01 Agosto 2019
Em entrevista concedida por Cláudio Hummes ao Padre Antonio Spadaro, diretor da Civiltà Cattolica (n. 8, maio de 2019), agora também publicada integralmente no semanário alemão Stimmen der Zeit (n. 8, agosto de 2019), o cardeal brasileiro falou da "grandeza" deste Sínodo que será celebrado de 6 a 27 de outubro. Portanto, é óbvio que na Igreja universal haja expectativa, mesmo que aqui e ali não faltem resistências, até mesmo significativas, como no caso dos cardeais Ludwig Müller, ex-prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, e Walter Brandmüller.
O comentário é de Antonio Dall'Osto, publicado por Settimana News, 31-07-2019. A tradução é de Luisa Rabolini.
Na entrevista, o card. Hummes - presidente da rede eclesial pan-amazônica REPAM e relator geral do Sínodo - destacou as apostas desta assembleia sinodal, que justifica grandes expectativas.
"Temos uma grande necessidade - afirmou - de novos caminhos, não temer a novidade, não a impedir, não opor resistência. Devemos evitar carregar o que é velho, como se fosse mais importante do que o novo. Velho e novo devem se conjugar, a novidade deve reforçar e encorajar o caminho. A afirmação do Pontífice é muito forte: devemos caminhar e avançar, sem opor resistência (...).
Muitas vezes, nos preocupamos com a eventualidade de transplantar os modelos de sacerdotes europeus nos padres nativos. Mas alguém, com razão, ressaltou que se confere demasiada importância e prioridade ao perfil do ministro ordenado, colocando-o antes da comunidade que deve recebê-lo. Deve ser o contrário: a comunidade não é para o seu ministro, mas é o ministro para a sua comunidade. Ele deve ser adequado às necessidades da comunidade.
Esta necessidade da comunidade, talvez, terá que nos levar a pensar em ministérios diferenciados a partir do fato de que uma determinada comunidade, em um lugar específico, precisa de uma presença adequada.
Não vamos defender uma espécie de figura histórica à qual um ministro deve aderir sem possíveis variações, de modo que as comunidades devem aceitá-lo e mantê-lo porque é assim que nós o enviamos a elas.
Sim, os ministros são enviados, mas devemos saber como enviar, a fim de respeitar essa comunidade concreta que tem suas próprias necessidades específicas. Também os ministérios devem ser pensados a partir da comunidade: de sua cultura, de sua história e das suas necessidades. A abertura significa isso”.
Depois acrescentou: "A Igreja indígena não é feita por decreto. O Sínodo deve abrir o caminho para que seja possível provocar um processo que tenha liberdade suficiente e que reconheça a dignidade própria de todo cristão e de todo filho de Deus. Eis a grandeza deste Sínodo. O Papa sabe o quanto pode resultar histórico para toda a Igreja. Mas o caminho a seguir nos exorta a cuidar que não seja reproduzido e não se repita o que já existe”.
O cardeal também falou da resistência que existe "tanto na Igreja quanto fora dela, por exemplo, nos governos, nas empresas e em toda parte. Precisamos discernir como nos comportar diante dessas oposições, saber o que precisa ser feito ... Os interesses econômicos e o paradigma tecnocrático se opõem a qualquer tentativa de mudança e estão prontos a se impor pela força, violando os direitos fundamentais das populações no território e as normas para a sustentabilidade e a proteção da Amazônia. Mas não devemos desistir. Será necessário mostrar indignação. Não de maneira violenta, mas certamente de maneira decisiva e profética".
Ele lembrou as contínuas violações dos direitos humanos e a destruição do meio ambiente, afirmando que estamos diante de uma situação "dramática". "O pior - ele ressaltou - é que estes crimes permanecem em grande parte impunes".
Por isso, além da teologia e da pastoral, o Sínodo deve também tratar dos interesses dos povos indígenas, dos direitos humanos e da proteção ambiental.
Ele acrescentou ainda que as novas necessidades pastorais terão que ser estimuladas a pensar em ministérios diferenciados a partir do fato de que uma determinada comunidade, em um lugar específico, precisa de uma presença adequada.
Duramente crítico sobre este Sínodo e seus objetivos, é o card. Gehrard Ludwig Müller. Em um livro recém-publicado, intitulado Römische Begegnungen (Encontros romanos), ele acusa o Papa Francisco de trabalhar pela dissolução (Auflösung) da Igreja.
"A secularização da Igreja segundo o modelo do protestantismo não é o primeiro passo de sua modernização, mas a última de sua autoeliminação (Selbstabschaffung)". Ele também critica o Vaticano por ser um grupo de poder e acusa o chefe da Igreja de sensacionalismo.
Müller adverte a Igreja de uma orientação para o "espírito do tempo" e "a tendência dominante" (mainstream). Uma "reforma da Igreja - ele escreve – só existe através de uma renovação em Cristo". É preciso "mais fé e testemunho, menos política, intriga e jogos de poder". Ele também critica a celebração feita na Alemanha em 2017 do aniversário de 500 anos da Reforma. 1517 - diz ele - não constitui nenhuma "razão para júbilo".
O cardeal também denunciou o conteúdo do Instrumentum laboris do Sínodo em um longo artigo publicado no Die Tagespost em 19 de julho passado. O tom cáustico do artigo é assim resumido pelo jornal na introdução do texto: "O cardeal Müller publicou uma forte denúncia do conteúdo, descreve sua verbosidade, as ambiguidades, os aspectos "autorreferenciais" que derivam do progressismo alemão, a lisonja ao Papa Francisco e os erros que contém. Mais ainda, depois de algumas expressões corteses de pura formalidade, assinala erros fundamentais, aberrantes, até mesmo escandalosos - para usar o tom de sua crítica - e não hesita em ressaltar a dimensão inquietante de um texto que se curva diante de rituais pagãos através de "uma cosmovisão" com seus mitos e a mágica ritual da Mãe Natureza ou seus sacrifícios às "divindades" e aos "espíritos".
