13 Setembro 2018
“Subestimar o temperamento interior e exterior de Francisco é um erro fatal.”
A opinião é do historiador italiano Alberto Melloni, professor da Universidade de Modena-Reggio Emilia e diretor da Fundação de Ciências Religiosas João XXIII, de Bolonha. O artigo foi publicado por La Repubblica, 12-09-2018. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O C9 – o “conselho da coroa” de Francisco – pediu uma substituição depois de cinco anos, e é razoável que ele seja ouvido pelo papa. Mas bastou o rumor de três substituições para fazer com que se escrevesse que o papa é forçado a se defender, que Viganò tinha razão e assim por diante.
Uma operação sofisticada e sutil que quer fazer com que a Igreja pareça dividida – perto das eleições estadunidenses de mid-term e antes que a catolicíssima dama dos Le Pen entre em campo para liderar o soberanismo – e espera fazer com que um catolicismo ultratradicionalista se torne a alma de um soberanismo de ultradireita, deixando o papado sem voz.
Para decifrar esse desígnio político, é preciso recomeçar a partir de 2013. Quando, quase com fadiga, Francisco decidiu fixar as tarefas do “grupo de cardeais” que o conclave lhe havia pedido para constituir como primeiro sinal de colegialidade efetiva.
Bergoglio escreveu que o C9 teria a tarefa de “ajudá-lo no governo da Igreja universal” (e, em seis palavras, restituía o ministério de Pedro à forma do primeiro milênio). E acrescentava que o C9 deveria ajudá-lo na revisão da constituição que disciplina a Cúria Romana: revisão cujos efeitos dependem da reforma da Igreja, e não o contrário.
No “grupo”, Francisco colocou figuras que lhe haviam sido hostis no conclave (como o conservador Pell). Figuras indispensáveis para decifrar o emaranhado curial (como Bertello), amigos do Celam (como Maradiaga), presidentes de peso de conferências episcopais (como Marx) e acrescentou seu secretário de Estado. Eles discutiram em 36 reuniões a filigrana eclesiológica bordada por Dom Semeraro para a reforma da Cúria: mas nem todos e nem sempre foram uma “ajuda” no governo da Igreja.
Pell, que gerou mais problemas financeiros do que aqueles que se orgulhava de resolver, foi mandado de volta à Austrália para ser processado por pedofilia. Errázuriz renunciou junto com todo o episcopado chileno abalado pela sua incapacidade de escutar as vítimas dos abusos. Alguns já passaram do limite de idade para os cargos que ocupam (como muitos na Cúria). Outros poderiam ser alvos culpados ou inculpáveis de operações como a de Viganò, manobrado por aqueles que querem fazer com que a Igreja Católica pareça dividida.
O fato de que, depois de cinco anos, o C9 tem problemas e/ou se renova é fisiológico. Mas o barulho que provoca sinaliza a ação do “partido dos soldadores” que querem ancorar a ultradireita política e a católica, rachando a Igreja. Há “soldadores” pitorescos, como Steve Bannon, que procura na Europa aquilo que não tem mais nos Estados Unidos.
Aqueles prudentes como os senadores Bernini e Quagliariello, que convidaram o cardeal Burke ao Palácio Madama, não para comemorar um homem reacionário, mas piedoso, como o cardeal Caffarra, mas sim para desafiar o papa.
Aqueles realmente inesperados, como Dom Georg Gänswein, que participou da apresentação de um livro se densidade de Rod Dreher (um ex-católico integrista hostil a Bergoglio) e que disse que a pedofilia é o 11 de setembro da Igreja com um pouco de atraso.
Os “soldadores” têm pressa: só o papa pode freá-los (como fez Pio XI com a Action Française), e só uma Igreja rica em posições diferentes, mas não dividida, pode impedir que, na Europa, Orbán devore o Partido Popular Europeu atualizando aquele ecumenismo do ódio com o qual Trump depenou o partido de McCain.
Mas subestimar o temperamento interior e exterior de Francisco é um erro fatal.
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Papa Francisco e as armadilhas do Vaticano. Artigo de Alberto Melloni - Instituto Humanitas Unisinos - IHU