07 Agosto 2018
Em 2000 anos de história, a Igreja tem desenvolvido uma doutrina que fundamenta suas bases na Sagrada Escritura, na Tradição e em seu magistério vivo, crescendo cada vez mais na inteligência da fé.
O artigo é de Sergio Centofanti, publicado por Vatican News, 04-08-2018. A tradução é de Luisa Rabolini.
O anúncio da modificação do Catecismo da Igreja Católica sobre o tema da pena de morte gerou um debate animado em todo o mundo. Todo desenvolvimento da doutrina na história da Igreja suscitou consenso ou crítica construtiva, mas também resistência e recusas. Hoje pode causar discussões uma nota sobre Amoris laetitia ou um novo ensinamento sobre a pena de morte, mas olhando para trás, percorrendo rapidamente 2.000 anos de cristianismo, percebe-se que muitas coisas mudaram, que agora consideramos como adquiridas. O fato é que toda mudança pode criar escândalo e confusão.
Basta ler a Bíblia para entender quanto progresso tenha sido feito. Hoje ficamos horrorizados diante de certas ordens dadas por Deus a Moisés, conforme relatado pelas Sagradas Escrituras. No Levítico (Capítulo 20), o Senhor ordena matar os idólatras, adúlteros, sodomitas, incestuosos e até mesmo aqueles que maltratam o pai ou a mãe devem ser condenado à morte. Claro que Moisés viveu mais de 3.000 anos atrás. Claro que essas ordens estão contida no Antigo Testamento, porém, no final da leitura sempre dizemos: Palavra de Deus
Vamos pensar no trauma experimentado pelos primeiros cristãos convertidos do judaísmo: quanta coragem precisaram ter para abandonar as leis fundamentais do seu povo, como a circuncisão. Quanta abertura de mente e espírito para aceitar na Igreja os pagãos, então considerado não lícito. Pedro - contam os Atos dos Apóstolos - já havia recebido o Espírito Santo, mas ele ainda não o entendia. Apenas diante de um centurião romano, Cornélio, e de sua família, é que foi iluminado e diz: "Agora percebo verdadeiramente que Deus não trata as pessoas com parcialidade, mas de todas as nações aceita todo aquele que o teme e faz o que é justo. Vocês conhecem a mensagem enviada por Deus ao povo de Israel, que fala das boas novas de paz por meio de Jesus Cristo, Senhor de todos." Nesta frase, "agora percebo" há todo o progresso gradual do nosso conhecimento da verdade de Deus. Um caminho que não termina enquanto a história durar. A inteligência da fé cresce.
Vamos pensar no caminho da Igreja nos primeiros Concílios ecumênicos para estabelecer os fundamentos da verdade cristã, a partir da Trindade e dos dogmas cristológicos. Muitas lutas contra as heresias desse período sob o lema "Extra ecclesiam nulla salus" (fora da Igreja não há salvação). Nenhum paraíso, portanto, para os não-batizados. No entanto, pouco a pouco, compreendeu-se de maneira mais profunda esse conceito, como aparece na Declaração Dominus Iesus assinada pelo Cardeal Ratzinger: "Quanto ao modo como a graça salvífica de Deus, dada sempre através de Cristo no Espírito e em relação misteriosa com a Igreja, atinge os não cristãos, o Concílio Vaticano II limitou-se a afirmar que Deus a dá ‘por caminhos só por Ele conhecidos’". Entendemos cada vez melhor que Deus quer salvar a todos.
A luta contra os hereges, contra aqueles que pensam diferente, sabe-se, trouxe consequências negativas na história: guerras religiosas, fogueiras, inquisição. Mesmo que muitas lendas negras promovidas pela propaganda anticatólica tenham sido desmascaradas pelos historiadores, não vamos nos esconder atrás de um dedo: a Igreja, filha de seu tempo, muitas vezes compartilhou a sua mentalidade. Hoje trememos ao ler a bula papal Ad Extirpanda promulgada em 1252 pelo Papa Inocêncio IV e confirmada pelo Papa Alexandre IV em 1259 e pelo Papa Clemente IV em 1265: o documento aprova a tortura dos suspeitos hereges, embora bastante abrandada quando comparada com o que era feito pelos contemporâneos: não devia causar mutilações, nem derramamento de sangue, nem morte. Tudo isso porque se considerava, acima de tudo, a salvação da alma. Quantas mudanças desde então.