Bem diferente é a opinião do cardeal Hummes na entrevista citada acima: "A inculturação da fé e também o diálogo inter-religioso são necessários a partir do indubitável fato de que Deus sempre esteve presente mesmo nos povos indígenas originários, em suas específicas formas e expressões e em sua história. Eles já possuem sua própria experiência de Deus, assim como outros antigos povos do mundo, especialmente aqueles do Antigo Testamento. Todos tiveram uma história em que havia Deus, uma bela experiência da divindade, da transcendência e de uma consequente espiritualidade. Nós, cristãos, acreditamos que Jesus Cristo é a verdadeira salvação e a revelação definitiva que deve iluminar todos os homens. A evangelização dos povos indígenas deve ter como objetivo despertar uma Igreja indígena para as comunidades indígenas: na medida em que acolhem Jesus Cristo, devem poder expressar sua fé através de sua cultura, identidade, história e espiritualidade ".
Duramente crítico contra o Sínodo também o cardeal Walter Brandmüller. Para enfatizar seu pensamento, escolheu o prestigioso jornal Frankfurter Allgemeine Zeitung (22 de julho de 2019). Ele está convicto de que no Sínodo da Amazônia não se tratará tanto da região latino-americana e de seus problemas. Ninguém que observe atentamente a situação atual da Igreja Católica acredita seriamente que o encontro de outubro "realmente será sobre o destino das florestas amazônicas e seus habitantes, mas o questionamento do celibato e uma radical reestruturação (Umbau) da Igreja desejada pelo Papa Francisco”.
A essa insinuação respondeu o jesuíta, especialista em problemas do Vaticano, Bernd Hagenkord. Segundo Brandmüller - afirmou o jesuíta – se apagaria com o golpe de caneta todo o programa estabelecido para "concentrar-se nos temas eternos (aqueles de sempre, ndr), em especial sobre a defesa do celibato em sua forma atual". Em sua manifestação, Brandmüller escreveu que o celibato é um "serviço ao evangelho" e não pode ser abolido por um "ato legislativo do papa ou de um Concílio", já que faz parte da Tradição fundada sobre a vida de Jesus e dos Apóstolos.
O que Brandmüller escreve, observa ainda Hagenkord, mostra que "para ele, outras culturas, seus problemas e suas preocupações não são importantes"; suas argumentações não são de modo algum uma "defesa da Tradição", mas uma "destruição do diálogo". O Papa Francesco com sua encíclica Laudato si' afirmou claramente que a defesa do meio ambiente para os cristãos não é “uma questão de opção”.
Para o cardeal Brandmüller, " não interessam – acrescentou Hagenkord - as outras culturas, suas questões e preocupações, enquanto não se enquadram dentro de seus temas". "A Amazônia para ele seria, portanto, apenas o rótulo da garrafa, mas o espírito que está lá dentro é outra coisa, ou seja, a radical reestruturação da Igreja".
O jesuíta concluiu então: "Se a nossa resposta fosse apenas discutir o celibato, para verificar quem é favorável e quem não é, eu me sentiria deprimido".
As afirmações de Brandmüller também são contestadas pelo card. Hummes, sempre em sua entrevista, segundo quem no coração do Sínodo está o problema da criação de uma Igreja indígena. E ele explicou bem o que se entende por Igreja indígena:
"Sabemos que agora é necessário outro passo: devemos promover e desenvolver uma Igreja indígena para as populações indígenas. As comunidades aborígines que ouvem e aceitam o Evangelho dessa ou daquela forma, ou seja, que aceitam Jesus Cristo, devem ser postas em condição para que sua fé encontre sua expressão cultural em um processo apropriado à sua realidade tradicional. Portanto, no contexto de sua cultura e identidade, de sua história e espiritualidade, uma Igreja indígena em que podem emergir seus pastores e ministros, sempre em unidade com a Igreja Católica universal, mas inculturada nas culturas indígenas. Na história das populações indígenas, se encontram numerosos traços de Deus, Deus sempre esteve presente em sua história. A partir de sua identidade e cultura, podem ser percebidos sinais claros da presença de Deus. Esses povos milenares se originam de uma raiz diferente daquela da Europa, mas também daquela da África, da Índia ou da China. No meio de sua identidade e espiritualidade, e com base em sua relação com a transcendência, devemos criar uma Igreja com um rosto indígena".
Hummes lembrou finalmente que a ideia de um Sínodo para a Amazônia é fruto de uma inspiração que amadureceu aos poucos na mente e no coração do Papa: "A ideia de um Sínodo responde a um sonho. Já em 2015 o Papa começava a me dizer: ‘Estou pensando em fazer uma reunião com todos os bispos da Amazônia. Ainda não sei que tipo de reunião ou de assembleia, mas penso que poderia também ser um Sínodo”. Ele me disse: "Rezemos juntos", e começou a conversar com os bispos, com as Conferências Episcopais dos países amazônicos, sobre como realizar tal assembleia, e assim nele amadureceu a ideia do Sínodo, até que finalmente foi convocado em 2017. Trabalhamos muito para o Sínodo, e continuaremos a fazê-lo neste serviço que é tão importante para o futuro da Igreja. O Sínodo serve para encontrar e traçar novos caminhos para a Igreja”.
Uma coisa, portanto, é certa: este Sínodo será diferente dos outros.
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Amazônia: um Sínodo contestado - Instituto Humanitas Unisinos - IHU