Por: Vitor Necchi | 15 Novembro 2017
O advogado e procurador do Estado aposentado Jacques Alfonsin é daquelas pessoas que dedicam sua vida e seu conhecimento, com gana, à defesa dos direitos humanos. Suas respostas, articuladas e posicionadas, são permeadas pela experiência de quem há mais de 40 anos se vale do mundo das leis para combater injustiças e garantir direitos para parcelas da população que têm dificuldades para se inserir em processos legais. Não é tarefa fácil, mas entusiasmo não falta a este combatente de 78 anos que tem, entre suas causas, a defesa da reforma urbana.
Ao pensar nos problemas mais graves que atingem as metrópoles, ele toma como referência as principais funções do solo urbano (espaço onde as pessoas devem morar, trabalhar, circular e descansar) para afirmar que é difícil apontar uma que não viva em permanente crise. Em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line, ele lembra que o povo pobre é “jogado para as periferias, áreas de risco, beiras de córregos, cortiços, mananciais, ou encurralado em guetos dispersos pelo solo urbano, mal servido dos serviços públicos, sem segurança de posse e em conflito permanente com a lei e a cobiça do poder econômico sobre o espaço que ocupa”.
Esta segregação dos pobres, conforme Alfonsin, é das provas mais evidentes da crise urbana, da incapacidade do Estado e da democracia de cumprirem suas promessas de bem-estar, como preveem a Constituição Federal e o Estatuto da Cidade.
O “sonho da casa própria ou, quando menos, possuída legalmente, enfrenta enormes dificuldades” por conta do círculo vicioso provocado pela desigual distribuição fundiária. Esse sistema é alimentado não apenas pela pobreza de grande parte da população urbana, mas pelo preconceito que há em relação ao povo pobre, “capaz de avaliar a desigualdade econômica que o vitima como causa e responsabilidade exclusiva dele próprio, por sua situação”.
Para Alfonsin, essa cultura afeta também o poder público, inclusive o Judiciário, e “o chamado devido processo legal, com toda a sua burocracia, raramente abre espaço para aplicar aquelas das suas disposições que reconhecem o direito de se fazer justiça pelas próprias mãos – leia-se ocupação de terras – quando a invencível necessidade de pão e casa legitimam o seu uso”. Disso resultam “desapossamentos de terra urbana e rural, envolvendo multidões pobres, baseados em sentenças judiciais com todo o conhecido rol de violência que os caracteriza, inclusive causando lesões corporais graves e até mortes”.
Jacques Alfonsin | Foto: OAB MA
Jacques Távora Alfonsin é advogado, mestre em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, onde também foi professor, e procurador aposentado do Rio Grande do Sul. É membro da ONG Acesso, Cidadania e Direitos Humanos e publica, periodicamente, seus artigos em Notícias do Dia na página do IHU.
A entrevista é publicada na revista IHU On-Line, no. 515.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Quais os problemas mais graves que afetam as metrópoles brasileiras, no que se refere à população e às comunidades?
Jacques Alfonsin – Se forem tomadas como referência as principais funções do solo urbano, as de morar, trabalhar, circular e descansar, como aconselhava Le Corbusier [1], é bem difícil poder-se afirmar, com certeza, qual delas não vive hoje em permanente crise.
Investigar as causas dos problemas presentes nessas funções, prevenir a sua reprodução ou aprofundamento, impedir ou, pelo menos, atenuar os seus efeitos têm sido um trabalho delegado às leis e, pela história das cidades, isso está mostrando não ser suficiente. Nem tanto por falta delas, mas principalmente pelo poder de outros fatores determinantes de distribuição do espaço urbano às mesmas superiores, como o capital e o mercado, somados aos paradigmas hermenêuticos que presidem a sua aplicação.
A segregação do povo pobre – jogado para as periferias, áreas de risco, beiras de córregos, cortiços, mananciais, ou encurralado em guetos dispersos pelo solo urbano, mal servido dos serviços públicos, sem segurança de posse e em conflito permanente com a lei e a cobiça do poder econômico sobre o espaço que ocupa – é das provas mais evidentes da crise urbana, da incapacidade do Estado e da democracia de cumprirem suas promessas de bem-estar para todas/os, como preveem o art. 182 da Constituição Federal e o Estatuto da Cidade (Lei 10.257, de 2001).
No capítulo final do livro O impasse da política urbana no Brasil (São Paulo: Vozes, 2011), a sua autora, Ermínia Maricato [2], deu-lhe o título de “A terra é o nó”, sintetizando as causas e os efeitos dos problemas brasileiros em torno da nossa terra, seja a urbana, seja a rural:
“No Brasil, nona economia mundial, a questão da terra continua a se situar no centro do conflito social, mas de forma renovada. Ela alimenta a profunda desigualdade – ainda que haja a recente pequena distribuição de renda – e a tradicional relação entre propriedade, poder político e poder econômico.” [...] “A dificuldade de acesso à terra regular para habitação é uma das maiores responsáveis pelo explosivo crescimento de favelas e loteamentos ilegais nas periferias das cidades”.
Vale muito bem para as cidades, portanto, o grito de Walter Benjamin [3]: “A tradição dos oprimidos nos ensina que o Estado de exceção em que vivemos é, na verdade, regra geral. Precisamos construir um conceito de história que corresponda a essa verdade. Nesse momento, percebemos que nossa tarefa é criar um verdadeiro estado de emergência”.
