07 Agosto 2018
“Inadmissível, porque atenta contra a inviolabilidade e dignidade da pessoa”. Foi assim que o Papa Francisco dispôs a modificação do n. 2.267 do Catecismo da Igreja Católica sobre a pena de morte, aprovando uma reformulação do texto a ser traduzida para as diversas línguas e a ser inserido em todas as edições.
A reportagem é de Marco Roncalli, publicada em Vatican Insider, 04-08-2018. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Conversamos a respeito com Luciano Eusebi, professor de Direito Penal na Universidade Católica do Sagrado Coração de Milão (disciplina que ele também leciona na Pontifícia Universidade Lateranense de Roma), autor de várias publicações sobre o tema, incluindo La chiesa e il problema della pena [A Igreja e o problema da pena] (Ed. La Scuola, 2014), membro do importantes comissões mistas: como entre a Santa Sé e a Itália para a implementação dos acordos concordatário e a instituída pela Conferência Episcopal Italiana e pelo governo italiano para a regulamentação da assistência religiosa aos detentos e aos agentes penitenciários.
Falamos com ele, porque, embora tímido e discreto, foi um dos históricos protagonistas dessa batalha que, por muitos anos, desejou uma clara afirmação no catecismo da inadmissibilidade de princípio da condenação capital.
Professor Eusebi, ainda em 1993, em um artigo publicado pela revista Humanitas (o título era “O novo catecismo e o problema da pena”), sobre as expressões relativas à pena de morte e ao propósito da punição estatal, o senhor escreveu que a indicação emergente lhe parecia ser “carente no plano da força profética e inadequada no plano da força moral, em relação às próprias aquisições da ciência penal mais atenta”.
Aquela abordagem permanecia carente na força profética, porque desenvolvia uma argumentação de corte essencialmente utilitarista, sem qualquer referência – em um catecismo – de caráter teológico-moral (como, aliás, continua ocorrendo em relação ao n. 2.266, que se refere às sanções penais em geral), e sem qualquer consideração referida à pessoa do condenado. Isso decorria, desde sempre, na raiz, da clássica visão retributiva em matéria de justiça, segundo a qual é a retaliação do mal que produz a prevenção, ou seja, o bem: visão antitética em relação à mensagem cristã, por força da qual a resposta ao mal está em uma projetualidade, mesmo que exigente, de acordo com o bem.
Mas essa abordagem também se colocava em antítese com a consciência, que remonta a Cesare Beccaria, segundo a qual uma resposta ao crime que negue esses mesmos valores, como o valor da vida, que declara que quer defender, incentiva disponibilidade social à violência. A prevenção estável no tempo, de fato, não depende de (contraproducentes) fatores de intimidação, mas sim – mantendo-se a intervenção severa sobre os interesses materiais cultivados de modo criminoso – da capacidade do ordenamento jurídico de manter elevado na sociedade o consenso social em relação (por escolha pessoal) aos preceitos normativos. E nada reconfirma mais a autoridade de uma norma violada, desestabilizando as próprias organizações criminosas, do que o fato de que um agente criminoso reconheça a injustiça cometida e assuma um caminho de responsabilização em relação a isso.
Formalmente na redação anterior do ponto 2.267, sancionava-se que o ensinamento tradicional da Igreja não excluía, pressupondo a plena apuração da identidade e da responsabilidade do culpado, o recurso à pena de morte, quando esta fosse a única via viável de defender eficazmente a vida de seres humanos do agressor injusto. Mas como a pena de morte podia se encaixar nesse marco? Falamos de execuções, de sujeitos encarcerados, tornados inócuos, inofensivos...
Com efeito, o texto anterior do n. 2.267 no Catecismo fundamentava a renúncia à pena de morte sobre a constatação contingente do fato de serem hoje “praticamente inexistentes” as condições que, teoricamente, de acordo com aquele texto, poderiam legitimá-la: condições que, essencialmente, eram remetidas às condições próprias da legítima defesa. Mas a legítima defesa diz respeito exclusivamente ao combate proporcional e inviável de outro modo de uma conduta agressiva em curso: situação totalmente diferente daquela que caracteriza a imposição e a execução de uma condenação capital.
