06 Junho 2019
O Sumo Pontífice encerrou um congresso panamericano sobre “Direitos sociais e doutrina franciscana”.
A reportagem é publicada por InfoBae, 04-06-2019. A tradução é de André Langer.
Eugenio Zaffaroni e o Papa Francisco não se viam tão de perto há muito tempo. Nesta terça-feira eles se encontraram novamente no Vaticano, no âmbito de um congresso sobre “Direitos sociais e doutrina franciscana”. Perante mais de 50 juízes e juízas de toda a América, incluindo cerca de 20 da Argentina, o ex-ministro da Suprema Corte e o Sumo Pontífice concordaram com o papel da Justiça.
“Cada sentença é um ato político. O direito é luta, e temos de ser partidários e políticos. Cada sentença nossa é um ato político. Porque é um ato de governo da polis. Não é verdade que podemos ser neutros, não é verdade que podemos ser imparciais; nós não podemos ser imparciais individualmente”, disse Zaffaroni durante o seu discurso.
E acrescentou: “Nós não podemos ser nem apartidários nem aideológicos (sic), porque não há ser humano algum que seja assim, e se existir, é um ser patológico, não é um juiz. Assumamos a nossa responsabilidade, tenhamos consciência do que devemos fazer e continuemos lutando”.
O encontro, coordenado pelo bispo argentino Marcelo Sánchez Sorondo – da Pontifícia Academia das Ciências –, centrou-se em como a Justiça e os juízes podem ajudar a reorganizar a vida social e econômica nos países da América e no resto do mundo.
Além de Zaffaroni, entre os representantes argentinos estiveram o presidente do Tribunal Superior da Justiça da Cidade de Buenos Aires, Inés Weinberg de Roca; o procurador-geral da Cidade, Horacio Corti; o magistrado Guillermo Treacy; o juiz de câmara Carlos Balbín e a juíza de câmara Fabiana Schafrik; o juiz da Câmara do Trabalho Roberto Carlos Pompa e a juíza Elena Liberatori.
Zaffaroni moderou o segundo bloco de colocações. Cada palestrante teve 15 minutos para apresentar suas ideias sobre como aperfeiçoar as políticas judiciais em torno do respeito total aos direitos humanos, promovendo encontros de formação, cursos, etc.
Após um breve break, teve início o terceiro e último bloco. No final deste, o Papa Francisco entrou na sala. Em suas primeiras palavras, destacou o papel dos magistrados e seu trabalho “constante para assegurar que os direitos das pessoas, especialmente as mais vulneráveis, sejam respeitados e garantidos”.
O Sumo Pontífice aproveitou o encontro para expressar sua preocupação com a intervenção do judiciário nos cenários políticos.
“Estou preocupado com uma nova forma de intervenção exógena nos cenários políticos dos países, através do uso indevido de procedimentos legais e tipificações judiciais”, disse.
O Papa alertou sobre o uso do off the record: “Além de colocar em sério risco a democracia, geralmente é utilizada para minar processos políticos emergentes e se inclinar para a violação sistemática dos direitos sociais”.
Finalmente, pediu que “para garantir a qualidade institucional dos Estados, é fundamental detectar e neutralizar este tipo de práticas que resultam de uma atividade judicial imprópria em combinação com operações multimidiáticas paralelas”.
Nesta terça-feira, os participantes assinaram um documento de compromisso e criaram um comitê pan-americano permanente para a participação da Justiça na proteção dos chamados direitos sociais. O comitê é formado por sete membros que estarão no seu cargo por dois anos.
Os abaixo-assinados, participantes da primeira Cúpula Panamericana de Juízas e Juízes sobre Direitos Sociais e Doutrina Franciscana, declaramos:
Estamos profundamente preocupados com a deterioração dos sistemas normativos nacionais e internacionais e, em particular, com a degradação do exercício universal dos direitos econômicos, sociais e culturais.
Observamos um pronunciado processo global de dualização social que implica injustiça estrutural e violência; minorias cada vez menores concentram de forma inédita as riquezas, diminuindo o bem-estar e a dignidade de milhões de seres humanos.
Paralelamente, notamos que o atual sistema econômico mundial faz pouco ou nada para preservar o equilíbrio ambiental, contribuindo dessa maneira para uma degradação integral da existência humana.
A palavra e o exemplo de Francisco nos interpelam substantivamente e promovem independente de nossas crenças religiosas pessoais, reformulações e abordagens críticas de nossa visão judicial.
A situação atual da humanidade exige de quem temos a enorme responsabilidade de controlar judicialmente o cumprimento dos direitos humanos, uma posição firme e corajosa que limite na prática o avanço das práticas destrutivas e degradantes do homem e do plantel.
Consideramos que os Estados assumam a operatividade incondicional dos direitos econômicos, sociais e culturais e, para os propósitos de seu estrito cumprimento, modifiquem sua política orçamentária obtendo equações mais equitativas e justas.
Fazemos um apelo a todos os países para que alcancem os objetivos do desenvolvimento sustentável da ONU, que são compromissos específicos e com prazo de nossa geração, para cumprir a declaração universal dos direitos humanos e os acordos com os direitos humanos.
Fazemos um apelo a todos os países para que tomem medidas decisivas para cumprir os objetivos do acordo climático de Paris, que são vitais para a sobrevivência e o bem-estar humanos, especialmente para os pobres e para as gerações futuras.
Entendemos que não há possibilidade de viver em paz e democracia em processos políticos e sociais em que se aprofundam o descarte de pessoas e a destruição do meio ambiente.
Advertimos sobre o uso que é feito atualmente de uma parte do poder judiciário para modificar cenários políticos e econômicos, desnaturalizando as funções judiciais e destruindo a democracia com o custo que isso implica para o desenvolvimento dos direitos humanos.
Ressaltamos que os sistemas de comunicação concentrados, quando agem para pressionar os poderes públicos, perdem sua essência e colocam em risco a institucionalidade ao substituir os poderes públicos por meio de operações midiáticas de duvidosa legitimidade.
Neste contexto de crise planetária, fazemos um apelo a todos os nossos colegas juízes das Américas para assumir o papel que a hora exige de nós, coordenar esforços, desenhar estratégias e renovar diariamente o nosso compromisso com a dignidade humana e a paz global, bem como a realização dos direitos humanos em todas as dimensões.
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O Papa se diz preocupado com a intervenção do judiciário na política ao receber juízas e juízes. Veja a 'Declaração de Roma' - Instituto Humanitas Unisinos - IHU