No Brasil de hoje, uma outra emergência está sendo atendida com uma pressa quase em desespero em sentido frontalmente contrário ao perseguido por Benjamin, fazendo passar por democracia a sustentação de um estado de exceção muito atento a demandas do capital, inclusive o estrangeiro, sobre o território de todo o país. Sob uma tal perspectiva de planejamento e execução de políticas públicas sobre terra não dá para se projetar otimismo. Desanimar diante disso, porém, será o mesmo que se acumpliciar com uma construção de futuro feita com o pior material do presente.
IHU On-Line – Quais as principais demandas dos movimentos sociais voltados às temáticas urbanas?
Jacques Alfonsin – A principal, sem dúvida, é a de moradia para todas/os que vivem nas cidades, mesmo que esse direito permaneça despido de garantia efetivada concretamente, e mais como compromisso do Estado e da sociedade civil a ser cumprido em prazo sempre indeterminado. Na elaboração das leis urbanísticas, nem conta com a adesão da maioria da população urbana.
Assim, o sonho da casa própria ou, quando menos, possuída legalmente, enfrenta enormes dificuldades. O solo urbano cresce diariamente de valor na proporção, primeiro, da redução do seu espaço por quem tem dinheiro para separá-lo como propriedade exclusiva. Depois, tratado “normalmente” como simples mercadoria, a oferta de terra urbana diminui na medida da sua progressiva escassez e no consequente e progressivo aumento da demanda, pois as cidades, especialmente as grandes, continuam sendo um espaço de sedutora atração, vendo crescer sem controle o aumento da sua população e do preço da terra.
Esse é um círculo vicioso responsável pelos efeitos sociais da distribuição fundiária. Não é somente a pobreza de grande parte da população urbana que os explica. Existe toda uma cultura ideológica que até os “justifica”, sustentando preconceitos em relação ao povo pobre, capaz de avaliar a desigualdade econômica que o vitima como causa e responsabilidade exclusiva dele próprio, por sua situação. Assim, se permanecer sem teto ou morando em sub-habitação, o problema é só dele e de ninguém mais.
Como essa cultura também afeta o poder público, inclusive o Judiciário, o chamado devido processo legal, com toda a sua burocracia, raramente abre espaço para aplicar aquelas das suas disposições que reconhecem o direito de se fazer justiça pelas próprias mãos – leia-se ocupação de terras – quando a invencível necessidade de pão e casa legitimam o seu uso. Aí se encontra a razão pela qual a mídia noticia diariamente, em todo o país, desapossamentos de terra urbana e rural, envolvendo multidões pobres, baseados em sentenças judiciais com todo o conhecido rol de violência que os caracteriza, inclusive causando lesões corporais graves e até mortes. O Estado não se dá conta de que, além de isso não resolver o problema, provoca mais ainda a indignação coletiva dessas multidões e motiva os movimentos sociais populares a aumentar esse tipo de pressão ético-política.
IHU On-Line – O que é gentrificação e quais seus efeitos nos diferentes segmentos da população?
Jacques Alfonsin – Como tudo o que envolve interesses e direitos conflitantes sobre o melhor uso da terra, a gentrificação não serve para definir somente remoções impostas ao povo pobre para dar lugar a algum empreendimento imobiliário interessado no espaço urbano que ele ocupa. Para essa fração de povo, ela é vista como danosa e consequentemente injusta, ainda mais quando sua mudança é forçada e sem destino assegurado. Para a inciativa privada ou pública, porém, protagonista desta mudança, ela é considerada conveniente e, conforme o caso, até como necessária.
Raquel Rolnik [4], a brasileira que chegou a ser relatora especial da ONU para o direito à moradia adequada, em obra recente, Guerra dos lugares. A colonização da terra e da moradia (São Paulo: Boitempo, 2015), coloca o problema nos seus devidos termos, para capacitar quem queira identificar as causas e avaliar os efeitos da gentrificação:
“Em tempos de capitalismo financeirizado, em que a extração de renda sobrepõe-se ao mais-valor do capital produtivo [em nota de pé de página ela lembra, a propósito, David Harvey], terras urbanas e rurais tornaram-se ativos altamente disputados. Isso tem produzido consequências dramáticas, especialmente – mas não exclusivamente – nas economias emergentes. As dinâmicas que acompanham a liberalização dos mercados de terras estão aumentando a pressão do mercado sobre os territórios controlados por comunidades de baixa renda. Isso ocorre num contexto global em que a terra urbanizada não está disponível para os grupos mais pobres. Comunidades ficam, então, sob a constante ameaça de espoliação dos seus ativos territoriais”. [...] “As políticas de planejamento, administração e gestão da terra – inclusive das terras públicas – têm enorme impacto na construção da matriz segurança/insegurança. No entanto, assim como nas políticas habitacionais, a propriedade privada individual ganhou hegemonia sobre todas as outras formas de posse nos programas de reforma e administração fundiárias pelo mundo. Por forçar na concessão de títulos de propriedade privada a usuários ou proprietários de terrenos não disputados, a maioria desses projetos tem se mostrado inadequada para reconhecer e garantir todas as formas de posse e, em particular, para proteger os mais pobres”.
Como se observa, a gentrificação está fazendo jus à origem europeia da sua denominação. “Gentry”, do inglês, pode ser traduzido por alta sociedade, aristocracia, burguesia. Em vez de garantir acesso à terra de quem não a tem, o que ela faz é garantir mais espaço para quem já tem.
IHU On-Line – Se os princípios dos direitos humanos pautassem a gestão pública, o que seria diferente nas cidades brasileiras?
Jacques Alfonsin – Uma boa resposta para esta pergunta depende bastante da que se dê às polêmicas históricas sobre o conceito e os fundamentos dos direitos humanos, de que dá prova a impaciência de Norberto Bobbio [5]. Para ele, o fato de ficarmos parados discutindo filosoficamente o que sejam esses direitos e quais os seus fundamentos, só aprofundará a sua ineficácia.
Por isso os direitos humanos fundamentais sociais (do tipo moradia, alimentação, saúde, educação e segurança, por exemplo) o que necessitam mesmo é de satisfação garantida e imediata, pois as necessidades vitais que lhes dão conteúdo não podem ficar esperando serem definidos o que são ou deixam de ser. A natureza mesma já se encarregou de defini-los e fundamentá-los.
Dependentes, primeiramente, de um sentimento coletivo de solidariedade, dir-se-ia universal e, depois, da implementação de políticas públicas, essas não passam, via de regra, de compensatórias da desigualdade econômica que impõe e reproduz a sua infringência. Essas políticas só amenizam os efeitos da sua violação, sem jamais enfrentar as causas estruturais da injustiça social responsável pelos males daí decorrentes, já assimilada pelos poderes privados e públicos como fatal e inevitável. Com a agravante de desmoralizar os direitos humanos como meros cúmplices dessa “acomodação”, aumentando o descrédito que sobre eles já pesa.
Se as garantias devidas aos direitos humanos fundamentais sociais alcançassem o poder de valer e ser eficaz como o de propriedade, não sobraria dúvida de que, desde o clima e o meio ambiente urbano (!), as cidades se transformariam em um espaço de bem-estar sustentável, vencendo os seus problemas atuais sob o rigor do necessário e do indispensável e não como hipótese sonhada e utópica.
Como bem diz Franz Hinkelammert [6] em Mercado versus direitos humanos (São Paulo: Paulus, 2004), pelo fato de capital e mercado não se interessarem por outra coisa que não dinheiro (o que ele chama de “cálculo de utilidade a partir do interesse próprio”), mediado por mercadoria e bolsa, esse cálculo e interesse são suportados praticamente sem oposição da lei, salvo na letra de algumas das suas disposições que, tornadas tão abstratas em sua interpretação e aplicação – a função social da propriedade é um triste exemplo –, mais servem para legitimar todos os maus efeitos da sua ineficácia. Com um significativo senão, conforme o autor:
“Um único obstáculo se interpõe: a necessidade da convivência. Da perspectiva desse cálculo de utilidade a partir do interesse próprio, todas as exigências da convivência se tornam empecilhos, distorções do mercado, inimigos. Para os valores vigentes na sociedade, a convivência e suas exigências são inimigas, são irracionalidades, são distorções”.
Por isso, diz-se que o mercado se transformou numa segunda natureza. À luz de uma lição como essa, a natureza é que ficou em segundo lugar. O primeiro, ele já invadiu e conquistou. Se as gestões públicas não garantem os direitos humanos fundamentais sociais, um poder oposto a essa inversão, é porque são cúmplices dela e disso o atual (des)governo do país está dando um exemplo claro, bastando medirem-se os efeitos que, sobre todo o território do país, vão ser retirados da Lei 13.465 [7], de julho deste ano, oriunda do Poder Executivo, por força da Medida Provisória 759 [8].
Menos mal que a Procuradoria Geral da República já ingressou no Supremo Tribunal Federal com uma ação de inconstitucionalidade (ADI) desta lei, restando a esperança de que, sob um tal defeito, a vida dela seja curta.
IHU On-Line – O Estatuto da Cidade (Lei 10.257, de 2001) fala da função social da cidade. Qual é esta função e em que situação se encontra a aplicação desta norma? O que é preciso para garantir o bem-estar dos habitantes de uma cidade?
Jacques Alfonsin – As funções sociais da cidade, previstas no artigo 182 da Constituição Federal, foram uma das maiores conquistas populares sobre a sua redação. O Estatuto da Cidade busca dar-lhe eficácia por meio de instrumentação jurídica detalhada, de modo particular pelo Plano Diretor. Na minha opinião, submetida aqui à crítica das/os nossas/os leitoras/es, é que as funções sociais da cidade, como, aliás, a da propriedade, a da lei, a do Estado, a das próprias relações humanas (!), além de serem barradas por uma cultura ideológica histórica de exclusão, fiel a conveniências do capital e do mercado, do tipo engessar a convivência numa clausura exclusivamente dependente da renda de cada cidadão, jamais questiona o dogma do direito adquirido sobre terra, de acordo com o modo pelo qual ele é exercido.
