13 Mai 2019
“As novas normas que tratam dos encobrimentos são um bom primeiro passo, mas, na sociedade civil, assim como na Igreja, as leis não são suficientes. A aplicação também é necessária para que as crianças sejam protegidas e os sobreviventes de abuso obtenham justiça.”
O comentário é do jesuíta estadunidense Thomas J. Reese, ex-editor-chefe da revista America, dos jesuítas dos Estados Unidos, de 1998 a 2005, e autor de “O Vaticano por dentro” (Ed. Edusc, 1998), em artigo publicado por Religion News Service, 10-05-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Aprendendo com aquilo que ele chama de “amargas lições do passado”, o Papa Francisco emitiu a resposta mais abrangente do seu papado à crise dos abusos sexuais.
O novo documento exige que bispos, padres e religiosos denunciem abusos sexuais e encobrimentos às autoridades da Igreja e estabeleçam novos procedimentos para investigar os bispos. Também diz aos bispos que sigam as leis locais que regem a denúncia de abuso às autoridades civis.
Esse é um grande passo para o Vaticano. Ao lidar não apenas com os abusos, mas também com os acobertamentos, o papa respondeu às exigências de que os bispos sejam responsabilizados por não protegerem as crianças dos padres abusivos. Também responde àqueles que se queixaram de que a cúpula sobre os abusos sexuais em fevereiro em Roma, à qual o papa convocou os principais bispos de todo o mundo, foi apenas conversa e nada de ação. Agora Francisco agiu.
As novas normas aplicam-se não apenas ao abuso de menores (menores de 18 anos), mas também ao abuso de outras pessoas vulneráveis, assim como de qualquer pessoa forçada “com violência, ameaça ou abuso de autoridade, a realizar ou sofrer atos sexuais”. Isso inclui seminaristas, noviços e religiosas adultos.
O documento do dia 9 de maio, “Vos estis lux mundi” (“Vós sois a luz do mundo”), aplica-se a todos os bispos, padres e religiosos de todo o mundo. Ele também encoraja os leigos a denunciarem os abusos ou encobrimentos. Essas denúncias devem ser protegidas de qualquer “danos, retaliações ou discriminações”. Também não se pode exigir que acusadores ou vítimas mantenham silêncio sobre suas acusações. E, se as vítimas solicitarem, devem ser informadas sobre os resultados da investigação.
Os bispos são obrigados a estabelecer procedimentos para denunciar e investigar as acusações contra os padres até o dia 1º de junho de 2020. As dioceses dos EUA já têm esses procedimentos, mas eles estão faltando em muitas dioceses do Sul global. Nos EUA, os procedimentos atualmente se aplicam apenas aos padres, e não aos bispos.
De acordo com as novas normas, as acusações de abuso ou de encobrimento contra um bispo devem ser feitas ao seu arcebispo, também chamado de metropolitano, ou ao Vaticano. O metropolitano relata as acusações a Roma, que então o autoriza a investigar. Se um arcebispo ou cardeal é acusado, ele é relatado a Roma, que designará um prelado para investigá-lo.
Os relatórios sobre o status de qualquer investigação devem ser enviado pelo arcebispo a Roma a cada 30 dias, e o relatório final dentro de 90 dias, embora prorrogações possam ser concedidas quando necessário.
As normas não são perfeitas, mas são um grande passo.
“A lei é importante, pois faz uma declaração clara de uma obrigação”, disse o arcebispo Charles Scicluna ao National Catholic Reporter. “Eu acho que a obrigação sempre existiu, mas a experiência nos mostra que ou a mentalidade de círculo fechado ou um interesse equivocado em proteger a instituição estava impedindo a divulgação.”
Alguns se queixarão do fato de os arcebispos investigarem bispos como algo não confiável, já que a “mentalidade de círculo fechado” pode invadir novamente. É verdade, mas é melhor do que nada, e os arcebispos espertos envolverão os leigos nas investigações.
Os críticos também se queixarão de que fazer denúncias de abuso às autoridades civis não é necessário, a menos que as leis locais o obriguem. Muitas jurisdições civis não exigem a denúncia.
As denúncias devem ser exigidas nos EUA e em outros países com sistemas de justiça penal funcionais e justos, em que uma pessoa é considerada inocente até que se prove a culpa. Mas, em muitos países, a polícia e os tribunais são corruptos, incompetentes ou abusivos. Em alguns países, um padre seria considerado culpado se seu bispo o denunciasse.
As novas normas que tratam dos encobrimentos são um bom primeiro passo, mas, na sociedade civil, assim como na Igreja, as leis não são suficientes. A aplicação também é necessária para que as crianças sejam protegidas e os sobreviventes de abuso obtenham justiça.
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Sucesso das novas regras antiabuso do Papa Francisco dependerá de sua aplicação. Artigo de Thomas Reese - Instituto Humanitas Unisinos - IHU