12 Abril 2019
Quando o Papa Bento XVI chocou os cardeais reunidos no dia 10 de fevereiro de 2013 com a notícia de que ele renunciaria ao papado no fim daquele mês, ele prometeu que, como ex-pontífice, se retiraria dos olhos do público e serviria à Igreja Católica “através de uma vida dedicada à oração”.
A reportagem é de Joshua J. McElwee, publicada por National Catholic Reporter, 12-04-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Mas, no terceiro aniversário da sua renúncia, Bento XVI estava assumindo um papel mais ativo.
Primeiro, veio uma entrevista em março de 2016 com um teólogo belga que se concentrou na questão da misericórdia de Deus, exatamente enquanto o Papa Francisco estava no meio da celebração de um Ano Extraordinário do Jubileu, também focado na misericórdia.
Em novembro de 2016, surgiu um livro-entrevista com o jornalista alemão Peter Seewald, no qual Bento XVI defendeu o seu papado de 2005 a 2013 contra as críticas. “Eu não me vejo como um fracasso”, disse ele no livro, intitulado “O último testamento: em suas próprias palavras”. “Por oito anos eu realizei o meu trabalho.”
Agora, vem uma carta que joga a culpa da persistente crise de abusos do clero na revolução sexual e nos desenvolvimentos teológicos após o Concílio Vaticano II, semanas depois que Francisco organizou uma cúpula de bispos inédita e pioneira sobre os abusos, que se concentrou, por sua vez, nas questões estruturais endêmicas que estimularam o encobrimento na Igreja durante décadas.
O que fazer com esse desdobramento de um papa emérito que sai das sombras sem aviso prévio de tempos em tempos para oferecer seus comentários sobre assuntos atuais, ou mesmo sobre questões tratadas pelo seu sucessor reinante?
Vários teólogos e historiadores da Igreja expressaram uma séria preocupação de que a escolha de Bento XVI de se engajar em tal ação pública possa minar Francisco e reforçar narrativas que separam os católicos entre dois papas, um oficialmente no poder, e outro que exerce influência ao escrever a partir de um pequeno monastério nos jardins vaticanos.
“Bento XVI nos disse que iria viver uma vida de contemplação silenciosa”, disse Christopher Bellitto, historiador que tem escrito extensamente sobre os papas ao longo dos séculos. “Ele não tem feito isso. Um ex-papa não deveria publicar ou dar entrevistas.”
Richard Gaillardetz, teólogo que se concentra nas estruturas de autoridade da Igreja, chamou o precedente aberto pela mais recente carta de Bento XVI de “perturbador”.
O ex-pontífice, disse o teólogo, está oferecendo “uma análise controversa de uma crise pastoral e teológica premente, e um conjunto de remédios pastorais concretos”.
“Trata-se de ações apropriadas apenas para quem realmente ocupa um posto pastoral”, disse Gaillardetz, professor do Boston College.
“Então, agora temos uma situação em que um ex-papa está oferecendo uma avaliação pastoral e teológica paralela e uma agenda pastoral e teológica paralela que não pode deixar de ser vista como uma alternativa ao exercício da liderança pastoral do atual e único bispo de Roma”, disse.
Até mesmo o Vaticano parece estar lutando para entender o que fazer com um ex-papa que quer se engajar em debates públicos. Como a última carta de Bento XVI apareceu em vários sites católicos de direita durante a noite de 10 de abril, a Sala de Imprensa da Santa Sé parecia despreparada, incapaz de responder às perguntas sobre se o texto era autêntico.
De fato, foi o arcebispo Georg Gänswein, secretário pessoal de Bento, que confirmou para muitos jornalistas que o texto era de fato do ex-pontífice.
“A instituição do papa emérito, na era da mídia de massa e das mídias sociais, deve ser regulada com cuidado”, disse Massimo Faggioli, historiador da Igreja e teólogo italiano que leciona na Villanova University.
“Isso é algo que deve ser feito especialmente em relação à comitiva papal”, disse ele. “O Vaticano é uma corte renascentista, e é bastante difícil governar uma corte sem ter que lidar com uma ‘corte papal sombria’, que é o que temos hoje.”
Gaillardetz e Bellitto, professor de história na Kean University, em Nova Jersey, disseram que a decisão de Bento de continuar se vestindo de branco após a sua renúncia e de se chamar de “papa emérito”, em vez de algum outro título como “bispo emérito de Roma”, não ajudaram a deixar claro que existe apenas um papa de cada vez.
“Essas decisões, ao contrário, alimentaram de forma bastante previsível as teorias profundamente perturbadoras sobre os ‘dois papas’”, disse Gaillardetz.
Logo após a divulgação da carta de Bento, um jornalista italiano apontou para o conselho oficial que o Vaticano dá aos bispos aposentados sobre como administrar suas relações com os prelados diocesanos reinantes.
“O Bispo emérito terá o cuidado de não interferir de modo nenhum, direta ou indiretamente, na condução da Diocese”, declara o Apostolorum successores, o mais recente diretório para os bispos da Congregação para os Bispos, lançado em 2004.
O bispo emérito “evitará qualquer atitude ou relação que possa dar sequer a impressão de constituir como que uma autoridade paralela à do Bispo diocesano, com o consequente prejuízo para a vida e a unidade pastoral da comunidade diocesana”, continua o documento.
“Para isso, o Bispo emérito desempenhará a sua atividade sempre em total acordo e na dependência do Bispo diocesano – continua –, de modo que todos compreendam claramente que só este último é o chefe e o primeiro responsável do governo da Diocese.”
Ou, como disse a teóloga Natalia Imperatori-Lee sobre Bento: “É crucial que ele – e, talvez, mais importante, aqueles que o cercam – pratique um ministério do silêncio, para não parecer que ele quer minar o atual e único bispo de Roma, que é Francisco”.
“Continuar falando de assuntos sobre os quais o papa está trabalhando vigorosamente para corrigir na realidade global e complexa que é a Igreja é encorajar a dissidência e flertar com o cisma”, disse Imperatori-Lee, professora do Manhattan College.
“Deixe o papa ser papa”, aconselhou ela. “E que o papa emérito reze por ele.”
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Teólogos manifestam preocupação com o papel novamente engajado de Bento XVI - Instituto Humanitas Unisinos - IHU