A matrícula de qualquer pedaço de terra levado ao Ofício de Imóveis, conforme o paradigma dominante de elaboração, interpretação e aplicação das leis, inverte a natureza dela, ao ponto de considerar-se desnecessária até a investigação sobre o uso (!) que está sendo feito dela. Um papel, um documento, encerra a favor de quem titula terra como proprietário, qualquer conflito fundiário, exceções raríssimas à parte, por mais antissocial e nocivo que seja esse uso.
E não faltam, nem na Constituição Federal, nem no Estatuto da Terra, no Estatuto da Cidade, no próprio Código Civil, disposições sobre a legalidade, a licitude do exercício do direito de propriedade sobre terra, somente poderem ser reconhecidas quando condicionadas a um uso sujeito à sua função social.
Não há a mínima possibilidade, portanto, de bem-estar para todas/os em uma cidade onde predomine a injustiça social franqueada por esse vício, ainda mais onde ela conte com minorias de poder político fraco para enfrentá-la. Enquanto os direitos fundamentais sociais não se transformarem em poderes sociais, permanecerão promessa e promessa cínica, já que abrigada em lei.
Cristovam Buarque [9], no seu livro A segunda abolição (São Paulo: Paz e Terra, 1999), colocou em números o quanto a previsão orçamentária das políticas públicas habitacionais poderiam destinar recursos mais do que suficientes para resolver o problema da moradia das/os sem-teto do Brasil. Em 1999, por exemplo, quando sua obra foi editada, ele mostrava que, ao lado das virtudes da “Casa para todos” – geração de emprego, crescimento pela base, aumento da autoestima, agregação da família, futuro com segurança, redução da violência, melhoria da saúde –, a receita pública para isso, prevista no orçamento, seria inferior a 1%:
“Incluindo o salário e o material, a construção de 10 milhões de casas, em 4 anos, custaria, por ano, R$ 2,5 bilhões, 0,9% da receita, muito pouco para os impactos que seus resultados provocariam sob a forma de emprego de mão de obra, melhoria na saúde, na dignidade, qualidade de vida para os pobres e para toda a sociedade brasileira”.
Se isso era verdade naquela época, com maior razão é verdade hoje, o que nos autoriza a concluir que têm razão quantas/os sem-teto brasileiras/os afirmam faltar mesmo é vontade política, estabelecimento de prioridade nos orçamentos, em defesa da moradia, para cobrir de casas o país todo e garantir, pelo menos nisso, o bem-estar geral da população brasileira.
IHU On-Line – Henri Lefebvre [10] cunhou o conceito de direito à cidade. Do que se trata e qual sua influência no Brasil?
Jacques Alfonsin – Essa é uma referência atual e permanente, antes do mais, pelo que denuncia de influência da ideologia sobre a ciência, e depois porque não abandona a esperança nas forças de organização social – na época em que ele escreveu O direito à cidade concentradas no operariado – construírem um espaço urbano menos excludente do ponto de vista social, denunciando fatores, mesmo os que passam por “científicos” e “técnicos”, responsáveis por uma parte da poderosa oposição existente contra esse direito:
“(...) a ideologia pretende dar um caráter absoluto à “cientificidade”, incidindo a ciência sobre o real, decupando-o, recompondo-o e com isso afastando o possível e barrando o caminho. Ora, numa tal conjuntura a ciência (isto é, as ciências parcelares) tem apenas um alcance programático. Contribui com elementos para um programa. Admitindo-se que esses elementos constituem desde agora uma totalidade e querendo-se executar literalmente o programa, já aí se estará tratando o objeto virtual como um objeto técnico. Realiza-se um projeto sem crítica nem autocrítica, e esse projeto realiza, projetando-a na prática, uma ideologia, a ideologia dos tecnocratas. Necessário, o programático não basta. Ele se transforma, no decorrer da execução. Apenas a força social capaz de se investir a si mesma no urbano, no decorrer de uma longa experiência política, pode se encarregar da realização do programa referente à sociedade urbana” (pág. 115, edição de 2016).
Pode embarcar na mesma ilusão criticada por Lefebvre a crença de que as leis podem tudo, inclusive tornarem efetivo, sem mais, o direito à cidade – que outro não é o de ver garantido a toda a sua população, inclusive à moradora das chamadas “áreas irregulares”, como as favelas, por exemplo –, o acesso à terra urbanizada, um bem-estar coletivo sem discriminação de outra espécie que não a que reconhece diferença sim, mas apenas aquela que deve ser superada, como condição de liberdade e cidadania, imunes às remoções violentas.
O nosso Estatuto da Cidade, Lei 10.257, de 2001, por exemplo, procurou valorizar o protagonismo da sociedade civil sobre o meio urbano, naquilo que se poderia identificar como democracia participativa, assim tornando a cidade menos sujeita ao poder econômico. Isso praticamente desapareceu neste ano de 2017, com a promulgação da Lei 13.465, na qual a Medida Provisória 759 se consagrou.
