27 Abril 2015
Organização criminosa tentou evitar retomada da Maraiwatséde, aponta MPF. Nome de Nilson Leitão (PSDB) foi mencionado em escutas telefônicas.
A reportagem é de Pollyana Araújo, publicada pelo portal G1, 23-04-2015.
No processo de retomada da Terra Indígena Maraiwatséde, em Alto Boa Vista, a 1.064 km de Cuiabá, uma organização criminosa teria se formado na tentativa de evitar a retirada das famílias de agricultores que viviam na área após grilagem, como aponta o Ministério Público Federal (MPF). Um dos políticos investigados por suspeita de atuar em favor dos posseiros e, consequentemente, contrário aos indígenas, é o deputado federal Nilson Leitão (PSDB-MT).
Ele preside a comissão especial que analisa a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 215, que altera os trâmites dos processos de demarcação de terras indígenas, transferindo essa competência do governo federal para o Congresso Nacional.
Nas investigações, segundo o MPF, foi descoberto que essa organização, supostamente liderada pelo então presidente da Associação dos Produtores Rurais da Gleba Suiá Missú (Aprosum), Sebastião Prado, teria usado da influência política e do poderio econômico para incitar uma série de atos criminosos, como ameaças, incêndios e interdição de estradas, durante o período de retirada dos grileiros da região, que começou em 2012 e terminou em 2013.
Prado chegou a ser preso no ano passado por supostamente financiar e auxiliar na prática de crimes para tentar impedir a retomada da área de propriedade dos índios da etnia Xavante. O G1 tentou entrar em contato com o representante dos produtores, mas não obteve sucesso.
Por meio de escutas telefônicas entre os investigados, foram constatadas possíveis negociações no sentido de direcionar o parecer a ser elaborado pela relatoria da comissão especial da PEC 215 na Câmara dos Deputados para atender aos interesses desses supostos criminosos mediante pagamento de uma quantia em dinheiro a um advogado que seria assessor da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), que também auxiliava a comissão. O valor pedido supostamente por esse assessor seria de R$ 30 mil, como foi identificado após as interceptações telefônicas autorizadas pela Justiça.
Como foram identificados indícios de que políticos com foro privilegiado estariam supostamente envolvidos com esses crimes, o juiz federal da Vara Única de Barra do Garças, a 516 km de Cuiabá, César Bearsi, remeteu o inquérito ao Supremo Tribunal Federal (STF).
Ao G1, o deputado Nilson Leitão negou envolvimento em qualquer tipo de ilegalidade e disse ter sido somente citado pelos produtores rurais nas conversas interceptadas. Ele também criticou o MPF e a determinação judicial para a saída das famílias. “Se organizaram e despejaram os pequenos produtores. Na época, o Sebastião era presidente da associação e frequentou o meu gabinete [em Brasília] e foi aí que tomei conhecimento da situação, mas em momento nenhum houve ilegalidade”, afirmou Leitão.
Ele disse que à época da desocupação se manifestou contra e que continua discordando da retomada das terras para os índios, já que, segundo o parlamentar, não mudou em nada a vida dos indígenas e os produtores que moravam no local, sendo que alguns havia mais de 20 anos, foram prejudicados.
Uma das ligações telefônicas em que o nome de Leitão foi mencionado se tratava de uma conversa entre a mulher de Sebastião Prado e um assessor do gabinete do deputado. “Ela ligou desesperada no meu gabinete e falou com meu assessor para que arrumássemos um advogado para tentar tirá-lo da prisão. Mas foi só isso. Essa investigação é uma idiotice e se a intenção é me inibir, não vão conseguir”, argumentou. Para ele, existem interesses ideológicos por trás da investigação.
Ele alega que existe um equívoco em relação à PEC 215, que, no ano passado, tinha sido arquivada e, neste ano, voltou a ser discutida no Congresso. O relatório da comissão já estava pronto. No entanto, a pedido de membros que são contrários a alguns pontos da proposta, o prazo de votação foi prorrogado por mais 60 dias. Nesse período, os representantes dos indígenas devem ser ouvidos.
Leitão acredita que o inquérito possa ser arquivado, já que, segundo ele, o processo contra o ex-presidente e atual vice-presidente da comissão, Osmar Serraglio (PMDB-PR), foi arquivado.
Para o deputado federal Ságuas Moraes (PT-MT), que também faz parte dessa comissão representando o PT, a PEC é ‘perversa’ ao proibir a criação e ampliação de terras indígenas e quilombolas. Ele avalia que é preciso prever a indenização para a ampliação de algumas áreas e citou o caso dos índios empobrecidos que vivem nas periferias das cidades, como em Dourados (MS).
“Eles vivem na periferia, sem espaço e com estrutura precária, e no entorno tem propriedades rurais que foram adquiridas de boa fé. Então é preciso indenizar as famílias que vivem nessas terras e ampliar a área indígena”, defende o petista que coordena a Frente Parlamentar em Defesa dos Povos Indígenas.
Os dois principais pontos ‘errôneos’ da proposta, na avaliação de Moraes, são a geração de despesa por parte do legislativo e a possível retirada das áreas já reconhecidas como sendo de propriedade das comunidades indígenas.
O território da Terra Maraiwatséde foi devolvido para os indígenas no início na década de 90, quase 40 anos depois da retirada deles da área. Porém, devido à demora na retomada da terra, mais de 200 famílias se apossaram das terras, até que há três anos a Justiça Federal determinou a saída de todos os posseiros e grileiros.
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Deputado federal de MT é investigado por suspeita de atuar contra índios - Instituto Humanitas Unisinos - IHU