E quanto progresso foi feito no que diz respeito à doutrina da Encíclica Mirari vos do Papa Gregório XVI, 1832. É óbvio, estamos em um contexto histórico muito difícil para o papado, passaram-se quase 200 anos, mas algumas frases nos fazem entender melhor as razões dos progressos doutrinários. Gregório XVI define a liberdade de consciência como um "delírio" um "erro venenoso", que abre o caminho para "aquela plena e desmedida liberdade de opinião que está aumentando cada vez mais em detrimento da Igreja e do Estado", além daquela "péssima, e nunca suficientemente condenada "liberdade de imprensa" de trazer à baila toda espécie de escritos”. A Igreja aprendeu melhor a entender o que seja liberdade também daqueles que não estão na Igreja.
O escândalo do desenvolvimento da doutrina esconde um problema central da fé: uma Lei que não muda traz segurança e dá poder ao homem que, desta forma, consegue controlar os seus comportamentos religiosos e também manipular as exigências das normas divinas. Uma Lei que muda, tira esse poder e o coloca nas mãos de outro. Esse foi o imenso embate de Jesus com os fariseus. Jesus se colocou como Lei viva, enquanto os fariseus pediam uma Lei escrita e muda que eles pudessem administrar. Se a lei está viva, não para de falar e dizer coisas novas e, acima de tudo, nos obriga a mudar. Não gostamos disso porque em cada um de nós há sempre um fariseu que espreita com suas razões imutáveis e imóveis. A Lei do amor, ao contrário, nos move, nos leva a um contínuo êxodo do eu para o você. É um progredir contínuo no conhecimento da verdade absoluta que é Deus e Deus é amor. E o amor nos obriga a mudar para o outro. A beleza é que mesmo Deus - que é o mesmo ontem, hoje e sempre - mudou por amor nosso: e se fez homem.
Voltando para Pedro diante dos pagãos, estava aprendendo que ele não era o dono da verdade, mas que pertencia à Verdade. Enquanto ele falava, o Espírito Santo desceu sobre todos os que estavam ouvindo seu discurso: "E os fiéis que eram da circuncisão, todos quantos tinham vindo com Pedro, maravilharam-se de que o dom do Espírito Santo se derramasse também sobre os gentios. Porque os ouviam falar línguas, e magnificar a Deus.Respondeu, então, Pedro: Pode alguém porventura recusar a água, para que não sejam batizados estes, que também receberam como nós o Espírito Santo?”. É Deus quem nos faz entender melhor a si mesmo. Isso nos faz entender que a essência do cristianismo é o amor.
Finalmente, para aqueles que contrapõem Bento XVI e João Paulo II a Francisco, podem ser lembradas as palavras de conforto do Papa Ratzinger de 27 maio de 2006 em Cracóvia, na frente de um milhão de jovens. Aos meninos que cresceram na fé pelo papa Wojtyla, o Papa Bento disse com firmeza: "Não tenhais medo de construir a vossa vida na Igreja e com a Igreja! Tenhais orgulho do amor por Pedro e pela Igreja que lhe foi confiada. Não vos deixais iludir por aqueles que querem contrapor Cristo à Igreja! (...) Vocês jovens conheceram bem o Pedro dos nossos tempos. Então não vos esqueçais que nem aquele Pedro que está assistindo nossa reunião a partir da janela de Deus Pai, nem este Pedro que está agora diante de vós, nem qualquer Pedro sucessivo jamais estarão contra vós, nem contra a construção de uma casa duradoura sobre a rocha. Aliás, ele empregará seu coração e ambas as mãos para ajudar você a construir a vida em Cristo e com Cristo"
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O escândalo do desenvolvimento da doutrina - Instituto Humanitas Unisinos - IHU