23 Julho 2019
"Em que mundo vivem esses seminaristas? Será que não saem à rua onde necessariamente se deparariam com um número cada vez maior de pessoas pedindo esmola, jovens fazendo malabarismo para motoristas parados no sinal vermelho, gente drogada, e a quantidade de moradores de rua?", questiona Pedro A. Ribeiro de Oliveira, sociólogo, em artigo publicado por Paz e Bem, 21-07-2019.
Ao ver no site da CNBB, no dia 15/07/2019, a notícia sobre o 3° Congresso Missionário Nacional de Seminaristas, tive a curiosidade sociológica de ler a íntegra de sua Carta-compromisso aos irmãos de Seminário, senhores Bispos e Formadores de todo Brasil, porque esse tipo de documento geralmente expressa a autoimagem que o grupo quer difundir.
A carta publicada em nome de 235 seminaristas diocesanos e religiosos de 104 dioceses é centrada no tema da missão: “(…) sentimos que, mais do que nunca, devemos assumir sem medo o seguimento de Cristo de maneira preferencial. ‘Não é possível falar de vocação, excluindo missão.‘” Por isso deixo de lado todas as considerações feitas sobre a alegria pela boa organização do encontro, a importância da conversão pastoral e a disposição espiritual dos seminaristas para realizarem sua vocação, e vou diretamente ao ponto de partida para qualquer missão pastoral: como o agente missionário vê seu campo de ação?
Em tempos de Igreja em saída como pede o Papa Francisco, a carta bem poderia referir-se aos dramas atuais. Porém, a única referência à realidade do mundo de hoje é: “Na era atual em que a vida cada vez mais perde seu sentido devido às novas tecnologias, todo missionário é convidado a ser profeta, ser e fazer algo definitivo em meio a essa transitoriedade, pois a missão tende ao que não passará. A Igreja missionária, impulsionada pelo desejo de evangelizar, deve anunciar a partir da experiência própria com Deus e transformação pessoal que emerge de dentro, do ser, pelo e por amor“.
Essa definição de missão está em vigor pelo menos desde o século XV, quando as inovações tecnológicas possibilitaram as grandes navegações e a conquista do mundo pelos europeus, instaurando a transitoriedade característica da era moderna. Se a carta tivesse sido escrita há dois ou três séculos atrás, teria igual atualidade…
Em que mundo vivem esses seminaristas? Será que não saem à rua onde necessariamente se deparariam com um número cada vez maior de pessoas pedindo esmola, jovens fazendo malabarismo para motoristas parados no sinal vermelho, gente drogada, e a quantidade de moradores de rua? Será que nem ao menos leem jornais ou veem noticiário na TV para se informar que aumenta o número de pessoas desempregadas ou desalentadas, cresce o desmatamento na Amazônia e sua impunidade, aumenta o número de homicídios – especialmente feminicídios?
Talvez seja demais esperar que seminaristas, dedicados a estudos de filosofia escolástica e teologia que não vai além do Catecismo da Igreja Católica entendam as perversidades embutidas na chamada “nova Previdência”, no programa de privatização da Petrobrás, ou no desmonte de políticas públicas. Nisso parecem situar-se no mesmo patamar de outros jovens de sua idade – felizmente, as jovens mulheres dão sinais de estarem mais antenadas aos problemas do mundo real – que se deixam conduzir por youtubers e blogueiros de sucesso nas redes digitais. Nem por isso deixo de lamentar sua insensibilidade social, ainda mais em tempos de Francisco. E o caso é grave, porque seus bispos serão pressionados a ordená-los e depois precisarão criar paróquias onde eles vão perpetuar o clericalismo que vem minando a credibilidade da Igreja católica.
Tudo isso me lembra a conversa com um bispo fiel aos princípios do Concílio Vaticano II, sobre a alienação de nossa Igreja diante das grandes questões humanas. Com tristeza, ele afirmou, em tom de confidência: “Infelizmente, perdemos a batalha do seminário”. Não creio que já tenhamos perdido essa batalha, porque ainda há tempo para reverter a situação. Se quiserem, os bispos podem dar outro destino ao prédio do seminário, estimular os candidatos ao ministério presbiteral a frequentar instituições de ensino superior e oferecer-lhes acompanhamento pastoral nos finais de semana. Talvez isso não seja suficiente para abrir seus olhos para a realidade atual e impulsioná-los a irem para as ruas e praças, mas certamente os retiraria do ambiente eclesiástico autorreferente onde hoje se encontram.
A carta dos seminaristas brasileiros sinaliza que eles ainda estão distantes da proposta de Francisco de uma Igreja em saída. Por isso, é verdade que estamos perdendo essa batalha, mas ela ainda não está definitivamente perdida. Tudo depende de um punhado de bispos do Brasil mostrar tanta coragem pastoral quanto o atual bispo de Roma.
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Seminaristas: batalha perdida? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU