25 Julho 2019
Agora é um grande campo vazio. Mas no próximo ano, em um lote de 2 hectares, no Nordeste de Washington, brotarão aproximadamente 5 mil painéis solares, o maior campo que a capital do país já viu – uma transformação impulsionada por grupos católicos locais.
A reportagem é de Hannah Natanson, publicada por Washington Post, 21-07-2019. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Catholic Energies, uma organização sem fins lucrativos que ajuda igrejas por todo país a mudar para energia solar, em parceria com a proprietária do campo, a Catholic Charities da Arquidiocese de Washington, a construir um sistema suficiente para manter as luzes acesas em 260 casas por um ano. A potência produzida volta para a grade em Washington D.C., rendendo à Catholic Charities créditos energéticos suficientes para compensar os custos da eletricidade de 12 das suas propriedades no Distrito.
“Eu estou realmente feliz que nós conseguimos fazer algo assim, acredito que é a coisa certa para se fazer ao planeta”, disse Mary Jane Morrow, a chefe do escritório de finanças da Catholic Charities, uma a agência de serviços sociais, baseada na fé [Nota de IHU On-Line: é uma organização nacional vinculada a Caritas Internationalis].
Esse é o segundo projeto de economia de energia que a Catholic Energies realizou na região. O grupo terminou uma instalação de 440 painéis solares na cobertura de uma igreja da Virginia, no último mês.
Os painéis solares, programados para estarem prontos no início de 2020, custará muitos milhões de dólares, de acordo com Page Gravely, vice-presidente para serviços ao cliente na Catholic Energies. Mas Catholic Charities não pagará nenhum centavo.
Assim funciona a Catholic Energies: Suas negociações são um acordo entre o cliente – normalmente uma Igreja Católica ou escola católica – e um investidor, frequentemente uma companhia de energia renovável. O investidor concorda em pagar uma empreiteira terceirizada para instalar um sistema solar em troca de 30% de crédito de imposto federal, assim como incentivos financeiros que variam em cada estado.
Catholic Energies então assume uma pequena taxa de desenvolvedora (menor que a taxa padrão da indústria, que é 15%), suficiente para financiar sua operação de cinco pessoas com base no Distrito em um ponto de equilíbrio. O grupo aceita uma taxa baixa porque quer financiar "o tanto de projetos que forem possíveis", disse Dan Last, diretor de operações da Catholic Energies.
Washington é particularmente amigável com a energia solar: seus créditos solares, no valor de cerca de 400 dólares cada, tornam o "mercado de energia solar mais movimentado" dos Estados Unidos, disse Last. Massachusetts oferece o próximo preço mais alto em cerca de 300 dólares por crédito.
Isso é um benefício para a IGS Solar, a empresa de energia que financia a instalação no nordeste de Washington. E a Catholic Charities também ganham. O sistema solar economizará da agência várias centenas de milhares de dólares por ano, segundo Last.
Mas os benefícios fiscais não são o ponto principal, disse Morrow. Ela citou “Laudato Si”, um documento de 192 páginas que o papa Francisco divulgou em 2015 e defende uma parceria entre ciência e religião para combater as mudanças climáticas causadas pelo homem.
No documento, cujo título se traduz em "Louvado Seja [Be Praised, em inglês]", Francisco exigiu uma "conversão ecológica" para os fiéis católicos, exortando-os a abraçar a reciclagem, o plantio de árvores e o carpooling [carona solidária].
"Adoramos apoiar a posição do papa e acreditamos que isso realmente ajudou a promover a conversa dentro da comunidade católica sobre nossa responsabilidade de sermos bons administradores da Terra", disse Morrow.
Vladimir Bulovic, professor de engenharia elétrica do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) e pesquisador de tecnologia solar, disse que o trabalho que a Catholic Energies está fazendo é vital e avança nas metas ambientais. Usando dados do governo publicamente disponíveis, Bulovic estimou que a produção do campo solar de Washington D.C. será equivalente a 2,5% - cerca de um quadragésimo - de toda a energia renovável gerada atualmente no Distrito a cada ano. Isso é "um acréscimo significativo", ele disse.
"É importante se inspirar em gerar capacidade de energia renovável para o planeta", disse Bulovic sobre a Catholic Energies.
Além de seu financiamento orientado pela fé, os painéis solares são incomuns de outra maneira. Eles ficarão no topo de um “campo de polinizadores” de 650.000 nectaríferas, plantas que florescem, incluindo margaridas amarelas, centáureas laranjas e asclepias. O campo é destinado a revigorar as populações locais de abelhas e borboletas, disse Last.
Ele também participará da pesquisa em andamento, conduzida pelo Laboratório Nacional de Energia Renovável, sobre se a colocação de plantas polinizadoras sob painéis solares aumenta sua produção e vida útil, disse Rob Davis, diretor do Centro de Polinizadores em Energia, consultor do projeto. Um estudo da Universidade do Arizona, aceito para ser publicado em setembro, descobriu recentemente que as plantas de tomate podem resfriar a área sob painéis solares, levando ao aumento da produção de energia, segundo Davis.
Esta "é uma tendência emergente promissora em design e desenvolvimento solar", disse Davis.
As usinas também foram uma concessão para os habitantes locais, alguns dos quais reclamaram que os painéis solares seriam muito feios - normalmente, eles são construídos sobre cascalho ou sujeira. O campo é adjacente a um grande bairro onde nem todos os moradores são fãs do projeto.
A "maioria" das pessoas que vivem perto do campo estão preocupadas com os painéis solares por várias razões, disse Joyce Chandler, 57 anos, uma engenheira aposentada que mora no bairro há 30 anos. Ela e seus vizinhos não gostaram do fato de que o projeto exigiu a derrubada de cerca de 40 árvores, o que preocupa pois pode aumentar o escoamento das águas pluviais em pátios privados.
E Chandler ficou aborrecido com o recente uso de um herbicida em ervas daninhas antes da instalação.
"Eles estão impactando o que é uma área residencial", disse Chandler. "As pessoas saem com seus filhos pequenos, seus cães e eles não tinham ideia de que estavam pulverizando essas substâncias químicas por aí".
Last disse que a Catholic Energies trabalhou para resolver as preocupações dos moradores, apontando particularmente a um estudo comissionado que mostrar que painéis solares não afetariam negativamente a saúde dos moradores próximos. Ele disse que o herbicida usado é permitido pelo Departamento do Consumidor e Regulador de Relações de Washington D.C., e que a Catholic Energies seguiu todos os protocolos da cidade para uso de herbicidas, e também que os grupo está plantando 100 árvores em outro campo, como parte do projeto solar.
Catholic Energies foi criada apenas três anos atrás – inspirada, em parte, pelo documento papal de 2015. O grupo é um sub-programa da iniciativa nacional, sem fins lucrativos, Catholic Climate Covenant, lançada em 2006, que procura educar e engajar os católicos estadunidenses no cuidado com o meio-ambiente.
Dan Misleh, fundador e diretor-executivo da Catholic Climate Covenant, disse que os argumentos de Francisco foram a “força-motriz” por trás da Catholic Energies, as quais, disse ele, obrigam as igrejas para pensar sobre o meio-ambiente, mostrando-lhes como muito dinheiro pode salvar através da energia “inteligente”.
Muitas vezes, porém, as igrejas chegam primeiro. A maioria dos clientes entra em contato preenchendo um formulário de interesse on-line no site da Catholic Energies, disse Last. Depois disso, a Catholic Energies realiza um estudo de viabilidade gratuito e apresenta um projeto possível. Seu objetivo é sempre criar pelo menos 10% de economia para as instituições católicas.
Se o trabalho dá certo, Catholic Energies localiza um investidor terceirizado, deixa a igreja escolher entre várias construtoras e, então, a construção começa. O grupo recebeu mais de 40 pedidos de todo o país no último ano e aceitou a maioria que foi possível, disse Last. Ele disse que os desacordos são geralmente por locais impróprios – com muita população, como Midtown Manhattan, que tem “pouco sol”, por exemplo.
Misleh disse que Catholic Energies não está sozinha em atender o chamado de Francisco. Ele apontou dioceses ao redor do país, incluindo em Atlanta e San Diego, que estão trabalhando para mudar suas paróquias e escolas para energia solar. Mas a Catholic Energies é o único programa que ele conhece que aceita instituições católicos gratuitamente, disse.
A ideia está pegando. A organização tem mais de 25 projetos desenhados, em oito estados, que somam entre 12 e 15 milhões de dólares, em construção, disse Last.
Um marco importante ocorreu em meados de junho, quando a Igreja Católica da Imaculada Conceição, em Hampton, Virgínia, tornou-se a primeira igreja a concluir um projeto com a Catholic Energies. Seu novo sistema solar de 350 mil dólares, financiado pelo investidor Red Lion Renewables, atenderá a 100% das necessidades de eletricidade da paróquia, economizando 14% em sua conta mensal de eletricidade. Também impedirá a liberação de cerca de 230 toneladas de dióxido de carbono por ano, equivalentes às emissões de 25 residências.
John Grace, o pastor da igreja, disse que recebeu 15 telefonemas de igrejas de todo o país perguntando como ele fez isso – e se eles também poderiam – nas primeiras semanas depois da instalação. Ele também viu um interesse crescente na igreja por parte dos jovens, que dizem estar impressionados com a preocupação da Imaculada Conceição pelo meio ambiente.
"É um imperativo moral", disse Grace.
Misleh disse que as raízes de projetos como o da Imaculada Conceição são bíblicas.
“Isso remonta ao Gênesis. Nós devemos ser os cuidadores do dom da criação de Deus ”, disse ele.
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Um campo em Washington D.C. será, em breve, casa de 5 mil painéis solares. Isso por causa de grupos católicos locais – e um documento do Papa - Instituto Humanitas Unisinos - IHU