Por isso, por um lado, era possível deduzir que esta última nunca era aplicável concretamente, dado que as condenações judiciais certamente não são atribuíveis à legítima defesa, enquanto, por outro lado, no entanto, permanecia em aberto o espaço para que qualquer um pudesse argumentar sobre uma suposta inevitabilidade, em dados casos, do recurso à pena de morte para defender a sociedade do crime: com uma indevida sobreposição entre o conceito de prevenção (ao qual, no entanto, como já se disse, a pena de morte não ajuda) e o conceito de legítima defesa.
Daí passaram-se quase 25 anos antes de se chegar ao rescrito do Papa Francisco recém-divulgado: quais são as etapas desse período que contou com o seu compromisso, com poucos outros, nessa frente?
Ainda em relação à primeira redação do Catecismo, sua edição definitiva havia recebido em 1997 as palavras da encíclica Evangelium vitae (n. 56) de São João Paulo II, voltadas a especificar a substancial insubsistência, hoje, das condições que se considerava que podiam legitimar, no plano teórico, o recurso à pena de morte. Levantaram-se muitas vozes, depois, defendendo uma redefinição de toda a questão: basta pensar no compromisso constante da Comunidade de Santo Egídio com a abolição da pena de morte nos países que ainda a preveem, também através de congressos anuais entre ministros da Justiça das mais diversas origens, com os quais pude contribuir sobre o tema “Um mundo sem pena de morte”.
Pessoalmente, eu tentei oferecer apoio através da busca de uma contínua ligação entre as motivações seculares e teológicas que se abrem para uma visão nova da pena, no rastro da justiça restaurativa (“restorative justice”). Mas, que eu saiba, por exemplo, o próprio Bento XVI desejava esse caminho, pelo qual ele trabalhou em uma comissão teológica que produzisse, sobre a questão, um importante fascículo da revista Gregorianum (n. 1/2007), e se elaborou um amplo texto sobre as problemáticas da pena e da pena de morte junto ao então Pontifício Conselho “Justiça e Paz”; texto que eu mesmo preparei, mas que não pôde ter, à época, mais desdobramentos.
Portanto, poderia estar maduro o tempo para retomar uma reflexão mais abrangente e potencialmente profética sobre a justiça penal por parte da Igreja Católica, também no que diz respeito à retomada do interesse que tal matéria conheceu tanto no âmbito do direito canônico, quanto no âmbito do direito do Estado da Cidade do Vaticano.
Em suma, o senhor se sente satisfeito, mas...
Certamente estou contente, mas acharia necessário, como dizia, tomar o caminho de uma reflexão eclesial abrangente sobre o tema da resposta segundo a justiça às realidades negativas: é o tema em torno do qual está em jogo o futuro da paz no mundo e, na verdade, a própria possibilidade de um futuro para a humanidade. Mas é também o tema em torno do qual se joga a compreensibilidade do anúncio cristão na atual sociedade secularizada.
Quanto há nessa modificação sobre a pena capital de elementos conformes à própria reflexão teológica das últimas décadas sobre o significado salvífico da justiça no horizonte bíblico?
O fato é que a leitura restaurativa obscureceu a percepção do próprio núcleo da fé cristã, por causa de uma utilização apressada do conceito de satisfação vicária em Santo Anselmo. Jesus não é salvador porque o seu sofrimento na cruz compensou, como ninguém mais poderia, o pecado da humanidade. Se assim fosse, permaneceríamos na ótica juridicista mundana: ao mal deve se seguir o mal, e é o mal que redime o mal. Mas isso é exatamente o oposto da mensagem cristã.
Explique...
Salvífica não é a cruz, mas sim o amor levado até a cruz. Jesus é salvador porque revela perante mal o próprio ser de Deus como amor consumido incondicionalmente: aquele amor que se manifesta na ressurreição como plenitude de vida, também diante da derrota humana da cruz. Por isso, a justiça de Deus se expressa em Jesus como consumação do amor diante do mal (se se quiser, de modo secular, no testemunho corajoso do bem diante do mal). Mas o caráter salvífico da justiça divina (tzedaka) já estava claro na reflexão teológica vetero-testamentária, desde as narrações de Adão e de Caim: o fato de tê-lo ignorado despotencializou um elemento importante de diálogo com as outras religiões monoteístas. A atenção dedicada pela teologia das últimas décadas a esses temas, portanto, precisa se tornar acessível no âmbito ordinário da evangelização.
O prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, o cardeal Luis Francisco Ladaria, comentou que o novo texto “situa-se em continuidade com o Magistério anterior, levando em frente um desenvolvimento coerente da doutrina católica”. É assim? Em síntese, quais são as contribuições mais relevantes dos papas individuais ou de episcopados inteiros para a meta a que se chegou agora?
Certamente, houve um caminho: do memorável texto da Comissão Social do episcopado francês contra a pena de morte de 1978 às intervenções de todos os pontífices recentes (consideremos, por exemplo, o n 83 da exortação Africae munus de Bento XVI): São João Paulo II parece ter escrito para perorar a renúncia à execução da condenação capital em todos os casos que lhe fossem conhecidos. Posso testemunhar que, à margem de uma audiência, em 14 de fevereiro de 1997, quando lhe pedi muito brevemente como professor de Direito Penal que pudesse ser plenamente superada a posição do catecismo sobre a pena de morte, ele apertou fortemente as minhas mãos nas dele e, quase como se as minhas palavras tivessem reaberto uma ferida nele, proferiu as palavras: “A pena de morte, a pena de morte...”, e me abençoou.
Lemos o novo parágrafo. Qual é a novidade mais relevante: a superação em relação à editio typica (1997) do conceito de resposta adequada à gravidade de alguns delitos, de meio aceitável, embora extremo, para a proteção do bem comum? Ou o fato de que a dignidade da pessoa não se perde nem mesmo depois de cometer crimes muito graves?
O fato novo mais importante, na minha opinião, é a afirmação do caráter de inadmissibilidade, sem (mais) quaisquer reservas, da pena de morte como tal, com a derivação do compromisso com a sua abolição em todo o mundo. Afirmação, note-se, fundamentada não só em condições históricas específicas, nem somente em uma avaliação, embora fundamental, de ordem ética (a inalienável dignidade de cada vida humana), mas sim especialmente na economia do Catecismo “à luz do Evangelho”: que atribui ao novo n. 2.267 a máxima autoridade e vinculação para o futuro. Mas também é importante que, na carta aos bispos assinada pelo cardeal Ladaria, se afirme nitidamente que todas as penas aplicadas pelo Estado “devem se orientar principalmente para a reabilitação e a reintegração social do condenado”.
Esse novo passo realmente influenciará as políticas dos 56 Estados que mantêm a pena capital como instituição jurídica em vigor e aplicada?
Esse passo desejado pelo Papa Francisco poderá ter uma influência cultural extraordinária, muito além do âmbito jurídico: mas certamente será encorajador para a abolição da pena de morte em todo o mundo, mesmo em contextos diferentes dos de tradição cristã. Acima de tudo, afirmando a centralidade inalienável da vida de cada ser humano, ele será um aviso para o respeito não só formal da realidade existencial de cada indivíduo, embora sofredor, pobre, migrante, indefeso ou culpado. Não nos esqueçamos de que o Papa Francisco também incluiu novamente na rejeição da pena de morte as penas de morte executadas de fato, isto é, de modo extrajudicial: sem processo nem condenação (carta de 20 de março de 2015 ao presidente da Comissão Internacional contra a Pena de Morte). Em síntese, o Papa Francisco abre com esse passo um novo capítulo na afirmação dos direitos ligados à dignidade de cada ser humano.
De fato, o direito penal é um pouco o teste decisivo dos modelos relacionais de uma sociedade. Falemos também da prisão perpétua, outro tipo de pena de morte...
Foi o Papa Francisco quem definiu a prisão perpétua, com razão, como uma “pena de morte oculta” (discurso de 23 de outubro de 2014 à Associação Internacional de Direito Penal). Sem esperança, sem uma “fresta” ainda disponível ao condenado, nenhum caminho de libertação de experiências negativas da vida é viável. Certamente, não poderão deixar de permanecer, nos casos mais graves, avaliações sobre a eventual persistência ao longo do tempo de filiações criminosas perigosas: mas o desrespeito a priori pela recuperação do condenado é um péssimo investimento na ótica da prevenção e priva as próprias vítimas da resposta à sua necessidade profunda de verem reconhecida a injustiça que as afetou.
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A Igreja e a pena de morte, entre teologia e direito. Entrevista com Luciano Eusebi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU