26 Julho 2019
“Vivemos uma transição delicada e incerta do capitalismo globalizante, em crise aguda, para uma forma social ainda mais bestial, feroz, cruel e implacável do mesmo sistema mundial capitalista”, escreve Eduardo Camín, analista uruguaio, vinculado a ONU-Genebra, associado ao Centro Latino-Americano de Análise Estratégica (CLAE), em artigo publicado por Alai, 22-07-2019. A tradução é do Cepat.
Após um processo de três anos de negociações intensas e de diálogo, que reuniram não apenas governos e a sociedade civil, mas também milhões de pessoas comuns em todo o mundo, os Estados membros da Organização das Nações Unidas acordaram unanimemente (quase quatro anos atrás) o que o Secretário Geral da ONU descreveu como "a agenda de desenvolvimento mais inclusiva que o mundo já viu".
A Agenda 2030, adotada em setembro de 2015 por líderes mundiais reunidos em uma cúpula especial da Organização das Nações Unidas, abrange as três dimensões da sustentabilidade: econômica, social e ambiental. É composta por 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) que se baseiam no progresso alcançado através dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM).
Em um recente relatório apresentado em Nova York ao Fórum Político de alto nível da Organização das Nações Unidas (entre os dias 8 a 19 de julho), a OIT observou que a maioria dos países ainda tem um longo caminho a percorrer para alcançar um trabalho decente e inclusivo para todos.
De fato, a OIT analisou o trabalho decente como elemento crucial para o desenvolvimento sustentável. A importância do trabalho decente para realizar o desenvolvimento sustentável é destacada no Objetivo 8, cuja finalidade é "promover o crescimento econômico sustentável, inclusivo e sustentável, emprego pleno e produtivo e trabalho decente para todos".
De acordo com o relatório "Hora de atuar para conseguir o ODS 8: articular trabalho decente, crescimento sustentável e integridade ambiental", em muitos lugares do mundo, o progresso em direção à realização dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável 8 (ODS 8) está diminuindo.
Estima-se que mais de 600 milhões de novos empregos deverão ser criados até 2030, apenas para acompanhar o crescimento da população mundial em idade de trabalhar. Isso representa cerca de 40 milhões de empregos por ano. Sem esquecer a necessidade de melhorar as condições dos 780 milhões de homens e mulheres que trabalham, mas não ganham o suficiente para tirar a si e seus familiares da linha de pobreza de 2 dólares por dia.
“Isso significa que não avançar para conseguir o ODS 8 seria impedir o progresso para conseguir outros Objetivos, como erradicar a pobreza, reduzir as desigualdades, promover a paz e alcançar a igualdade de gênero”, disse Damian Grimshaw, diretor do Departamento de Pesquisa da OIT.
Por sua vez, Guy Ryder, diretor da OIT, acrescentou: até que ponto promovemos esse modelo de desenvolvimento inclusivo e sustentável? Possuímos a determinação necessária? Nosso relatório sobre os avanços relativos ao ODS 8 mostra claramente que não estamos adotando o enfoque mais adequado para cumprir esse objetivo, nem outros ODS. A menos que redobremos esforços, não teremos sucesso”.
Entre muitas coisas que são respeitáveis, a mais respeitável é a realidade. Nada se paga tão caro como a substituição da realidade, pelo que nos parece ou nos convém.
Este novo "contrato social" globalizante já não possui os flashes da iluminação. Mas ninguém, no seu juízo perfeito, poderia se opor a dar efetividade aos direitos humanos relacionados ao acesso à água, ao saneamento e ao trabalho decente, ninguém negaria a necessidade de políticas educacionais atentas à realidade do mercado de trabalho e o papel do fomento da capacitação, a educação e o desenvolvimento de competências para inclusão digital.
A sociedade é um sistema complexo de relações sociais. O principal em seu funcionamento e desenvolvimento é a atividade dos homens. No entanto, isso não significa que ela seja uma soma mecânica de indivíduos, mas um organismo social complexo.
Talvez, ser conhecedor do gênero humano é uma das expressões mais indefinidas com as quais vinculamos determinadas capacidades para se orientar entre as pessoas, já que a união dos melhores talentos, habilidades e capacidades podem se desvalorizar com o "minúsculo" agregado do sistema econômico no qual se desenvolve a caprichosa realidade.
Mas, no âmbito do capitalismo, a justiça social se precipita no vácuo. Portanto, conhecer a essência do mesmo, preserva das desilusões e dos passos em falso dos "funcionários da humanidade". Isso não quer dizer que a realidade não deva ser modificada ou transformada: ela mesma muda e se transforma, e essa variação deve ser orientada, dirigida, às vezes acelerada, às vezes desacelerada, mas sempre levando em conta o que as coisas efetivamente são.
Os organismos internacionais têm sido os oráculos da luta contra a pobreza, milhares de projetos foram escritos, discutidos em fóruns, conferências, debates, a preocupação de acabar com a pobreza, foi transformada em uma constante mania entre os diferentes economistas e particularmente entre os teóricos do desenvolvimento, que adquiriram tal perspectiva devido aos acelerados níveis de crescimento da indústria e à aparente possibilidade de que, com o capitalismo, a humanidade se moveria em direção ao reino da abundância de satisfações materiais.
No entanto, a problemática se mantém, não só se mantém com o advento e desenvolvimento do capitalismo, mas permuta as causas que o geraram no passado, preserva algumas e cria novas formas de viver e de sofrer a pobreza. Essa contradição segue intacta: há aqueles que creem que os males do capitalismo podem ser superados através da promoção da livre concorrência, da abertura de seus mercados e da coleção de tratados comerciais.
Infelizmente, para seus sonhos de glória, ocorre que o capitalismo tende à concentração e centralização do capital. Vivemos uma transição delicada e incerta do capitalismo globalizante, em crise aguda, para uma forma social ainda mais bestial, feroz, cruel e implacável do mesmo sistema mundial capitalista, a qual se fraturam as barreiras sociais que encarrilharam e institucionalizaram os poderes destrutivos do capital.
Esta é a realidade, em plena contradição com as louváveis necessidades de cumprir os objetivos dos ODS. Imersos em um capitalismo que gera o caos e desintegra as sociedades para reordená-las sob seu comando despótico, destrói e constrói ao mesmo tempo. Separa vínculos para voltar a reunir, sob sua dominação e controle. Portanto, o capitalismo não é apenas caos e desordem. É também ordem, uma ordem cada vez mais opressiva e predatória.
O contrato social da globalização se afunda nas turvas águas do desencanto, das promessas sem amanhã, porque lá fora chove com fúria e tudo inunda.
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O “contrato social da globalização”: outra promessa sem amanhã? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU