04 Janeiro 2019
"É de esperar que, em 2019, saibamos, com ambição e tenacidade, adivinhar caminhos antecipadores. Isso nos dará forças para seguir adiante e não ficar empantanados em receios e temores", escreve Luiz Alberto Gómez de Souza, sociólogo.
Em uns dias mais o Brasil resvala para um patamar semioculto de uma história que caminha para trás. Dois padrinhos: os líderes direitistas da Hungria e de Israel. Lá dos Estados Unidos, onde respira a mediocridade do americano trumpetiano, Olavo de Carvalho destila rancores que povoarão as ideias azedas do novo governo: ódio a um pensamento livre, a uma escola dialógica, a uma cultura da convivência. Não merece uma resposta séria; somente constatar uma demolição da razão pura e prática que tanto rejeitam.
Uma saída, ficar à margem, na lamentação autorreferida dos que se consideram incompreendidos. Outra, tentar enfrentá-los com armas semelhantes. Ou encerrar-se em demandas parciais, à margem dos grandes problemas nacionais em perigo iminente.
É o momento da audácia e de olhar para a construção de novos caminhos. Citando Antonio Gramsci, tão detestado e pouco entendido, vem a lenta preparação de nova hegemonia: criar condições para, mais à frente, ver nascer outra direção intelectual e moral na sociedade. Os instrumentos: ideias libertárias, ética da justiça e, sobretudo, uma prática ampla de alianças e cumplicidades. Partindo da força histórica dos pobres, como lembra Gustavo Gutiérrez, mas aglutinando compromissos com todos os que, logo logo, serão perdedores com o novo governo.
É hora de um trabalho nas bases sociais, descurado num tempo em que a estratégia para uma esquerda imediatista era “guerra de movimento” para albergar-se no poder político e não “guerra de posições” em meio aos condenados pelo sistema dominante.
Instrumento para a ação nas raízes da história: uma pedagogia do oprimido. Paulo Freire nos lembra:
Ai de nós, educadores, se deixarmos de
sonhar sonhos possíveis. Os profetas são
aqueles que se molham de tal forma nas
águas da cultura e da história de seu povo,
que conhecem o seu aqui e o seu agora e por
isso, podem prever o amanhã que eles, mais
do que adivinham, realizam.
Num livro “A utopia surgindo no meio de nós” eu indicava:
...um projeto para o futuro trata de articular o desejável com o possível. Mas atenção, se o desejável está em aberto, o possível vai depender do tempo histórico que escolhemos como seu parâmetro. Nada pior do que o realismo de curto alcance; ele apenas serve para justificar a situação vigente. Se avançarmos para a frente as balizas da análise, o impossível do amanhã pode transformar-se no possível do depois de amanhã, para irritação dos que navegam nas águas modorrentas do hoje.
Palavra chave, uma utopia diante de nós. Está chegando em antecipações e experimentos.
Pensamentos sobre a utopia:
As utopias são, muitas vezes, verdades prematuras (Lamartine).
Uma utopia é uma realidade em potência (É.Herriot).
Eduardo Galeano aponta:
A utopia está lá no horizonte. Aproximo-me dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar.
E nesse caminhar a muitas pegadas podemos ir experimentando práticas portadoras de futuro.
É de esperar que, em 2019, saibamos, com ambição e tenacidade, adivinhar caminhos antecipadores. Isso nos dará forças para seguir adiante e não ficar empantanados em receios e temores. Como ensinou Jacques Maritain ao final do Concílio: há que deixar “faire le temps, le grand balayer”, isto é, o tempo varrerá para fora da história experiências negativas, mesmo que apareçam no momento falsamente poderosas.
E assim, aos poucos, subirá das profundezas do real um “outro mundo possível”. Ou melhor, vários mundos, vários experimentos, frágeis talvez, mas indicando caminhos inéditos.
Yo voy soñando caminos... del mañana.
A espada do Quixote aponta novas trilhas.
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De um realismo rasteiro a uma utopia de grandes horizontes - Instituto Humanitas Unisinos - IHU