16 Agosto 2018
– Para fazer esse tipo de serviço, cobramos R$ 350 a hora. Já vou com dois tratores e dois ajudantes e a gente derruba tudo.
Assim explica um dos fornecedores on-line de correntões ouvidos pelo De Olho nos Ruralistas. Além dessa eficiência, o anunciante do Mato Grosso garante blindagem contra a fiscalização: “Para tudo tem um jeito, fica tranquilo. A gente entrega o trabalho”.
A reportagem é de Igor Carvalho, publicada por De Olho Nos Ruralistas, 13-08-2018.
Na mesma linha, outro comerciante de São José do Rio Preto (SP) explica melhor a tática:
– Tem que ir trabalhando devagar, vai falando com os vizinhos, todo mundo se ajuda. Se tiver fiscalização, pede para uma fazenda avisar a outra e qualquer coisa, fecha a estrada com um trator, arranca uma peça lá e diz que quebrou. Nunca vi dar problema.
Ao mesmo tempo em que garante blindagem na fiscalização, este mesmo comerciante não promete a sobrevivência da fauna do local, admitindo a mortandade de animais. “Ah, sempre acontece, principalmente se for mata alta, não dá pra ver e não tem como ficar descendo do trator para olhar, precisa ser rápido”.
Um vídeo mostra como o correntão funciona. As correntes são fixadas em dois tratores, que percorrem o mesmo percurso paralelamente, arrancando toda a vegetação e matando toda vida animal. Utilizando esse método, é possível desmatar até dez campos de futebol por dia.
Anúncios de correntões são encontrados facilmente na internet em sites como OLX, Mercado Livre e MFRural, este último especializado em produtos para o agronegócio.
Os anunciantes são de diversas regiões, mas predominantemente Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, São Paulo, Goiás e Tocantins. Os valores são imprecisos, não há uma escala respeitada entre os vendedores e podem variar. Encontramos valores de R$ 220 o metro, até R$ 670. Peças inteiras chegam a custar R$ 34 mil.
Correntões devastam grandes áreas em pouco tempo (Foto: Mayke Toscano l Gcom-MT)
É possível verificar, nos anúncios, variantes do mesmo produto. Alguns comerciantes divulgam os correntões com “facas”, tratado por um dos vendedores como “a evolução das correntes niveladoras, que permite alta performance no trabalho”. Um vídeo mostrando a técnica de utilização da corrente acompanha a informação.
Outro anunciante informa que pode facilitar a compra de correntão nivelador “com discos recortados, triturador de palhadas, niveladora, roçadeira, incorporadora de sementes, correntão com navalhas”, inclusive usados. E ele completa: “Financiamos os equipamentos, Finame e BNDES”.
Trata-se da Agência Especial de Financiamento Industrial (Finame) do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, um modelo de financiamento para a compra de equipamentos e máquinas nacionais e estrangeiros, dentro de normas ambientais.
Houve várias tentativas, nos últimos anos, de proibir o correntão para o desmatamento. O equipamento chegou a ser proibido no Mato Grosso para a supressão de vegetação pelo Decreto Estadual nº 420, de 05 de fevereiro de 2016, sendo considerado crime ambiental. Outro decreto legislativo, de julho do mesmo ano, sustou os efeitos da legislação.
O Ministério Público Federal do Mato Grosso questionou a constitucionalidade do decreto, usando argumentos de uma nota técnica do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama): o equipamento causa danos irreparáveis à fauna e à flora, em especial as ameaçadas de extinção; gera agravamento de processos erosivos do solo; e ainda pode incentivar o desmatamento ilegal. O juiz Cesar Augusto Bearsi negou o pedido.
Na Câmara, um projeto de lei de 2016 procura deixar clara a suspensão do equipamento, incluindo a proibição tanto no Código Florestal, de 2012, como na Lei de Crimes Ambientais, de 1998. A proposta está parada na Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural da Casa, com sucessivas mudanças de relatores. O último, nomeado em agosto de 2017, é o deputado Nilson Leitão (PSDB-MT), um dos expoentes da bancada ruralista.
Para o Ibama, não há dúvidas de que o correntão é usado com intenções predadoras. Em 2015, os fiscais do órgão pararam uma ação que desmataria ilegalmente, com o equipamento, 1.500 hectares. Esse caso é apenas um dos vários desmatamentos ilegais ao longo dos anos.
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Vilão do desmatamento ilegal, correntão é vendido na internet com dicas para evitar fiscalização - Instituto Humanitas Unisinos - IHU