05 Julho 2018
Enquanto uma comissão de estudo sobre o diaconato feminino lhe apresentará em breve suas próprias conclusões, o Papa Francisco aprovou, em 8 de junho passado, a instrução da congregação vaticana para os religiosos, Ecclesiae Sponsae Imago, que identifica “um verdadeiro florescimento” das virgens consagradas (“mais de cinco mil” em todos os continentes “e em contínuo aumento”), para orientar e promover essa “ordem” de mulheres que escolhem esta peculiar forma de consagração alternativa à vida comunitária no convento.
A reportagem é de Iacopo Scaramuzzi, publicada por Vatican Insider, 04-07-2018. A tradução é de André Langer.
“Como indicam algumas passagens do Novo Testamento e escritos dos primeiros séculos cristãos, esta forma de vida evangélica apareceu espontaneamente nas diferentes regiões onde se desenvolviam as comunidades eclesiais, situando-se entre as diferentes formas de vida ascética que, no contexto da sociedade pagã, eram um sinal claro da novidade do cristianismo e de sua capacidade de responder às perguntas mais profundas sobre o sentido da existência humana”, diz a introdução do novo documento da Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica.
“Com um processo análogo ao que teve a ver com a viuvez de mulheres que escolhiam a continência ‘em honra da carne do Senhor’, a virgindade consagrada feminina assumiu progressivamente as características de um estado de vida reconhecido publicamente pela Igreja”, prossegue o documento que, em uma nota de rodapé, recorda que “nas Constituições Apostólicas da segunda metade do século IV as virgens aparecem, ao lado das viúvas e das diaconisas, como um elemento institucional da comunidade cristã”.
As virgens consagradas “estão presentes em todos os continentes, em muitas dioceses, e oferecem o próprio testemunho de vida em todas as esferas da sociedade e da Igreja”, escreveu em uma apresentação o prefeito do dicastério vaticano, o cardeal brasileiro João Braz de Aviz. “Em 2016, durante o Ano da Vida Consagrada, uma estatística aproximada estimava a presença de mais de cinco mil virgens consagradas no mundo, em contínuo aumento”.
A instrução sobre a Ordo virginum (“o primeiro documento da Sé Apostólica que aprofunda a fisionomia e a disciplina deste modo de vida”) visa “responder aos pedidos que muitos bispos e virgens consagradas apresentaram nestes anos à Congregação para a Vida Consagrada sobre a vocação e o testemunho da Ordo virginum, sua presença na Igreja e universal, e (em particular) sobre a formação e o discernimento vocacional”. A Ecclesiae Sponsae Imago quer ajudar a descobrir a beleza desta vocação e contribuir para mostrar “a beleza do Senhor que transfigura a vida de tantas mulheres que diariamente a experimentam”.
Em um “excursus” histórico, o secretário da congregação vaticana responsável pela vida religiosa, o arcebispo espanhol José Rodríguez Carballo, salientou que no início, “junto com outras formas de vida ascética, a escolha da virgindade floresceu espontaneamente em todas as regiões em que o cristianismo se difundia, assumindo as características de um estado de vida reconhecido publicamente na Igreja como ‘Ordo virginum’, com expressão análoga às utilizadas para indicar outras ‘Ordines’ (Ordo episcoporum, Ordo Presbyterorum, Ordo diaconorum, Ordo viduarum)”. A partir do século IV, “as virgens consagradas permaneciam em seu próprio ambiente familiar e social, e participavam ativamente da vida da comunidade cristã reunida em torno do bispo”.
Depois, “durante a Idade Média, com a afirmação da vida monástica e por complexas razões históricas e culturais, as virgens consagradas reuniam-se progressivamente nos mosteiros, e na legislação canônica o estado de vida consagrada feminina passou a ser identificado com a vida contemplativa claustral”, a tal ponto que, em geral, “a pertença à comunidade monástica fez com que perdesse as raízes da comunidade cristã, característico da idade primitiva e patrística, com sua referência direta à autoridade episcopal”.
E “salvo raríssimas exceções, essa situação durou até o Concílio Vaticano II. O impulso de renovação eclesial que precedeu o Concílio – prosseguiu Carballo – suscitou um novo interesse também em relação ao rito da ‘consecratio virginum’ e estabeleceu os pressupostos para a sua revisão”, depois disposta pela Sacrosanctum Concilium. O Papa Paulo VI, concluindo, estabeleceu que se adotasse novamente a antiga “Ordo virginum”, promulgando no dia 31 de maio de 1970 a nova “Ordo Consecrationis Virginum”, “em que se previa a possibilidade de consagrar também mulheres que permanecem no próprio contexto ordinário da vida, de acordo com as modalidades da antiga ‘Ordo virginum’”, inovação que mais tarde veio a ser estabelecida no cânon 604 do Código de Direito Canônico.
Desde que esta nova forma de vida consagrada na Igreja foi novamente restabelecida, “houve um verdadeiro florescimento da Ordo virginum”, diz a instrução, “cuja vitalidade se manifesta na multiforme riqueza de carismas pessoais postos a serviço da edificação da Igreja e da renovação da sociedade segundo o espírito do Evangelho. O fenômeno parece ser de grande relevância, não apenas pelo número de mulheres envolvidas, mas também pela sua difusão em todos os continentes, em muitíssimos países e dioceses, em áreas geográficas e contextos culturais tão diferentes”.
A instrução tem três partes: depois de ilustrar a “vocação ao testemunho” da Ordo virginum aprofunda suas “raízes diocesanas” e, para concluir, reflete sobre o discernimento vocacional e a formação permanente para as virgens consagradas. Entre as questões abordadas está a necessidade de verificar a “maturidade humana” das candidatas, o que pressupõe, explica a instrução, “um conhecimento realista de si mesma e uma consciência serena e objetiva dos próprios talentos e limites, unidos a uma clara capacidade de autodeterminação e a uma atitude adequada e suficiente para assumir responsabilidades”; “a capacidade de estabelecer relações saudáveis, serenas e oblativas com homens e mulheres, unida a uma correta compreensão do valor do matrimônio e da maternidade”; a “capacidade de integrar a sexualidade na identidade pessoal e de orientar as energias afetivas para expressar a própria feminilidade numa vida casta que se abra a uma fecundidade espiritual mais ampla”; “a capacidade de trabalho e profissional com a qual se pode prover o próprio sustento com dignidade”; “uma comprovada atitude para reelaborar sofrimentos e frustrações, bem como para dar e receber o perdão, como possíveis passos em direção à plenitude da humanidade”; “a fidelidade à palavra dada e aos esforços precisos”; “um uso responsável dos bens, dos meios de comunicação social e do tempo livre”.
A instrução do Vaticano recolheu “a experiência destas décadas” e representa um “documento de orientação e promoção”, explica Carballo, para todas essas mulheres que, “mantendo um olhar contemplativo da realidade, são partícipes das alegrias e das esperanças, das tristezas e das angústias dos homens do nosso tempo, especialmente dos mais pobres, e contribuem para a renovação da cultura segundo o espírito do Evangelho”.
Neste renascimento da Ordo virginum, o bispo Carballo vislumbra um “dado significativo, não apenas para a compreensão e a apreciação da presença das mulheres no povo de Deus, mas também e mais radicalmente em relação ao aprofundamento da consciência que a Igreja tem de si mesma como Esposa de Cristo, povo de Deus que na história caminha para a realização escatológica”.
O cardeal Braz de Aviz, por sua vez, destacou e antecipou o desejo de “organizar e ver chegar a Roma as virgens consagradas do mundo inteiro para um novo encontro internacional em 2020, para celebrar com Pedro o 50º aniversário do rito”.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Virgens consagradas. O Vaticano identifica um fenômeno em expansão - Instituto Humanitas Unisinos - IHU