03 Junho 2016
Na Basílica de São Paulo fora dos Muros, o Papa Francisco propôs na tarde de ontem, 02-06-2016, a terceira meditação dos Exercícios para os sacerdotes e os seminaristas presentes em Roma para o Jubileu.
O tema foi “o bom odor de Cristo e a luz de sua misericórdia”. A íntegra da meditação, em italiano, pode ser lida aqui.
Todo o retiro pregado no dia de ontem, 02-06-2016, pelo Papa foi seguido em videoconferência também pelos sacerdotes reunidos nas Basílicas de São João de Latrão (para ler a integra da meditação, em italiano, pode ser lida aqui e de Santa Maria Maior (para ler a integra da meditação, sob o título ‘Receptáculo da misericórdia”, em italiano, pode ser lida aqui.
A seguir publicamos alguns extratos da meditação lida, com trechos improvisados, pelo Papa Francisco na Basílica de São Paulo fora dos Muros, em Roma. A tradução é de Benno Dischinger.
Cura Brochero
“Ser misericordioso não é somente um modo de ser, mas o modo de ser. Não existe outra possibilidade de ser sacerdote. O Cura Brochero dizia: “O sacerdote que não sente muita compaixão dos pecadores é meio sacerdote. Estes trapos abençoados que visto não são os que me fazem sacerdote; se não carrego no meu peito a caridade, não sou sequer cristão”.
Ad impossibilia nemo tenetur
“Se alguém se aproxima do confessionário é porque está arrependido, já existe arrependimento. E, se se aproxima, é porque tem o desejo de mudar. Ou pelo menos deseja o desejo e, se a situação lhe parece impossível (ad impossibilia nemo tenetur, como diz o ditado, ninguém é obrigado a fazer o impossível)”.
Linguagem das possibilidades
“A linguagem dos gestos. Li na vida de um santo recente destes tempos que, pobrezinho, sofria na guerra. Havia um soldado que estava para ser fuzilado e ele foi confessá-lo. E se vê que aquele tal era um pouco libertino, fazia tantas festas com as mulheres... “Mas, tu estás arrependido disto?”. “Não, era tão lindo, padre”. E este santo não sabia como sair desta. Estava ali o pelotão para fuzilá-lo, e então lhe disse: “Diga ao menos: lastimas por não estar arrependido?” “Isto sim” – “Ah, está bem!”. O confessor procura sempre a via, e a linguagem dos gestos é a linguagem das possibilidades para chegar ao ponto”.
Delicadeza
“É preciso aprender dos bons confessores, aqueles que têm delicadeza com os pecadores e aos quais basta meia palavra para entender tudo, como Jesus com a prostituta, e precisamente naquele momento sai deles a força do perdão. Eu fiquei tão edificado por um dos penitentes que tinha um pecado que lhe dava vergonha de dizê-lo e começava com uma palavra ou duas, eu logo entendia do que se tratava e dizia: “Vá em frente, entendi, entendi!”. E o acalmava, porque havia entendido. Isto é delicadeza”.
Questão matemática
“Mas, aqueles confessores – perdoai-me – que pedem e pedem...: “Mas, diga-me, por favor...” Tu precisas de tantos detalhes para perdoar ou “estás te fazendo o filme”? Aquele cardeal me edificou tanto. A completude da confissão não é uma questão matemática – quantas vezes? Como? Onde? ...”.
Jesus era paciente
“Às vezes a vergonha se esconde mais diante do número do que diante do próprio pecado. E por isso, é preciso deixar-se comover diante da situação das pessoas, que às vezes é uma mixórdia de coisas, de doença, de pecado e de condicionamentos impossíveis de superar, como Jesus se comovia vendo o povo sentia-o nas vísceras, nas tripas e por isso curava e curava também se o outro “não o pedia bem”, como aquele leproso, ou girava em torno, como a Samaritana, que era como o papagaio: fazia o verso de um lado mas tinha o ninho do outro. Jesus era paciente”. (...)
Melhorar a misericórdia com mais misericórdia
“Conheci, em Buenos Aires, um capuchinho – ainda vive -, um pouco mais jovem do que eu, que é um grande confessor. Sempre há fila diante do confessionário, tanta gente – todos: gente humilde, gente bem de vida, padres, Irmãs, uma fila -, uma sequência de pessoas, todos os dias a confessar-se. E ele é um grande perdoador. Sempre encontra a via para perdoar e para fazer dar um passo em frente. É um dom do Espírito. Mas, às vezes, lhe vem o escrúpulo de ter perdoado demais. E então, certa vez, falando me disse: “Às vezes tenho este escrúpulo”. E eu lhe perguntei: “E o que fazes quando tens este escrúpulo?” “Vou ante o tabernáculo, olho o Senhor e lhe digo: “Senhor, perdoa-me, hoje perdoei muito. Mas que fique claro: a culpa é tua porque foste tu que me deste o mau exemplo!”. Ou seja, melhorava a misericórdia com mais misericórdia”.
Juiz-funcionário
“Enfim, sobre este tema da Confissão, dois conselhos. Um: não tenhais jamais o olhar do funcionário, daquele que só vê “casos” e lhe caem costas abaixo. A misericórdia nos livra de ser um padre juiz-funcionário, digamos, que à força de julgar “casos” perde a sensibilidade para as pessoas e para as fisionomias”.
‘Audiendas’ e a Moral ‘dos livros’
“Eu recordo, quando estava no II ano de Teologia, foi com os meus colegas assistir ao exame de “audiendas”, que se fazia no III ano de Teologia, antes da ordenação. Fomos para aprender um pouco, sempre se aprendia.E, certa vez, recordo que a um colega fizeram uma pergunta, era sobre a justiça, de iure, mas tão intrincada, tão artificial... E aquele colega falou assim com muita humildade: “Mas, padre, isto não se encontra na vida”. – “Mas se encontra nos livros”. Esta moral “dos livros”, sem experiência”.
Bastonadas
Escutei certa vez comentários dos sacerdotes que dizem: ‘Mas este Papa nos bate demasiado, nos reprende’. E aquela bastonada, aquela censura existe. Mas, devo dizer que fiquei edificado por tantos sacerdotes, tantos padres excelentes! Daqueles – eu os conheci – que, quando não existia a secretaria telefônica, dormiam com o telefone sobre o bidê, e ninguém morria sem os sacramentos; eram chamados a qualquer hora e eles se levantavam e iam atender. Ótimos sacerdotes! E agradeço ao Senhor por esta graça. Todos somos pecadores, mas podemos dizer que há tantos bons e santos sacerdotes que trabalham em silêncio e escondidos. Às vezes há um escândalo, mas nós sabemos que faz mais rumor uma árvore que cai do que uma floresta que cresce.
Carta
E ontem recebi uma carta, deixei-a ali, com minhas coisas pessoais. Abri-a antes de vir e creio que tenha sido o Senhor a sugerir-me isso. É de um pároco na Itália, pároco de três aldeias. Creio que nos fará bem ouvir este testemunho de um irmão nosso. Foi escrita no dia 29 de maio, há poucos dias.
“Perdoe o incômodo. Aproveito a ocasião de um amigo sacerdote que nestes dias se encontra em Roma para o Jubileu sacerdotal, para fazê-la chegar sem nenhuma pretensão – como simples pároco de três pequenas paróquias de montanha, e prefiro chamar-me de “pastorzinho” – algumas considerações sobre meu simples serviço pastoral, provocadas – Agradeço-lhe de coração – por algumas coisas que Você disse e que me chamam ainda hoje à conversão. Estou cônscio que não lhe escrevo nada novo. Certamente já terá escutado estas coisas. Sinto a necessidade de fazer-me também eu de porta-voz. Me tocou, ainda me toca aquele convite que Você por mais vezes faz a nós pastores, o de termos o perfume das ovelhas.
Vivo em montanha e sei bem o que quer dizer. A gente se torna padre para sentir aquele cheiro, que depois é o verdadeiro perfume da grei. Seria realmente lindo se o contato cotidiano e a frequentação assídua da nossa grei, verdadeiro motivo da nossa vocação, não fossem substituídas pelas incumbências administrativas e burocráticas das paróquias, pela escola infantil e por outras coisas.
Tenho a sorte de ter bravos e bons leigos que seguem de dentro estas coisas. Mas, há sempre aquela incumbência jurídica do pároco, como único e solitário representante legal. Pelo que, no final, você deve sempre correr por toda parte, relegando às vezes a visita aos enfermos, às famílias como última coisa, feita, quem sabe, velozmente e de qualquer modo.
Eu o digo em primeira pessoa, às vezes é realmente frustrante constatar como na minha vida de padre se corra tanto pelo aparato burocrático e administrativo, deixando para depois o povo, aquele pequeno rebanho que me foi confiado, quase abandonado a si mesmo.
Creia-me, Santo Padre, é triste e muitas vezes começo a chorar por esta carência. A gente procura organizar-se, mas no final é somente o turbilhão das coisas cotidianas.
Como também outro aspecto, também por Vós exigido: a carência de paternidade. Diz-se que a sociedade de hoje é carente de pais e de mães. Parece-me constatar como às vezes também nós renunciamos a esta paternidade espiritual, reduzindo-nos brutalmente a burocratas do sagrado, com a triste consequência de nos sentirmos depois abandonados a nós mesmos. Uma paternidade difícil, que depois repercute inevitavelmente também sobre os nossos superiores, tomados também eles por compreensíveis incumbências e problemáticas, correndo o risco de assim viver conosco numa relação formal, ligada à gestão da comunidade, mais do que à nossa vida de homens, de pessoas de fé e de padres.
Tudo isto – e concluo – não tolhe, em todo caso, a alegria e a paixão de ser padre para o povo e com o povo. Se às vezes, como pastor, não tenho o cheiro das ovelhas, comovo-me cada vez com meu rebanho que não perdeu o cheiro do pastor! Que lindo, Santo Padre, quando a gente se dá conta que as ovelhas não nos deixam sós, têm o termômetro do nosso ser ali para elas e, se por caso o pastor sai da senda e se perde, eles o agarram e o conduzem pela mão.
Não cessarei jamais de agradecer ao Senhor, porque sempre nos salva através de sua grei, aquela grei que nos foi confiada, aquela gente simples, boa, humilde e serena, aquela grei que a verdadeira graça do pastor. De modo confidencial Lhe fiz chegar estas pequenas e simples considerações, porque Você está próximo da grei, é capaz de entender e pode continuar a ajudar-nos e sustentar-nos. Oro pelo Senhor e Lhe agradeço, como também por aqueles “puxões de orelhas” que sinto serem necessárias para a minha caminhada. “Abençoe-me, Papa Francisco, e ore por mim e pelas minhas paróquias”.
Assinatura e no final aquele gesto próprio dos pastores:
“Deixo-lhe uma pequena oferta. Reze pelas minhas comunidades, em particular por alguns doentes graves e por algumas famílias em dificuldades econômicas e não só. Obrigado!”.
Não percam o senso de humor
"Isto é um irmão nosso. Há tantos assim, há tantos! Certamente também aqui. Tantos. Indica-nos o caminhno. E vamos em frente! Não perder a prece. Orai como podeis, e se ficais com sono diante do Tabernáculo, sejais abençoado. Mas, orai. Não perder isto. Não perder o deixar-se proteger por Nossa Senhora e contemplá-la como Mãe. Não perder o zelo, procurar agir... Não perder a proximidade e a disponibilidade para o povo e também, eu me permito vo-lo dizer: não percam o senso de humor. E vamos em frente!"
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O bom odor de Cristo e a luz de sua misericórdia. Papa Francisco fala aos padres e seminaristas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU