08 Novembro 2018
"Não faz sentido substituir o antigo clericalismo dos ordenados por um novo clericalismo de homens e mulheres leigos pertencentes a algum grupo privilegiado dentro da Igreja", escreve Massimo Faggioli, professor da Villanova University, nos Estados Unidos, em artigo publicado por Commonweal, 07-11-2018. A tradução é de Victor D. Thiesen.
Um dos momentos mais importantes do pontificado de Francisco poderia ser a publicação, provavelmente nos próximos meses, da constituição apostólica Praedicate evangelium, sobre a reforma da Cúria Romana. Será interessante ver o que a reforma de Francisco manterá da Cúria de hoje, que ainda é muito semelhante àquela criada pelo Papa Sisto V em 1588.
Também será interessante ver qual é o lugar atribuído a novas instituições, especialmente a Pontifícia Comissão para a Proteção de Menores, criada por Francisco em março de 2014. A relação dessa comissão com as outras congregações e dicastérios do Vaticano até agora não está clara.
A maneira de Francisco governar a Igreja na maior parte do tempo sem a Cúria diz muito sobre sua visão para o futuro do catolicismo. O mais notável é a oposição ao seu pontificado muito embora tenha havido pouca mudança institucional nesses cinco anos e meio desde que Francisco se tornou Papa. O Sínodo dos Bispos é uma exceção. E muito pelo contrário, Francisco tem sido notavelmente relutante em fazer mudanças no status quo. Podemos perceber isso a partir dos leigos que ele nomeou na cúria.
No dia 6 de outubro, o Vaticano anunciou novas nomeações para o Dicastério para os Leigos, a Família e a Vida. Estes incluíam bispos e clero, mas também novos membros leigos, muitos dos quais com histórico nos chamados novos movimentos eclesiais: Equipe Eclesial Internacional do “Encontro Matrimonial Mundial”, Schönstatt, Comunhão e Libertação, Comunidade Católica Shalom (Brasil), Comunidade de Santo Egídio e Movimento dos Focolares.
Essas nomeações levantam uma importante questão sobre o tipo de leigos que é representado no Dicastério para os Leigos, a Família e a Vida. O problema não é o fato de que esses novos membros sejam particularmente liberais ou conservadores, e sim que os movimentos eclesiais dificilmente representam os leigos católicos em geral. Esses movimentos são muito bons em se promover e testemunham seu sucesso em obter reconhecimento da Igreja. Mas a grande maioria dos leigos católicos não está afiliada a nenhum desses movimentos e não é representada por ninguém no Vaticano, a menos que contemos outros membros não ordenados desse dicastério que foram nomeados por sua perícia profissional.
A definição pós-Vaticano II de “movimento leigo” ou “movimento eclesial” já não parece adequada aos desenvolvimentos atuais.
Naturalmente, seria difícil representar os leigos em toda a sua diversidade e complexidade. É possível que a decisão de convidar membros de novos movimentos eclesiais tenha sido planejada como uma maneira conveniente de obter uma visão geral do laicato. Vale a pena ressaltar que, comparado a João Paulo II e Bento XVI, Francisco reconheceu uma gama mais ampla de movimentos católicos. Alguns dos eventos mais característicos de todo o pontificado de Francisco foram suas audiências com os movimentos.
No entanto, ainda há uma falta de representação dos leigos católicos enquanto tais, incluindo aqueles que não pertencem a qualquer movimento eclesial como os que estão agora representados no Dicastério para os Leigos, Família e Vida, muitos dos quais têm sido parte da Igreja institucional por décadas. Seus líderes são agora membros do Vaticano, sendo que alguns deles são mais poderosos do que a maioria dos bispos e cardeais. Além disso, no recente Sínodo dos Bispos ficou claro que o ativismo de alguns dos representantes da juventude católica em Roma era uma expressão da cultura teológica de seus movimentos eclesiais.
De fato, há também o problema de como podemos definir os “leigos”. Isso ainda depende muito da lei canônica, na qual “leigo” significa apenas “falta de ordenação”, e não diz muito sobre uma fenomenologia do papel da pessoa leiga na Igreja hoje. A definição pós-Vaticano II de “movimento leigo” ou “movimento eclesial” já não parece adequada aos desenvolvimentos atuais. Um exemplo: “Word on Fire” do Bispo Robert Barron anunciou recentemente que está evoluindo “de um ministério para um movimento”. O que exatamente isso significa em termos eclesiológicos? Ninguém parece saber.
Essas mudanças de como entendemos os leigos e os movimentos organizados dentro da Igreja são um problema para uma Cúria Romana que quer ser, nas palavras de Francisco, uma antena para também captar e não só transmitir mensagens para a Igreja global. Mas há também um problema para o resto da Igreja. A crise dos abusos acentuou a falta generalizada de representação do baixo clero, dos leigos, das mulheres e dos jovens, tanto no nível central (Cúria Romana) quanto no nível local (dioceses). Em alguns países, como a Alemanha por exemplo, os leigos têm seu próprio comitê nacional, o que não acontece na maioria dos outros países.
A reação de muitos católicos à crise dos abusos sexuais, tanto ao abuso em si quanto ao encobrimento, tendeu a seguir um roteiro antiautoritário, segundo o qual a Igreja institucional se tornou uma classe, ou elite, a parte, em que os membros estão ocupados em dividir entre si os restos de um poder em declínio.
Os líderes da Igreja enfrentam um problema semelhante ao que aflige o estabelecimento político das democracias liberais do Ocidente. Estes devem parar de agir como se pudessem ver somente aquilo que lhes interessa.
O problema da representação está em toda parte, tanto na Igreja quanto na cúria: a representação das ordens religiosas na Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e Sociedades de Vida Apostólica, a representação da teologia católica na Congregação para a Doutrina da Fé, e assim por diante.
Se for verdade que o clericalismo é o verdadeiro problema e que o futuro da Igreja depende dos leigos, então é necessário o desenvolvimento de sistemas mais elaborados de representação para os membros do laicato que não pertencem a movimentos eclesiais já devidamente representados. Aqueles que fazem parte, por assim dizer, não são tão representativos.
Não faz sentido substituir o antigo clericalismo dos ordenados por um novo clericalismo de homens e mulheres leigos pertencentes a algum grupo privilegiado dentro da Igreja.
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Quem representa o laicato? Olhando além dos novos movimentos eclesiais. Artigo de Massimo Faggioli - Instituto Humanitas Unisinos - IHU