição do “Missal de Pio V” foi feita em 1962, ela foi feita de modo interlocutório, à espera de que o Concílio – que na época já havia sido convocado, embora ainda não tivesse começado – delineasse aqueles “altiora principia” com base nos quais seria feita a verdadeira reforma do missal. Portanto, não só a letra e o espírito do Concílio Vaticano II não podem conceber uma “vigência paralela” entre Novus Ordo e Vetus Ordo, mas o próprio documento que produziu o Missal de 1962, que hoje se pretenderia vigente “para sempre”, entende-o como “provisório” e “ad tempus”.
Graças às duas entrevistas recentemente publicadas e graças à precisa recordação dos dois motu proprio, que devem ser correlacionadas, podemos descobrir hoje que o caminho do Vaticano II não permite conceber um acesso normal ao Vetus Ordo, senão pondo em questão o Vaticano II, não só no seu espírito, mas também na sua letra.
Se podemos entender que o superior dos lefebvrianos pode ser tão crítico com o Vaticano II a ponto de negar tanto a sua letra quanto o seu espírito, buscando um alívio e uma resistência apenas no Vetus Ordo, é mais difícil compreender como um prefeito de Congregação pode dizer que defende o seu espírito, mas contradiga a sua letra de modo tão desconcertante.
O “magnum principium” da Reforma Litúrgica afirmado pelo Vaticano II – ou seja, a “actuosa participatio” – impede um acesso indiferenciado e descontrolado ao Vetus Ordo. Com maior razão em relação aos mais jovens. Essa verdade hoje deve ser restaurada com urgência e firmeza. Ela é decisiva para aquele desígnio de “Igreja em saída” que o magistério de Francisco retirou, com límpida consequencialidade, das palavras do Concílio Vaticano II. As mesmas palavras que, com igual consequencialidade, se despedem das formas tridentinas de Igreja e de vida cristã.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Carta e espírito do Vaticano II diante do Vetus Ordo. Duas entrevistas e dois ''motu proprio''. Artigo de Andrea Grillo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU