15 Janeiro 2012
Os fundadores do Caminho Neocatecumenal visam a obter a aprovação vaticana definitiva do seu modo "convivial" de celebrar as missas. O documento está pronto. Mas poderia ser modificado ou bloqueado no último minuto. No dia 20 de janeiro, sai o veredito.
A análise é de Sandro Magister, publicada em seu sítio, Chiesa, 13-01-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Como em outras vezes nos anos passados, também neste mês de janeiro, na sexta-feira 20, Bento XVI se encontrará no Vaticano, na sala das audiências, com milhares de membros do Caminho Neocatecumenal, com os seus fundadores e lideranças, os espanhóis Francisco "Kiko" Argüello e Carmen Hernández.
Há um ano, na audiência do dia 17 de Janeiro de 2011, o papa comunicou à plateia entusiasmada que os 13 volumes do catecismo em uso nas suas comunidades tinha recebido a esperada aprovação, depois de um longuíssimo exame que começou em 1997 por parte da Congregação para a Doutrina da Fé, e depois que haviam sido introduzidas inúmeras correções, com cerca de 2.000 referências a passagens paralelas do catecismo oficial da Igreja Católica.
No próximo dia 20 de janeiro, ao contrário, as lidernças e os membros do Caminho esperam das supremas autoridades da Igreja um placet ainda mais ardentemente cobiçado. A aprovação oficial e definitiva daquela que é a sua característica distintiva mais visível, mas também mais controversa: o modo como celebram as missas.
Os quatro elementos
As missas das comunidades neocatecumenais se diferenciam desde sempre por pelo menos quatro elementos.
1. São celebradas em grupos restritos, correspondentes aos diversos estados de avanço no percurso catequético. Se, em uma paróquia, por exemplo, as comunidades neocatecumenais são 12, cada uma em um estado diferente, 12 também serão as missas, celebradas em locais separados mais ou menos à mesma hora, de preferência no sábado à noite.
2. O ambiente e a decoração imitam a imagem do banquete: uma mesa com os comensais sentados em volta. Mesmo quando os neocatecumenais celebram a missa não em uma sala paroquial, mas sim em uma igreja, eles ignoram o altar. Colocam uma mesa no centro e se sentam ao redor em círculo.
3. As leituras bíblicas da missa são precedidas, cada uma, por uma ampla "admoestação" por parte de um ou outro catequista que guiam a comunidade e são seguidas, especialmente depois do Evangelho, das "ressonâncias", ou seja, das reflexões pessoais de um amplo número dos presentes. A homilia do sacerdote se soma às "ressonâncias", sem se diferenciar delas.
4. A Comunhão também ocorre reproduzindo o módulo do banquete. O pão consagrado – um grosso pão ázimo de farinha de trigo, dois terços branca e um terço integral, preparado e cozido segundo as regras minuciosas estabelecidas por Kiko – é partido e distribuído aos presentes, que permanecem em seus lugares. Tendo-se terminado a distribuição, o pão é comido ao mesmo tempo por todos, incluindo o sacerdote. Posteriormente, este passa de um para o outro com o cálice de vinho consagrado, do qual cada um bebe.
Há outras particularidades, mas bastam essas quatro para entender o quanto há de diversidade de forma e de substância entre as missas dos neocatecumenais e as celebradas segundo as regras litúrgicas gerais. Uma diversidade certamente mais forte do que a que existe entre as missas no rito romano antigo e no rito moderno.
As autoridades vaticanas, mais de uma vez, tentaram levar os neocatecumenais novamente a uma maior fidelidade à lex orandi em vigor na Igreja Católica. Mas com pulso fraco e resultados quase nulos.
A repreensão mais forte veio com a promulgação dos estatutos definitivos do Caminho, aprovados em 2008.
Neles, no artigo 13, as autoridades vaticanas estabeleceram que as missas das comunidades devem ser "abertas também a outros fiéis"; que a comunhão deve ser recebida "em pé"; que, para as leituras bíblicas, são permitidas, além da homilia apenas "breves admoestações" introdutórias.
Das "ressonâncias" (admitidas nos estatutos anteriores, provisórios, de 2002) não há nenhum traço nesse mesmo artigo 13 dedicado à celebração da missa. Fala-se a respeito apenas no artigo 11, que, no entanto, refere-se às celebrações semanais da Palavra, que cada comunidade faz com os seus próprios catequistas.
O fato é que muito pouco mudou entre o modo com o qual os neocatecumenais celebram a missa hoje e o modo com a qual celebravam até alguns anos atrás, quando passavam de mão em mão, jubilosos, os cálices de vinho consagrado.
Só teoricamente as suas missas de grupo foram abertas a outros fiéis.
Sentados ou em pé, o seu modo convivial de comungar é sempre o mesmo.
As "ressonâncias" pessoais dos presentes continuam invadindo e prevalecendo na primeira parte da missa.
E não só isso. Da audiência com Bento XVI do próximo dia 20 de janeiro, Kiko, Carmen e seus seguidores esperam sair com uma explícita aprovação de tudo isso.
Uma aprovação com todas as consagrações da oficialidade. Promulgada pela Congregação vaticana para o Culto Divino.
Ratzingeriano e antipapa
Com um Francis Arinze como cardeal prefeito da congregação e sobretudo com um Malcolm Ranjith como seu secretário – como era até alguns anos atrás –, uma aprovação dessas seria impensável.
O cardeal Arinze, hoje aposentado, foi protagonista de um memorável confronto em 2006 com os líderes do Caminho, quando lhes ordenou por carta uma série de correções, às quais eles desobedeceram insolentemente.
Quanto a Ranjith – que agora voltou para seu país, o Sri Lanka, como arcebispo de Colombo –, é difícil encontrar entre os cardeais um mais aguerrido do que ele na defesa da fidelidade à tradição litúrgica. No campo da liturgia, o cardeal Ranjith tem fama de ser mais ratzingeriano do que o próprio Joseph Ratzinger, seu mestre.
Hoje, à frente da Congregação para o Culto Divino, está um outro cardeal que também passa por ratzingeriano de ferro, o espanhol Antonio Cañizares Llovera.
Mas, considerando-se o documento que ele teria preparado para o próximo dia 20 de janeiro, não se pode dizer isso.
De fato, um sinal verde seu para a "criatividade" litúrgica dos neocatecumenais só prejudicaria a obra sábia e paciente de reconstrução da liturgia católica que o Papa Bento XVI está realizando há anos, com uma coragem que é igual à grande solidão que o rodeia.
E ofereceria um argumento a mais para as acusações dos tradicionalistas, sem falar dos lefebvrianos.
Entre truques e indulgências
Há um truque que os neocatecumenais adotam quando das suas missas participam ou presenciam papas, bispos e cardeais: a de se aterem às regras litúrgicas gerais.
O cardeal Cañizares não foi o único a ter caído nessa armadilha. Ou a acreditar que as intemperanças litúrgicas do Caminho, se houver, são mínimas e perdoáveis, em comparação com o fervor de fé daqueles que delas participam.
Como ele, inúmeros outros cardeais e bispos têm um olhar de consideração pelos neocatecumenais, em particular na Espanha. Na Cúria Vaticana, o prefeito da Propaganda Fide, Fernando Filoni, anteriormente secretário de Estado substituto, é um de seus fortes defensores.
Assim, enquanto com outros movimentos católicos as autoridades vaticanas são inflexíveis ao exigir o respeito pelas normas litúrgicas, com os neocatecumenais elas são mais indulgentes. Por exemplo, tolera-se que, nas suas missas, as "ressonâncias" continuem transbordando, quando, ao contrário, na poderosa Comunidade de Santo Egídio se ordenou, há anos, que a homilia seja proferida exclusivamente pelo sacerdote, e não mais – como acontecia antes – pelo seu fundador, Andrea Riccardi, ou por outros líderes leigos da comunidade.
Essa indulgência generalizada com relação às licenças litúrgicas dos neocatecumenais tem uma explicação que remonta aos primórdios do movimento e que é útil relembrar.
"Lutero tinha razão"
No campo litúrgico, mais do que Kiko, foi a cofundadora Carmen Hernéndez que moldou o "rito" neocatecumenal.
Nos anos do Concílio Vaticano II imediatamente posteriores, quando ela ainda portava o hábito religioso das Misioneras de Cristo Jesús e estudava para obter a licenciatura em teologia, Carmen se apaixonou pela renovação da liturgia. Seus mestres e inspiradores foram, na Espanha, o liturgista Pedro Farnés Scherer e, em Roma, o Pe. Luigi della Torre, este também liturgista de destaque, pároco da Igreja da Natividade em Via Gallia, que foi uma das primeiras sedes romanas do movimento, e o Mons. Annibale Bugnini, na época poderoso secretário da Congregação vaticana para o Culto Divino e principal artífice da reforma litúrgica pós-conciliar.
Foi justamente Bugnini, no início dos anos 1970, que se felicitou pelo modo com que as primeiras comunidades fundadas por Kiko e Carmen celebravam as missas. Ele escreveu a respeito na Notitiæ, a revista oficial da Congregação para o Culto Divino. E também foi ele, junto com os cofundadores, que decidiu chamar o movimento recém-nascido de "Caminho Neocatecumenal".
A partir da familiaridade com esses liturgistas e de uma desenvolta reformulação das suas teses, Kiko e Carmen traçaram uma concepção pessoal sua da liturgia católica, que colocaram em prática nas missas das suas comunidades.
Há um livro de um sacerdote italiano do Caminho, Piergiovanni Devoto, que, valendo-se de textos inéditos de Kiko e Carmen, publicou essa sua bizarra concepção.
O livro, publicado em 2004 com o título Il neocatecumenato. Un’iniziazione cristiana per adulti e com a calorosa apresentação de Paul Josef Cordes, na época presidente do Pontifício Conselho "Cor Unum", hoje cardeal, foi impresso pela Chirico, a editora napolitana que também publicou a única obra traduzida em italiano de Farnés Scherer, o liturgista que inspirou Carmen por primeiro.
Eis aqui, a seguir, algumas passagens do livro, extraídas das páginas 71-77.
"Ao longo dos séculos, a eucaristia foi despedaçada e recoberta, revestida até o ponto em que nós não víamos na nossa missa, em nenhuma parte, a ressurreição de Jesus Cristo (...).
"No século IV, com a conversão de Constantino, o imperador também vai com o seu cortejo à igreja para celebrar a eucaristia: nascem assim liturgias de ingresso, tornadas solenes por cantos e por salmos e, quando estes são depois eliminados, permaneceu apenas a antífona, sem o salmo, constituindo um verdadeiro absurdo (...).
"Analogamente, ganham espaço as procissões do ofertório, nas quais surge a própria concepção da religiosidade natural que tende a aplacar a divindade mediante dons e ofertas (...).
"A Igreja tolerou por séculos formas não genuínas. O Glória, que fazia parte da Liturgia das Horas recitada pelos monges, entrou na missa quando, das duas ações litúrgicas, se fez uma única celebração. O Creio apareceu com o aparecimento de heresias e apostasias. O Orate Fratres também é um exemplo culminante das orações com as quais se enchia a missa (...).
"Com o passar dos séculos, as orações privadas se inserem em notáveis quantidades na missa. A assembleia não existe mais, a missa adquiriu um tom penitencial, em claro contraste com a exultação pascal da qual surgiu (...).
"E, enquanto o povo vive a privatização da missa, são elaboradas por parte dos doutos teologias racionais, que, embora contenham 'in nuce' o essencial da Revelação, são envolvidos por hábitos filosóficos estranhos a Cristo e aos apóstolos (...).
"Então, percebe-se por que surgiu Lutero, que fez uma limpeza de tudo o que ele acreditava que fosse acréscimo ou tradição puramente humana (...).
"Lutero, que jamais duvidou da presença real de Cristo na eucaristia, rejeitou a 'transubstanciação', por estar ligada ao conceito de substância aristotélico-tomista, estranho à Igreja dos apóstolos e dos Padres (...).
"A rigidez e o fixismo do Concílio de Trento geraram uma mentalidade estática na liturgia, que chegou até os nossos dias, pronta para se escandalizar com qualquer mudança ou transformação. E isso é um erro, porque a liturgia é vida, uma realidade que é o Espírito vivo entre os homens. Por isso, ela jamais pode ser engarrafada (...).
"Saindo de uma mentalidade legalista e fixista, assistimos, com o Vaticano II, a uma profunda renovação da liturgia. Foram retirados da eucaristia todos aqueles ornamentos que a recobriam. É interessante ver que, originalmente, a anáfora [a oração da consagração] não era escrita, mas improvisada pelo presidente (...).
"A celebração da eucaristia no sábado à noite não é para facilitar o êxodo dominical, mas sim para ir às raízes: o dia de repouso para os judeus começa a partir das primeiras três estrelas da sexta-feira, e as primeiras vésperas do domingo para toda a Igreja são desde sempre no sábado à noite (...).
"O sábado é para entrar na festa com todo o ser, para se sentar à mesa do Grande Rei e degustar, já agora, o banquete da vida eterna. Depois da ceia, um pouco de festa cordial e amigável concluirá essa jornada (...).
Uma pergunta
E seria esse "o espírito da liturgia" – título de um livro capital de Joseph Ratzinger – que as autoridades vaticanas estariam se preparando para validar, com a prática que dela se segue?
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''Placet'' ou ''non placet'' à liturgia neocatecumenal? A aposta de Carmen e Kiko - Instituto Humanitas Unisinos - IHU