09 Janeiro 2019
Não é o ódio mas “a indiferença” o contrário do amor. Essa que muitos, inclusive aqueles que se dizem cristãos e vão à missa todos os domingos, mostram diante dos pobres, dos sem teto, dos indigentes. São palavras do Papa pronunciadas na missa matutina de Santa Marta, de radical atualidade à luz dos episódios de pouca humanidade frente aos mais frágeis que – na Itália e no mundo – parecem se repetir quase diariamente.
A reportagem é de Salvatore Cernuzio, publicado por Vatican Insider, 08-01-2018. A tradução é de Graziela Wolfart.
Foto: Daniele Garofani/ L'Osservatore Romano
Para Francisco esta indiferença convertida quase em uma “cultura” é um dos mais graves males de nosso tempo. Ele, em sua homilia – compilada por Vatican News – a identifica em uma fotografia tirada por Daniele Garofani, fotógrafo do Osservatore Romano, colocada em uma das paredes da Esmolaria Apostólica à qual foi doada: “Uma foto espontânea feita por um bom jovem romano” ao retornar de um serviço de distribuição de comida aos sem teto com o cardeal Konrad Krajewski, durante “uma noite de inverno”, como se pode ver pelas roupas das pessoas. Na foto estão pessoas que saem de “um restaurante”, “gente bem agasalhada”, observa o Papa, e satisfeita porque “haviam comido, estavam entre amigos”. Fora do local “há um sem teto, sobre o chão, que faz assim...”, disse, imitando o gesto da mão estendida para pedir esmola.
O fotógrafo “foi capaz de reconhecer o momento no qual as pessoas olham para o outro lado para que os olhares não se cruzem”, diz Bergoglio. Esta é “a cultura da indiferença”, dar a volta, tentar não ver o sofrimento dos outros. Não é um fato novo, infelizmente. É uma atitude que vem desde os tempos dos apóstolos, diz Francisco, comentando o Evangelho da multiplicação dos pães e dos peixes, no qual os discípulos olham a enorme multidão que segue Jesus e sugerem ao Messias: “Despeça-se deles, que vão pelos campos, na escuridão, com fome. É problema deles... Nós temos cinco pães e dois peixes para nós”. Jesus, no entanto, como sempre surpreende e “dá o primeiro passo” porque “nos ama” e tem compaixão; enquanto nós, inclusive se somos bons, muitas vezes não entendemos as necessidades dos outros e permanecemos indiferentes. “Amemos uns aos outros”, este mandamento que vem de Deus evidentemente não entrou em nossos corações. O senhor continua a amar “a humanidade que não sabe amar”; é “o mistério do amor” cristão, afirma, de um Deus que “nos amou primeiro” e que “deu o primeiro passo” mandando seu Filho, “enviado para nos salvar e dar sentido à vida, para nos renovar e recriar”.
Mas por que Deus fez isso? Por “compaixão”, enfatiza o Bispo de Roma. A mesma que Jesus sente diante da multidão caída sobre a margem do lago Tiberíades; sozinhas, separadas, “como ovelhas que não tem pastor”. Jesus se comove, “vê as pessoas e não consegue ficar indiferente” porque o verdadeiro amor “é inquieto”, “não tolera a indiferença”, “tem compaixão”. E compaixão “significa colocar o coração na jogada; significa misericórdia”, explica o Papa. “Arriscar o próprio coração para os outros”. Cristo de fato se põe a falar com as pessoas, a ensinar coisas a elas, depois “ao final olham no relógio: 'Mas é tarde...'”. E então os discípulos – diz o evangelista Marcos - exclamam: “O lugar está deserto e já está tarde; despeça-se deles de modo que, indo pelos campos e pelos povoados nas redondezas, possam comprar comida”. “Que se virem” e comprem pão para si: é, em substância, o sentido destas palavras. “Mas nós estamos certos de que eles sabiam que tinham pão para eles e queriam protegê-lo. É a indiferença”, comenta Bergoglio. Para os discípulos, as pessoas não interessavam. Eles só se interessavam por Jesus, porque o queriam. Não eram maus, eram indiferentes. Não sabiam o que era amar. Não sabiam o que era a compaixão. Não sabiam o que era a indiferença. Tiveram que pecar, trair o Mestre, abandoná-lo, para entender o sentido da compaixão e da misericórdia”.
A resposta de Jesus no Evangelho é, portanto, “categórica”: “Dá-lhes algo de comer” ou “cuida-os”. “Esta – destaca Francisco – é a luta entre a compaixão de Jesus e a indiferença que se repete na história sempre, sempre ... Muitas pessoas que são boas, mas não entendem as necessidades dos outros, não são capazes de ter compaixão”.
É uma indiferença que pode ser comparada a uma espécie de “ódio consciente”, disse o Papa. “Estou satisfeito, não estou perdendo nada”. Tenho tudo, garanti esta vida, e também a eterna, porque vou à missa todos os domingos, sou um bom cristão”, mas depois, “saindo do restaurante, olho para outro lugar”. Reflitamos então, conclui o Pontífice, como diante de Deus que dá “o primeiro passo”, respondemos com indiferença. É “uma doença”, “pedimos ao Senhor que cure a humanidade”.
No final da celebração, Papa Francisco fez memória do arcebispo Giorgio Zur, núncio apostólico na Áustria, “que viveu nesta casa” e morreu ontem à meia-noite. Em seguida, envia uma saudação a Kiko Argüello, iniciador do Caminho Neocatecumenal, que hoje celebra seu 80º aniversário: para ele um grande agradecimento do Papa “pelo zelo apostólico com o qual trabalha na Igreja”.
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Papa: "sais da missa, vês um pobre e dás meia volta. Essa indiferença é ódio consciente” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU