17 Setembro 2019
O presente das relíquias de Pedro que Francisco quis presentear ao sucessor de Santo André representa "um novo marco" e um "passo crucial" na jornada em direção à unidade dos cristãos. Isso foi afirmado pelo Patriarca Ecumênico de Constantinopla Bartolomeu na véspera de sua viagem a Roma nesta entrevista ao Vatican News e ao L'Osservatore Romano, contando a surpresa pelo presente inesperado. Bartolomeu indica como caminho principal para a evangelização o caminho do serviço ao mundo e, respondendo a uma pergunta sobre o próximo Sínodo dedicado à Amazônia, explica as razões espirituais e teológicas para o compromisso com o meio ambiente ameaçado de destruição.
A entrevista é de Andrea Tornielli, publicada por L'Osservatore Romano, 14/15-09-2019. A tradução é de Luisa Rabolini.
Sua Santidade, qual foi sua primeira reação quando recebeu do Papa Francisco o presente da urna que continha os 9 fragmentos dos ossos considerados do apóstolo Pedro?
Devemos admitir que, no começo, ficamos muito surpresos ao saber que Sua Santidade, nosso irmão Papa Francisco, estava nos presenteando tamanho tesouro. Esse gesto surpreendeu muitos. Nem mesmo a delegação do Patriarcado Ecumênico que estava em Roma para a festa patronal de nossa irmã Igreja esperava isso. Geralmente esse tipo de evento é objeto de discussões protocolares. Não foi o caso desta vez. Agradecemos sinceramente o presente, que é uma manifestação da espontaneidade, um sinal do verdadeiro amor fraterno que hoje une católicos e ortodoxos.
Qual é o significado desse gesto?
Podemos distinguir pelo menos três significados profundos. Primeiro, a chegada das relíquias do santo apóstolo Pedro à sede do Patriarcado Ecumênico de Constantinopla é uma bênção em si. São Pedro é uma figura central da santidade porque é apostólico e, em muitos aspectos, próximo de todos os cristãos: ele é o apóstolo da confissão, mas ao mesmo tempo da renegação. São Pedro é a testemunha da ressurreição, sinal de esperança para todos os cristãos. O segundo significado que deveria ser lembrado é o vínculo de irmandade que une São Pedro e Santo André, padroeiro do Patriarcado Ecumênico. Do mesmo modo que os dois apóstolos são irmãos segundo a carne, assim nossas Igrejas de Roma e Constantinopla são irmãs. Finalmente, o terceiro significado é mais ecumênico e refere-se à busca de unidade e comunhão. Esse presente de nosso irmão Papa Francisco é um novo marco no caminho da aproximação, um passo crucial no diálogo de caridade iniciado há mais de cinquenta anos por nossos predecessores. Um diálogo que hoje é colocado sob a bênção do santo apóstolo Pedro. Lembremos apenas estas palavras do apóstolo que, em nosso contexto atual, assumem uma dimensão muito particular: "amai-vos ardentemente uns aos outros com um coração puro; sendo de novo gerados, não de semente corruptível, mas da incorruptível, pela palavra de Deus, viva, e que permanece para sempre” (1 Pedro 1, 22).
Há mais de 50 anos, o seu antecessor Atenágoras deu de presente a São Paulo VI um ícone representando os irmãos Pedro e André que se abraçam. O Papa Francisco define isso como um "sinal profético da restauração da comunhão visível entre nossas igrejas". Em que ponto está o caminho?
É uma ótima pergunta. Em que ponto estamos? Muito progresso foi feito em mais de cinquenta anos. No entanto, ainda temos muito trabalho a fazer para restaurar o vínculo de comunhão que continua a nos fazer sofrer como a negação da perfeita fraternidade a que aspiramos. A divisão dos cristãos é um escândalo para a Igreja, porque não há verdadeiro testemunho do Evangelho, se não na unidade dos membros do corpo de Cristo. Como já foi dito, o presente das relíquias de São Pedro à nossa Igreja por nosso irmão Papa Francisco é um gesto poderoso que demonstra o compromisso da Igreja de Roma no serviço da unidade dos cristãos. De uma maneira muito simbólica, é um reflexo quase perfeito do ícone mencionado em sua pergunta. Os irmãos Pietro e André se beijam misticamente mais uma vez para nos ensinar a viver o vínculo da fraternidade ecumênica pelo qual estamos assim ligados. No caminho da unidade, são necessários dois caminhos. O primeiro é definido como o diálogo da caridade, feito de todos aqueles gestos que nos aproximaram após o abraço trocado em Jerusalém em 1964 pelo Papa Paulo VI e pelo Patriarca Ecumênico Atenágoras. O segundo é o chamado diálogo da verdade. Consiste nos órgãos de diálogo teológico que nos permitem considerar as tradições comuns sobre as quais construir nosso futuro de comunhão, estudando com honestidade e respeitando as questões que ainda nos dividem. A esses dois caminhos, gostaríamos de acrescentar um terceiro, profético. Foi a isso que assistimos com esse presente inesperado.
O presente das relíquias foi acompanhado por uma carta do Papa divulgada no dia 13 de setembro, dia em que a Igreja Latina celebra a memória de seu predecessor São João Crisóstomo. Um Padre da Igreja venerado por católicos e ortodoxos que em uma de suas famosas homilias afirmou: "Você quer honrar o Corpo de Cristo? Não o negligencie quando estiver nu. Não o honre aqui no templo com panos de seda, para depois negligenciá-lo lá fora, onde ele sofre por frio e nudez”. Como se proclama o Evangelho hoje a partir dessas palavras?
Acreditamos que a experiência litúrgica na qual se baseia nossa vida espiritual como cristãos não deva nos separar de nosso compromisso com o mundo e para o mundo. Como você certamente sabe, no final da Divina Liturgia dizemos: "Vamos em paz". Este convite não apenas nos chama a manter a paz que nos foi dada, mas também a compartilhá-la com o resto do mundo. Quando seguimos São Paulo e confessamos a Igreja como o corpo de Cristo, devemos lembrar que não há outra maneira de completar a missão e difundir as boas novas do Cristo ressuscitado senão através do serviço, a diakonia. Assim, seguimos o exemplo do próprio Cristo, que se entregou inteiramente "para a vida do mundo". Mas nosso serviço será ainda melhor quando os cristãos tiverem recuperado a plena unidade na comunhão das Igrejas.
A Igreja Católica está prestes a celebrar um Sínodo dedicado à região Pan-amazônica, um grande recurso verde para a nossa "mãe terra". O senhor sempre foi particularmente sensível à questão de salvaguardar a criação. Por que é importante que se difunda essa sensibilidade e o que os cristãos podem fazer juntos para ajudar concretamente esse caminho?
A proteção do meio ambiente natural é um compromisso prioritário para o Patriarcado Ecumênico há mais de trinta anos. As razões são ecológicas, mas também teológicas. A criação é um presente de Deus para toda a humanidade. É na criação, na qual os seres humanos participam, que se realiza a graça salvífica de Deus para a salvação do mundo. Assim, sempre fomos particularmente apegados à ideia de que a destruição da natureza seja primariamente uma questão espiritual e um pecado. É por isso que a resposta também deve ser espiritual. Oramos pela criação em todas as liturgias. Oramos particularmente pela proteção ambiental todo primeiro de setembro. A oração é essencial, mas é apenas um primeiro passo. Os cristãos devem se envolver no desenvolvimento de uma ecologia espiritual baseada no tema da conversão. Muitas vezes ouvimos a questão da conversão quando falamos, por exemplo, do sacramento da confissão. É a mesma coisa aqui. Se a destruição do meio ambiente é um pecado, não podemos protegê-lo sem nos convertermos. Porque é da conversão dos corações que virá a consciência da nossa responsabilidade. Na tradição cristã, temos os meios para pensar e influenciar a transformação de nossos modos de vida: o culto, o ascetismo, o jejum e as ações de caridade.
As florestas da Amazônia foram recentemente devastadas por incêndios ...
Rezemos com profunda intensidade pela floresta amazônica cuja destruição é mais do que uma catástrofe, é uma desgraça. O impacto desses grandes incêndios poderia ter consequências para gerações, afetando a terra, a infraestrutura e os seres humanos. Há uma necessidade urgente de mudar as nossas práticas e o nosso estilo de vida, porque esses fenômenos extremos nos obrigam a considerar a fragilidade fundamental da natureza, os recursos limitados de nosso planeta e a sacralidade única da criação.
Relíquia de São Pedro. (Foto: Vatican News)
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Papa Francisco doa as relíquias de Pedro. “Um passo crucial em direção à unidade”, afirma o Patriarca Bartolomeu - Instituto Humanitas Unisinos - IHU