09 Agosto 2018
"O que eu descobri é que, mesmo quando você fala com pessoas que apoiam a pena de morte, elas não pensaram muito sobre o assunto. É uma resposta automática. Quando ouvem histórias, elas mudam, ficando mais difícil demonizar e desumanizar", escreve irmã Helen Prejean, ativista e escritora, em entrevista concedida a John Gehring, publicada por La Croix International, 08-08-2018. A tradução é de Victor D. Thiesen.
Foto cedida por Oregonians for Alternatives
to the Death Penalty
A Irmã Helen Prejean, membro da Congregação de São José em Nova Orleans, é uma líder dos direitos humanos, conhecida em todo o mundo por defender o fim da pena de morte.
Seu livro “Dead Man Walking” (Homem Morto Passando, em português), de 1993, baseado em suas experiências como conselheira espiritual para presos no corredor da morte, foi transformado no filme Os últimos passos de um homem, dois anos depois, estrelado por Susan Sarandon.
Seu livro de memórias, "River of Fire" (Rio de Fogo, em português), será lançado na primavera de 2019. John Gehring, escritor colaborador da Commonweal, entrevistou a irmã Prejean por telefone.
O Papa Francisco nos deu uma grande notícia na semana passada, revisando o Catecismo para declarar a pena de morte inadmissível em todos os casos. Por que isso é tão significativo?
Irmã Helen Prejean
Foto cedida por Oregonians for Alternatives
to the Death Penalty
O Papa João Paulo II disse que os momentos em que a pena de morte poderia ser justificada eram tão raros que praticamente não existiram. Isso concedeu o uso da pena de morte apenas em casos de necessidades extremas.
Agora, o Papa Francisco estabeleceu um princípio fundamental de que, independentemente da gravidade do crime, nunca é legítimo. Isso é um ato enorme. Em todo julgamento por pena de morte, o promotor argumenta que, devido à gravidade desse crime em particular, é necessário.
Então, quando o Papa afirma que isso não é admissível, tira todo crédito desse tipo de argumento. Durante meus diálogos e correspondências com João Paulo II, sempre argumentei que precisávamos de uma posição com princípios contrários à pena de morte sem exceções.
Em sua visita aos Estados Unidos à St. Louis, no ano de 1999, João Paulo II falou sobre a dignidade da vida, independente de crimes, embora ele não tenha estabelecido o princípio de que, sob nenhuma circunstância, é aceitável a pena. O que o Papa Francisco fez é gigante.
Alguns analistas católicos conservadores estão chateados com a decisão do Papa, argumentando que o ensino da Igreja não pode mudar. O que você acha dessa oposição?
A mudança acontece quando a sociedade cresce e evolui, e temos formas alternativas de manter as pessoas seguras. Nós também aprendemos com a ciência. O fato de que os cérebros dos jovens ainda não estão tão desenvolvidos quanto os de adultos influenciou a decisão da Suprema Corte de acabar com a pena capital para eles.
O ensino pode mudar. A Igreja endossou a escravidão por um longo tempo e citou as Escrituras para isso ser feito. Jesus também teve que lidar com o legalismo religioso. As pessoas estavam tão apegadas à lei que sentiam falta do lado pessoal e da dignidade humana por trás delas.
O Papa Francisco também tem experiência direta com prisioneiros. Em 2015, recebi uma ligação sobre Richard Glossip, um homem inocente no corredor da morte de Oklahoma. Começamos uma campanha por seus direitos e escrevi uma carta ao Papa Francisco.
Ele se envolveu no caso pedindo ao governador que comute sua sentença de morte - o que foi realizado. Eu acho que o Papa Francisco ajudou a salvar sua vida. Quando o visitei o em 2016, entreguei uma carta de Richard agradecendo a ele por ter ajudado.
Você realmente acha que a política vai mudar? O governador de Nebraska, Pete Ricketts - católico -, disse que respeita as opiniões do Papa, mas está avançando com a execução de Carey Dean Moore no final deste mês.
Eu acho que a maneira como isso pode mudar é no foco da liberdade religiosa. Então, quando entrarmos na seleção do júri, um católico pode dizer que é contra a minha religião apoiar a pena de morte.
Os promotores podem tentar tirar os católicos dos júris. Questões serão levantadas sobre liberdade religiosa e consciência. Isso seria, por exemplo, o mesmo que um promotor assistente trabalhar para um promotor público, e afirmar ser uma questão de fé e que não pode apoiar a pena de morte.
Você começa a ver todas essas repercussões no sistema de justiça criminal. Nós esperamos por isso há muito tempo. Foi o Papa João XXIII em sua encíclica Pacem in terris que afirmou a Declaração Universal dos Direitos Humanos como um motivo para seguirmos nossas vidas.
A Igreja estava atrasada em relação aos direitos humanos. Agora, a fé está alinhada com esses direitos na pena de morte, e isso é uma coisa poderosa.
As pesquisas mostram um declínio no apoio à pena de morte nas últimas décadas, embora mais da metade dos católicos ainda apoiem. Como podemos fazer um trabalho melhor para convencer os católicos de que a pena capital é errada?
Historicamente, a Igreja Católica está ligada ao império e ao governo, o que significava uma deferência para com o direito do Estado, em vez de direitos humanos e direitos humanos inalienáveis. Desde os dias do Imperador Constantino, a Igreja sempre teve a justificativa para a defesa da sociedade. Houve violência em toda parte, e não há prisões ou sistema de justiça criminal. O Catecismo sempre falou sobre a dignidade da inocência, mas quando eu estou conduzindo alguém à sua execução e essa pessoa me diz: “Irmã, por favor, reze por mim”. Onde está a dignidade na morte dessa pessoa?
Escrevi para o Papa João Paulo II em 1997 e fiz essa observação enquanto estavam realizando a edição final do Catecismo. Ele realmente entendeu. Pela primeira vez, João Paulo II fez da pena de morte uma questão pró-vida. Ele levou a questão tão a cabo, que a levou não apenas para a dignidade da vida inocente, e sim de toda a vida humana.
O Papa Francisco é o primeiro a dizer que a pena de morte é contrária ao Evangelho, embora é preciso mais do que uma declaração de um Papa. A justiça social deve ser parte integrante de nossa vida espiritual. Quando você assiste ao governo executar um ser humano, não há nada de pró-vida nisso.
Precisamos de toda uma estratégia educacional nas paróquias. As paróquias suburbanas são frequentemente desconectadas da realidade e do que significa ser pobre e enfrentar injustiças. Eu sou uma educadora religiosa, e relacionando a justiça social você deve guiar as pessoas para essa jornada.
O que os presidiários do corredor da morte lhe ensinaram ao longo dos anos?
Os seres humanos valem mais do que serem julgados por um ato terrível. Eu também vejo o quão amortecida e protegida eu estive em minha vida, e eu não posso dizer que isso é apenas minha virtude. Pessoas no corredor da morte fazem eu me sentir mais viva.
Eu sei que isso soa como uma contradição, mas quando você quer fazer com que cada segundo de sua vida valha a pena, deve lembrar do que é real e aprender o significado da graça.
Você acompanhou pessoas que, em muitos casos, cometeram crimes hediondos. Como você se conecta com eles?
Você tem que estar aberto para eles como um ser humano. Quando encontrar uma pessoa no corredor da morte, verá que eles são acorrentados atrás das grades. Você vê o rosto deles e começa a falar sobre coisas comuns - sobre as quais as pessoas falam. O fato de você estar presente é significativo. Este é um encontro entre dois seres humanos. Os dois últimos prisioneiros que acompanhei até a morte eram inocentes. Eu escrevi sobre isso no meu livro, The Death of Innocents (A Morte dos Inocentes, em português).
Você é mais conhecida por ser contra a pena de morte, mas também tem usado o Twitter como um tipo de ministério de mídia social, convidando pessoas que estão desesperadas à compartilharem suas histórias. Você agora tem mais de 70 mil seguidores. O que te levou a fazer isso?
Eu nunca pensei em colocar o nome “ministério” nisso, mas você me ajuda a ver que é, realmente. As mídias sociais podem construir uma certa comunidade e um sentido espiritual.
Eu trabalho como parte de uma equipe, e um colega disse: "As pessoas estão realmente lutando nos últimos dias, e você pode ter um papel útil". Foi assim que tudo começou.
A resposta foi tremenda. Eu leio o que as pessoas escrevem e respondo. É a minha voz falando com eles. Há tanta coisa vindo para nós - o que está acontecendo no sistema legal e com as famílias imigrantes -, que parece estarem fora de controle.
Às vezes temos que nos permitir lamentar e reconhecer a tristeza e a dor. Jeremias sabia disso. Temos que reconhecer que estamos aqui para sofrer.
Ao mesmo tempo, você está vendo essa revolta no ativismo e isso nos ajuda a manter nossos olhos focados. Jesus falou sobre o trigo e o joio - sempre surgindo juntos.
Tantas pessoas têm um senso de desespero sobre política e nossa administração. As pessoas percebem que precisam votar, se envolver.
Quando há uma avalanche constante de más notícias, e todos esses tuítes saindo da Casa Branca, é fácil se distrair.
Você tem que lembrar o que realmente importa: filhos de imigrantes separados dos pais e abusos dos direitos humanos. Se mantenha focado e tome medidas. Isso é realmente parte de uma disciplina espiritual.
De onde você tira inspiração?
Dos grandes nomes, claro. Martin Luther King...Mandela. Mas também de pessoas comuns, como as mulheres que iniciaram o movimento feminista. Comecei a despertar para a justiça social quando vivi no projeto habitacional de St. Thomas, em Nova Orleans.
Eu vi pessoas comuns como eu trabalhando para a mudança, conheci o Bill Quigley [professor de direito da Universidade Loyola e advogado de direitos humanos] e líderes negros - como Bárbara Majors -, que estavam ensinando as pessoas brancas sobre o racismo institucional.
Nos anos 80, Doug Magee se manifestava muito entusiasmado contra a pena de morte. Ele tirou uma foto de todos no corredor da morte da Flórida. Eu saí daquela conversa e fiquei espantada que alguém pudesse estar tão comprometido à uma causa para protestar contra uma execução. Quando você vê esse tipo de integridade moral, você pergunta: "O que estou fazendo?"
Você está mais ou menos esperançosa agora ou quando começou seu trabalho de justiça social?
Estou mais esperançosa em acabar com a pena de morte e vejo o impacto que pode acontecer quando você se envolve com pessoas, dá palestras, escreve livros ou trabalha com a comunidade artística.
O que eu descobri é que, mesmo quando você fala com pessoas que apoiam a pena de morte, elas não pensaram muito sobre o assunto. É uma resposta automática. Quando ouvem histórias, elas mudam, ficando mais difícil demonizar e desumanizar.
O fato é que são apenas alguns promotores em alguns países que respondem por um número desproporcional de condenações por pena de morte.
Em Oklahoma, há um promotor responsável por 54 casos de pena de morte. Você tem um fenômeno cultural, especialmente no sul, onde os políticos são recompensados por serem “duros com o crime”.
Dez estados que faziam parte da Confederação e praticavam a escravidão são responsáveis pela maioria das execuções.
No Twitter, você não se esquiva de desafiar políticos como o governador Ricketts. Como você vê essa ferramenta na defesa de direitos?
O Twitter é uma maneira de manter uma conversa contínua com muitas pessoas. Eu tenho diretrizes morais rígidas.
Nunca ofenda ou rebaixe alguém. Apenas relate o problema. O que ajuda é que estou realmente imersa na questão dos direitos humanos. Eu sei - pois viajo muito pelo país - que as pessoas têm visões muito superficiais das coisas.
Os políticos pressionam o botão do medo, e nem sempre são verdadeiros em suas falas. Eu tento me aproximar das pessoas descobrindo o saco de pedras que elas carregam. Até mesmo os promotores distritais com quem lidei, que são a favor da pena de morte, estão sob enorme pressão.
O presidente Trump se considera um forte líder de “lei e ordem”. Como você o dimensiona e como abordaria uma reunião com ele?
Eu não sei se uma reunião com Trump seria possível. Ele não parece querer conversar com pessoas que discordam dele. Ele não é simplesmente uma pessoa de “lei e ordem”. Ele não parece pensar em política. Ele é como uma lei para si mesmo e agride as pessoas que pensam diferente.
Por que você acha que o Dead Man Walking tocou tanto as pessoas?
Eu estou em Montana agora. Eu tinha esquecido isso, mas um homem das tribos Cheyenne me contou que Dead Man Walking foi o primeiro livro que ele leu inteiro. Tenho orgulho de ter escrito um livro legível. Uma menina da oitava série me disse que leu três vezes. O livro leva você a uma jornada com ambos os lados da história, incluindo a família da vítima.
Existe uma próxima fase para você nessa jornada?
Quando seu barco está na corrente, você continua se movendo. Estou numa corrente profunda com todos esses problemas de vida e morte. Eu vou continuar e seguir essa corrente.
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Irmã Helen Prejean, autora de 'Os últimos passos de um homem', exalta atitude do Papa Francisco contra a pena de morte - Instituto Humanitas Unisinos - IHU