09 Março 2011
"As religiosas são quatro vezes mais numerosas do que os religiosos, mas não têm a auréola do padre, nem do monge. Na Igreja, desenvolvem múltiplas tarefas, sem receber o reconhecimento."
A opinião é de Monique Hébrard, em artigo publicado no sítio do Comité de la Jupe, 04-03-2011. O comitê é uma organização católica independente com mais de 300 membros leigos, religiosos e sacerdotes da França e da Bélgica. A tradução é de Moisés Sbardelotto e revisada pela IHU On-Line..
Eis o texto.
Nestes últimos dias, muitas mulheres disseram no site da Conférence Catholique des Baptisé(e)s de France - CCBF ou no do Comité de la Jupe como se sentem excluídas da Igreja quando veem unicamente homens subindo ao altar. Não são necessariamente a favor da ordenação de mulheres, mas notam uma involução: as mulheres são sempre menos admitidas para distribuir a comunhão, para fazer as leituras, e sempre mais frequentemente rejeitam-se as meninas para o serviço do altar.
Perguntei-me o que sentem aquelas que, tempos atrás, se chamava "les bonnes soeurs" ("as boas irmãs", em tradução livre) com um pouco de comiseração. Talvez não seriam elas duplamente "penalizadas" pelo fato de estarem, se assim podemos dizer, em uma situação incômoda e delicada? São consagradas, mas não são padres. Canonicamente, são leigas, mas são apenas... mulheres celibatárias.
Elas são quatro vezes mais numerosas do que os religiosos, mas não têm a auréola do padre, nem do monge. Na Igreja, desenvolvem múltiplas tarefas, sem receber o reconhecimento.
Pensemos, por exemplo, naquela jovem religiosa que recentemente abandonou uma capelania de jovens pelo fato de ser muito pouco levada em consideração pelo padre com quem trabalhava.
Uma outra, com seus 40 anos, admite: "Sofri duplamente com isso. Enquanto mulher, fazemos o trabalho de secretaria, papéis, trabalhos manuais, e nas responsabilidades somos `adjuntas`. Enquanto religiosa, mas sem hábito, não sou particularmente bem aceita nos ambientes conservadores e nem necessariamente melhor nos ambientes dos jesuítas ou dos padres com os quais compartilhei responsabilidades. Frequentemente, não me senti vista nem como uma verdadeira mulher, nem como um pároco. Jamais criei o meu `espaço`, dada a pouca possibilidade de falar, somente a de ouvir. Penso que somos `desrealizadas`: ou um pouco desconsideradas ou colocadas sobre um pedestal. Mas nem uma nem outra dessas posições favorecem o trabalho em igualdade. A nossa vocação não é percebida no corajoso mundo católico".
Esse testemunho pode parecer excessivo, mas tem o mérito de destacar, forçando um pouco, a origem daquilo que muitos podem sentir. Porém, entre as religiosas, que força e que criatividade!
Recentemente, tive diversas ocasiões para constar como elas são importantes na vida das comunidades eclesiais e como elas anunciam a Boa Nova de maneira forte e inovadora. Elas estão de tal forma à escuta dos homens e das mulheres do nosso tempo que sabem, como ninguém mais, como conjugar a Boa Nova com a inovação social. Foi o que impressionou Jérôme Vignon e Elena Lasida, que intervieram no último congresso da CORREF (que reúne os superiores maiores de 312 congregações femininas apostólicas e de 87 congregações masculinas, assim como os abades de 41 mosteiros). "A relação é sempre o coração das suas ações", sublinhou Elena Lasida. A mesma constatação foi feita na centena de iniciativas citadas no Ecclesia 2007 em Lourdes.
A capacidade de criatividade das religiosas não é nova. Em todos os tempos, como conta Elisabeth Dufourcq no seu apaixonante livro Les Aventurières de Dieu [As aventureiras de Deus], as religiosas se lançaram em aventuras que não eram acessíveis às mulheres da sua época. O século XIX, que viu florescer as congregações, ilustra como elas foram, para muitos, um lugar de dignidade e de promoção.
Mas elas são verdadeiramente reconhecidas na Igreja?
Estamos longe daquela Idade Média em que as abadessas de Fontevraud tinham uma autoridade de bispo e dirigiam a abadia dos homens! Por que tantas carmelitas do século XXI ainda estão sob a direção dos carmelitas masculinos? Por que uma beneditina não tem a mesma liberdade de um beneditino (do qual se diz, às vezes trivialmente, que a sigla OSB significa "on se balade" [passeamos])? Por que os padres abades participam da CORREF enquanto as madres abadessas não?
Porém, ainda há avanços! Graças a Deus, há religiosas que assumem grandes responsabilidades, bem reconhecidas. A própria CORREF, que se tornou mista, é um lugar onde religiosos e religiosas aprendem a corresponsabilidade. Os jesuítas, durante a sua 34ª Congregação Geral, declararam: "Nós, jesuítas, pedimos em primeiro lugar a Deus a graça da conversão. Fizemos parte de uma tradição civil e eclesial que ofendeu as mulheres. Mesmo sem querer, participamos de uma forma de clericalismo que reforçou a dominação masculina, acompanhando-a com uma sanção pretensiosamente divina". Duas religiosas e uma terciária dominicana foram declaradas doutoras da Igreja, Teresa d`Avila, Catarina de Sena e Teresa de Lisieux.
Para terminar, gostaria de evocar Dom Guy Herbulot, que foi o segundo bispo de Evry. Em um recentíssimo livro que conta os seus anos de episcopado (Bâtisseurs d`Eglise, Ed. Cerf), ele lembra que o seu antecessor, Dom Malbois, foi o primeiro bispo da França a nomear uma religiosa para o Conselho Diocesano de Pastoral. Ele mesmo chamou uma segunda, muito conhecida no bairro: "Parecia-me importante – escreve – que pudéssemos ouvir a voz das mulheres in loco, em relação de vizinhança e capazes de dizer qual era a vida dos habitantes de Essonne no seu cotidiano, nas suas esperanças e nos seus temores, e também nas suas revoltas. Era um poderoso convite a nos tornarmos atentos às evoluções de mentalidade, e ouvir os problemas, a encorajar, a tornar possíveis invenção e criatividade" (p. 77).
Então, vocês, religiosas que visitam o site do Comité de la Jupe e o da CCBF, digam-nos como vocês vivem na Igreja de 2011 a sua situação de mulheres consagradas.
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"As religiosas não são reconhecidas". Um clamor que vem da França - Instituto Humanitas Unisinos - IHU