10 Agosto 2019
Emilio Santiago (Ferrol, Espanha, 1984) é doutor em Antropologia e faz parte do Grupo de Pesquisa Transdisciplinar sobre Transições Socioambientais da Universidade Autônoma de Madri. Publicou junto com Héctor Tejero Qué hacer en caso de incendio? Um manifiesto por el Green New Deal (Capitán Swing), que defende a dimensão central que a transição ecológica precisa ter, em nível político e popular. Entre outros títulos, que também publicou, estão: No es una estafa, es una crisis de la civilización (2015) e Rutas sin mapa (2016).
A entrevista é de Pilar Vera, publicada por Diario de Sevilla, 05-08-2019. A tradução é do Cepat.
O que é o ‘Green New Deal’, qual é a sua ideia central?
O Green New Deal é um projeto muito amplo: Ocasio-Cortez e Varoufakis não são o mesmo. Não é a solução, mas, sim, um projeto que conjuga romper o nó górdio em que o ecologicamente necessário parece impossível, projetando novas formas de consumo e potencializando o emprego e as indústrias verdes. Um projeto que pode construir maiorias sociais para objetivos ambiciosos, ainda que existam dúvidas sobre se a sociedade está ou não preparada.
Contudo, o simples fato de que Alexandria Ocasio-Cortez possa falar é uma oportunidade histórica que não podemos permitir desperdiçar. Outra coisa é que tenha riscos: por exemplo, não gera uma imagem rupturista, mas é importante para um desbloqueio. O discurso ambientalista sempre pareceu ter um ponto de chegada, mas não com o que seria necessário fazer no meio, antes dessa sociedade pós-capitalista.
Acontece que já assumimos tanto o sistema em que vivemos que é inevitável que o pós-capitalismo soe como pós-apocalíptico. Não seria ruim mudar de vocabulário.
Não acredito que isso deveria ser um problema. A esquerda muitas vezes comete o erro de se deixar guiar quase exclusivamente pelo desespero, para chegar a algo, você precisa se parecer com o seu povo. A disputa política que assumimos é como intervir neste mundo do modo como ele é. Se deixarmos as pessoas de lado, teremos a razão, mas nenhum tipo de capacidade de intervenção. Neste sentido, eu preferiria que nossos conceitos pudessem ser menos contundentes, mas mais ativos.
Nesse sentido, estamos indo bem de imaginário?
Há um déficit de imaginário positivo. Temos diagnósticos muito precisos da realidade catastrófica de nossa situação, mas não projetamos em paralelo como poderia ser uma sociedade viável, mas atrativa para viver. É um grande trabalho cultural a ser feito nos imaginários sociais e políticos. É uma das tarefas mais urgentes, ao longo destes dez anos.
Parece que tudo o que não seja “crescimento” é o caos. Mas, em “Qué hacer en caso de incendio?”, vocês apontam que uma redução pela metade das emissões seria retornar ao nível de vida de 1992. Não é a pré-história.
Temos um nível enorme de infrautilização de riqueza material na sociedade. Um exemplo muito significativo é um estudo sobre o uso de brocas nos Estados Unidos: o uso médio de cada broca é de treze minutos. Por que não ter bibliotecas deste tipo de coisas? Nossa riqueza, muitas vezes, é desperdiçada por atuações ou inércias absurdas.
A mudança de mentalidade que vocês pedem não é pouca.
É muito difícil porque contamos com quarenta anos de implantação neoliberal. Mas, há brechas que podem ir sendo aprofundadas pouco a pouco: esse é o espírito, de fato, por trás de uma série de plataformas que todos conhecemos e que acabaram sendo perversas, mas que transluzem uma realidade. Por exemplo, para as pessoas já não é necessária a propriedade de um carro. É necessário construir outro imaginário do desejo e da concepção da vida pública.
Como sempre, tudo se reduz a custos. Quem paga?
Deveríamos ser capazes de fazer pagar a maior responsável pelos efeitos perversos do desenvolvimento industrial, em todas as escalas: o lobby fóssil. São muito fortes, sim, mas os poderosos sempre foram muito fortes. É necessário fazer valer a inteligência coletiva e o bem comum.
A revolução dos coletes amarelos serviu como chave simbólica ao tema da transição ecológica: os bons desejos são muito bons, e depois segue a vida normal.
Os coletes amarelos exemplificam que não podemos desligar a transição ecológica da justiça social, que caminha de mãos dadas com medidas de distribuição e uma reforma fiscal importante, talvez não verde, mas, sim, redistributiva. Às vezes, parece que a política ecológica servirá para reafirmar a desigualdade. A transição ecológica precisa se fazer responsável pelas camadas da população mais vulneráveis. Neste sentido, o transporte será um fator chave: se demoro três horas para chegar em transporte público no meu trabalho, não me digam que tenho que deixar meu carro.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
“É preciso projetar um futuro viável e atrativo para viver”. Entrevista com Emilio Santiago - Instituto Humanitas Unisinos - IHU