Por essa razão, talvez seja oportuno reproduzir aqui o quanto a ideologia privatista, característica daquele poder, passando-se por “ciência”, pode impedir o direito à cidade. Somada à globalização, isso pode fazer fugir do controle local qualquer possibilidade de harmonizar uma convivência minimamente satisfatória e sustentável. Como diz Milton Santos [11], em sua obra Técnica, espaço tempo (São Paulo: Edusp, 2013): “A dinâmica dos espaços da globalização supõe adaptação permanente das formas e das normas. As formas geográficas, isto é, objetos técnicos requeridos para otimizar uma produção, só autorizam essa otimização ao preço do estabelecimento e da aplicação de normas jurídicas, financeiras e outras, adaptadas às necessidades do mercado. Essas normas são criadas em diversos níveis geográficos e políticos, mas dada à competitividade mundial, as normas globais induzidas por organismos supranacionais e pelo mercado tendem a configurar as outras”. [...] “Quanto mais a globalização se aprofunda, impondo regulações verticais novas a regulações horizontais pré-existentes, tanto mais forte é a tensão entre globalidade e localidade, entre o mundo e o lugar. Mas, quanto mais o mundo se afirma no lugar, tanto mais este último se torna único”.
Sem uma organização coletiva em extensão e qualidade igual à da nação para enfrentar um poder desse nível, o direito à cidade entrará na mesma e grande lista dos direitos perpetuamente prorrogados e não garantidos.
IHU On-Line – Onde o efeito do poder econômico é mais perceptível no planejamento de uma cidade? Nas alterações dos planos diretores?
Jacques Alfonsin – Acho que não só nas alterações dos planos diretores, onde toda a construção civil e as imobiliárias exercem um poder de previsão e garantia dos seus interesses com força preponderante, com a agravante moderna, já denunciada aqui, de essa ter-se globalizado e financeirizado, sem respeito a qualquer fronteira, muito menos a urbana.
Se os planos diretores têm por finalidade, entre outras, a elaboração de leis que o sustentem enquanto vigora, nos espaços de flexibilidade possíveis, é também nessas leis que o poder do capital vai pesar, ocupando audiências e conselhos públicos, fazendo propaganda na mídia sobre o quanto a cidade vai ganhar com os seus empreendimentos e, conforme o caso – isso não tem como se esconder, já que o povo todo sofre todos os dias desse mal –, corrompendo, comprando agentes públicos para “facilitar” as suas inciativas.
Aqui não estou generalizando esses defeitos, como se não existisse empresário honesto. Estou sendo simplesmente fiel à história. Que o protagonismo da gentrificação tenha origem, porém, em interesses capazes de modificar o próprio plano diretor, por exemplo, isso não dá para negar.
José Comblin [12], um teólogo que viveu muitos anos na América Latina, de modo particular no nordeste brasileiro, entrou na discussão antiga do que seja o bem comum, tão valorizado nos ordenamentos jurídicos do mundo todo, quanto ignorado na prática. Vale a pena ouvi-lo, quando analisa essa inspiração, sob um enfoque raramente visto em obras jurídicas, para formar-se um juízo do quanto se desperdiça dela quando se interpreta e aplica leis sobre terra:
“Os moralistas modernos cedem facilmente à tentação de relacionar o bem comum ao individualismo soberano. Veem-no como a mediação pela qual o indivíduo conquista seu bem individual, o conjunto de auxílios que um indivíduo encontra na sociedade para defender com mais segurança o seu ambiente particular. Ao contrário, a concepção correta do bem comum parte da convicção de que o homem só se realiza pela superação de seu bem particular, pela participação em obra comum e, portanto, pela integração de suas vantagens pessoais em bem comum em que todos se juntam no plano do universal. Esse bem comum não é algo situado fora do homem ou além do homem. É o bem da comunidade humana. Pois a pessoa não se desenvolve a não ser em comunidade”. (Teologia da cidade, São Paulo: Paulinas, 1991, p. 180/181).
“Não há bem comum num mundo que não seja comum”, advertem os direitos humanos, ou seja, em um mundo que seja de todas/os, e não de uma minoria.
IHU On-Line – A moradia é um direito constitucional. Por que é tão inacessível para muitos cidadãos?
Jacques Alfonsin – Por muitas razões, me parece, mas algumas são mais visíveis. A primeira, porque a terra está submetida a uma concepção jurídica muito fragilmente contestada, que a trata como qualquer mercadoria e, portanto, somente acessível a quem tem dinheiro para comprá-la.
Isso não só prova como a previsão constitucional manda menos do que as regras do mercado e da economia, como denuncia o risco de se confiar ilimitadamente em promessas de lei. Nos capítulos 5 e 6 da epístola aos romanos, há dezenas de séculos, portanto, São Paulo já advertia seus ouvintes e seguidores para essa armadilha, não raro imposta com cinismo e hipocrisia. Quando se acusa gente pobre de costumar desobedecer às leis, ninguém se lembra de quem as redige com a intenção de não as cumprir.
A segunda, pelo fato de as políticas públicas tendentes a garantir moradia para a população pobre não priorizarem, em seus orçamentos, os recursos indispensáveis para isso, como também já lembrei.
Por isso, quando os movimentos populares que defendem o direito à moradia afirmam depender de vontade política as suas garantias, essa denúncia, de tão repetida e desatendida, leva-os a aumentar sua pressão pela forma das ocupações de terra e prédios públicos, manifestações coletivas de interrupção de ruas etc.
Aí, essa justa manifestação de inconformidade, em vez de motivar o poder público, Judiciário inclusive, a mídia e a sociedade civil como um todo, a identificar suas causas, ouvir o clamor por justiça que as inspira e legitima, fazem o pior. Geralmente utilizam todos os meios a seu alcance para humilhar, reprimir e criminalizar quem protesta, alimentando mais ainda a raiva, o rol dos preconceitos ideológicos e políticos que pesam sobre multidões pobres.
Todo esse sofrimento seria poupado a elas, se esse direito merecesse o respeito devido à sua previsão constitucional, e a prioridade de previsão e execução orçamentária por parte do poder público a ele devida – uma vontade política – condizente com a satisfação da necessidade vital que é o seu próprio conteúdo, como também já lembrei com o testemunho da obra de Cristovam Buarque.
IHU On-Line – Qual a sua avaliação da maneira como Judiciário e Polícia Militar vêm executando ações de reintegração de posse?
Jacques Alfonsin – A minha opinião a respeito disso pode passar por suspeita, pelo fato de que, há mais de quatro décadas, eu me dedico a defender multidões pobres vítimas das violentas execuções de mandados judiciais que, nessas ações, frequentemente desrespeitam a dignidade humana e a cidadania delas.
O Rio Grande do Sul já testemunhou, lamentavelmente, até mortes de pessoas rés de ações judiciais, vítimas dessas execuções. Um exemplo dos mais chocantes ficou manchando a história delas, quando um brigadiano assassinou pelas costas um agricultor sem terra em São Gabriel no ano de 2009. Condenado por um júri popular a 12 anos de cadeia, mas posto em liberdade pouco depois por decisão de segundo grau de jurisdição, foi recebido, homenageado com festa em Bagé, levado em carreata até a Sociedade Rural de lá.
Felizmente, outra decisão judicial posterior restabeleceu o seu recolhimento à prisão, mas o episódio mostra o grau do ódio contrário às/aos sem-terra.
Desconsiderar, como o Judiciário e a polícia desconsideram, com raras exceções, a pobreza e a miséria dessas multidões, como a causa subjacente a essas violências, é um fato indesculpável para quem se entende legitimado por qualquer poder público. Despachos administrativos ou sentenças responsáveis pela deflagração dessa injustiça empoderam um reducionismo repetido até a náusea de, antes de qualquer outro juízo, antecipar-se como violadoras da lei as multidões pobres rés de ações judiciais reivindicatórias ou possessórias. Elas não passariam de “aproveitadoras da incapacidade pública de garantir segurança”, gente abusada que é “gigolô da sua própria condição econômica” para encher as/os outras/os de compaixão, “grileiras” de terras sabidamente alheias e por aí vai.
Essa é uma generalização criminosa que jamais alcança o mesmo grau de indignação quando se encontram em causa os muito ilegais e injustos abusos do capital e do mercado. Pode se dar exemplos, embora raros, de exceções, como recentemente, em alguns casos, a abertura de negociação entre as partes, através dos chamados CEJUSCs (Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania). Eles dão chance às partes conflitantes, inclusive de maneira informal como faz a chamada justiça restaurativa, celebrarem um acordo que não só impeça o uso da força pública como também leve ambas a dispensarem sentença.
No grosso dos muitos conflitos sobre terra, levados aos tribunais, a violência continua predominando e, às vezes, servindo de palanque publicitário, para que o argumento de autoridade seja imposto em prejuízo da autoridade do argumento.
IHU On-Line – A regularização fundiária é um instrumento de justiça social e de promoção da cidadania? Por quê? E qual a situação no Brasil?
Jacques Alfonsin – Como todo o instrumento jurídico posto à disposição da iniciativa privada e do poder público, a regularização fundiária pode ser um excelente meio de segurança da posse do povo pobre carente de moradia digna, mas também uma forma de usá-lo como pretexto legitimante de outros interesses capazes de facilitar o acesso do capital e do mercado às áreas que cobiçam.
Um exemplo dessa última hipótese pode ser encontrado na Lei 13.465/2017, que praticamente redesenhou grande parte do ordenamento jurídico brasileiro, arriscando até cobrir de aparência legal históricas usurpações de terra promovidas no passado por pessoas e empresas dedicadas a exploração da terra por meio do agronegócio, particularmente o exportador, e da mineração sobre florestas, fauna, flora, áreas indígenas e quilombolas.
Em estudo sobre a regularização fundiária, justamente, Betânia de Moraes Alfonsin [13] demonstra, na coletânea de estudos organizada por Nelson Saule Junior Direito à cidade. Trilhas legais para o direito às cidades sustentáveis (São Paulo: Max Limonad, 1999), existir um problema ético de base nesse tipo jurídico de intervenção sobre terra, que não é de regra valorizado como deveria. Lembrando John O’Neill, no que esse valoriza de universalidade dos princípios éticos, refere a atual diretora-geral do IBDU (Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico) o seguinte:
“Se, eticamente todos devem merecer igual respeito, há legitimidade para que além da armadilha relativista pós-moderna (que torna o conceito de justiça social bastante escorregadio), os planejadores urbanos possam propor soluções – políticas e práticas públicas – que resgatem, ou procurem garantir, oportunidades idênticas de acesso à cidade para todos os cidadãos”. [...] “Parece não haver dúvida que a cidade de segregação sócio-espacial e da exclusão territorial não é uma cidade sustentável: os direitos humanos fundamentais da população de baixa renda que vive nas favelas são desrespeitados, a qualidade de vida é mínima e não há menor garantia de que as necessidades essenciais das futuras gerações serão atendidas na continuidade desse modelo capitalista predatório da cidade”.
Ora, se o artigo 6º da Constituição Federal reconheceu o direito à moradia como direito humano fundamental social, ele integra o elenco das chamadas cláusulas pétreas da nossa Constituição, mas, dessa imagem de firmeza perpétua, ele não tem recebido de intérpretes e aplicadoras/es de lei, poucas exceções restando, o reconhecimento a ela devido nem, quando menos, por respeito às gerações futuras.
IHU On-Line – De que maneira a urbanização pode contribuir na redução das desigualdades?
Jacques Alfonsin – Aumentando, estimulando, empoderando, fornecendo bases concretas para uma convivência harmônica como a que se pretenda que exista dentro de qualquer casa, moradia, cidade, por mais utópica e repetitiva que possa parecer tal meta.
O alcance de uma convivência nesse grau, por óbvio, precisa conhecer bem, tomar partido e combater com muito denodo as causas dos males que afligem atualmente as cidades, aí figurando como principal alvo, é evidente, o poder econômico do capital globalizado e financeiro, indiferente aos seus efeitos sociais sobre terra e gente com direito de acesso a ela. Esse até esconde a desigualdade. O enfrentamento, então, das imposições verticais da globalização denunciada por Milton Santos pressupõe uma unidade política entre as organizações populares que defendem os direitos humanos fundamentais sociais, especialmente aquele das moradias nas cidades, que ainda se encontra muito longe de alcançar um grau de conscientização coletiva. Que guardem autonomia relativamente ao verdadeiro aparelhamento do qual são vítimas tem de ser remédio fortificante ao seu alcance todos os dias. Que esqueçam a mais autêntica finalidade do verdadeiro poder que outra não é a do serviço em função do qual se legitimam, e não a da dominação, é doença praticamente incurável.
O meio urbano, sabidamente, é um espaço disputado por forças políticas e ideológicas da mais diversa ordem, para identificação das quais o discernimento identificativo das suas intenções e ações exige juízo estratégico e tático imune às segundas intenções, do tipo ideologicamente racista, de gênero, partidário, religioso. Por mais utópica que seja essa meta, a sua busca sempre perderá poder em ser alcançada na medida em que esquece a necessidade de não se deixar manipular.
IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?
Jacques Alfonsin – Sim, o quanto a elaboração, a interpretação e a aplicação das leis relativas à terra, seja ela urbana ou rural, perdem pela arrogância com que se investem em sentido contrário à interdisciplinaridade indispensável a qualquer intervenção humana sobre um bem dessa natureza e importância. As três Constituições latino-americanas deste século, da Bolívia, do Equador e da Venezuela, ridicularizadas como “bolivarianas”, por juristas fiéis à tradição jurídica colonialista europeia, pelo menos fazem o que podem para retirar da terra o jugo de ser tratada como simples mercadoria, assim emancipando-a do domínio exclusivo do capital e do mercado.
Fazem-nos de modo inculturado, interdisciplinar, respeitando etnias, costumes, não impondo uma igualdade contrária às próprias heranças culturais dos povos. No caso da Bolívia, por exemplo, a terra é identificada como sujeito de direito (!), pelo respeito com o qual a população indígena a reconhece, assim inspirando a Constituição, afetiva e juridicamente, contemplando-a como mãe (pacha mama).
Isso não passa de uma previsão piegas, meramente formal, sem maior consequência, incapaz também ela de enfrentar poderes econômicos superiores aos seus? – pode até ser, mas se for comparada, pelo menos na letra, com a Constituição Brasileira, a boa mãe parece incorporar valores bem superiores ao que a nossa diz sobre política urbana (artigos 182 e 183), política agrícola, fundiária e de reforma agrária (artigos 184 a 191), meio ambiente (artigo 225).
Uma boa mãe não discrimina filhas/os por sua renda, qualidades ou até defeitos. Desde o parto, ela serve até de modelo para a geração de vida e vida condizente com a dignidade a que nenhum ser humano deveria ser negada. Como alguém já afirmou de forma lapidar, ela serve de exemplo até para toda a humanização motivadora das perguntas que me foram formuladas: “Toda a mudança político-social, como o parto da mulher grávida, passa pelo sangue”.
Se é um ato de amor que possibilita esse parto, não se pode atribuir somente à violência das revoluções o jorrar desse sangue. Ele pode estar circulando agora na indignação ética, no coração de quem lê esta entrevista e está motivada/o a unir-se e empoderar aquele imenso contingente humano disposto a provar que, apesar das aparências, a injustiça social não é invencível.
Notas:
[1] Le Corbusier (1887-1965): pseudônimo de Charles-Edouard Jeanneret-Gris, foi um arquiteto, urbanista, escultor e pintor de origem suíça e naturalizado francês em 1930. É considerado um dos mais importantes arquitetos do século 20, ao lado de Frank Lloyd Wright, Alvar Aalto, Mies van der Rohe e Oscar Niemeyer. Parte de sua notoriedade decorre do fato de ter criado o conceito da Unité d'Habitation, sobre o qual começou a trabalhar na década de 1920. Aos 29 anos mudou-se para Paris, onde adotou o seu pseudônimo, que foi buscar ao nome do seu avô materno, originário da região de Albi. A sua figura era marcada pelos seus óculos redondos de aros escuros. A importância de Le Corbusier advém, em grande parte, do seu enorme poder de síntese. Nas viagens que fez a várias partes do mundo, contatou com estilos diversos, de épocas diversas. De todas estas influências, captou aquilo que considerava essencial e intemporal, reconhecendo em especial os valores da arquitetura clássica grega, como da Acrópole de Atenas. Le Corbusier lançou, em seu livro Vers une architecture (Por uma arquitetura, na tradução em português), as bases do movimento moderno de características funcionalistas. A pesquisa que realizou envolvendo uma nova forma de enxergar a forma arquitetônica baseado nas necessidades humanas revolucionou (juntamente com a Bauhaus, na Alemanha) a cultura arquitetônica do mundo inteiro. A sua influência estendeu-se principalmente ao urbanismo. Foi um dos primeiros a compreender as transformações que o automóvel exigiria no planejamento urbano. A cidade do futuro, na sua perspectiva, deveria consistir em grandes blocos de apartamentos assentes em pilotis, deixando o terreno fluir debaixo da construção, o que formaria algo semelhante a parques de estacionamento. (Nota da IHU On-Line)
[2] Ermínia Maricato: professora universitária, pesquisadora acadêmica e ativista política. Ocupou cargos públicos na prefeitura de São Paulo, onde foi secretária de Habitação e Desenvolvimento Urbano (1989-1992), e no governo federal, onde foi secretária executiva do Ministério das Cidades (2003-2005) cuja proposta de criação se deu sob sua coordenação. Professora aposentada da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo - USP, onde defendeu mestrado, doutorado, livre docência e aprovada em concurso para professora titular. Fundadora do LABHAB – Laboratório de Habitação e Assentamentos Humanos da FAUUSP (1997); coordenadora do curso de Pós-Graduação da FAUUSP (1998-2002) e integrante do Conselho de Pesquisa da USP (2007). Professora visitante do Human Settlements Centre da University of British Columbia, Canadá (2002), e da School of Architecture and Urban Planning of Witwatersrand – Johannesburg/South Africa (2006). Como ativista política foi escolhida para defender a proposta de Reforma Urbana de iniciativa popular junto à Assembleia Constituinte do Brasil (1988). Atualmente é professora visitante do Instituto de Economia da Unicamp e professora colaboradora do curso de Pós-Graduação da FAUUSP, além de participar de corpos editoriais. (Nota da IHU On-Line)
[3] Walter Benjamin (1892-1940): filósofo alemão. Foi refugiado judeu e, diante da perspectiva de ser capturado pelos nazistas, preferiu o suicídio. Associado à Escola de Frankfurt e à Teoria Crítica, foi fortemente inspirado tanto por autores marxistas, como Bertolt Brecht, como pelo místico judaico Gershom Scholem. Conhecedor profundo da língua e cultura francesas, traduziu para o alemão importantes obras como Quadros parisienses, de Charles Baudelaire, e Em busca do tempo perdido, de Marcel Proust. O seu trabalho, combinando ideias aparentemente antagônicas do idealismo alemão, do materialismo dialético e do misticismo judaico, constitui um contributo original para a teoria estética. Entre as suas obras mais conhecidas, estão A obra de arte na era da sua reprodutibilidade técnica (1936), Teses sobre o conceito de história (1940) e a monumental e inacabada Paris, capital do século XIX, enquanto A tarefa do tradutor constitui referência incontornável dos estudos literários. Sobre Benjamin, confira a entrevista Walter Benjamin e o império do instante, concedida pelo filósofo espanhol José Antonio Zamora à IHU On-Line nº 313. (Nota da IHU On-Line)
[4] Raquel Rolnik (1956): nascida em São Paulo, é urbanista e professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo - USP. Graduada e mestra em Arquitetura e Urbanismo pela USP, doutora pela School Of Arts And Science History Department – New York University, livre docente pela USP. É professora associada da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP. Foi diretora de Planejamento da cidade de São Paulo durante a gestão de Luiza Erundina (1989-1992) e secretária nacional de Programas Urbanos do Ministério das Cidades de Lula (2003-2007). Por seis anos, até 2014, foi relatora especial da ONU para o Direito à Moradia Adequada. É autora dos livros Guerra dos lugares: a colonização da terra e da moradia na era das finanças (2015), O que é Cidade (2004), São Paulo – Coleção Folha Explica (2001) e A Cidade e a Lei – legislação, política urbana e territórios na cidade de São Paulo” (1997). Autora de muitos artigos e publicações sobre a questão urbana. Mantém o Blog da Raquel Rolnik, onde escreve sobre questões urbanas. (Nota da IHU On-Line)
[5] Norberto Bobbio (1910-2004): filósofo e senador vitalício italiano. Considerado um dos grandes intelectuais italianos, Bobbio era doutor em Filosofia e Direito pela Universidade de Turim, fez parte do grupo antifascista Giustizia e Liberta (Justiça e Liberdade). Adepto do socialismo liberal, Bobbio foi preso durante uma semana, em 1935, pelo regime fascista de Benito Mussolini. Em 1994, assumiu publicamente uma posição contra as políticas defendidas por Silvio Berlusconi, que representava o centro-direita nas eleições gerais. Nesta altura, escreveu um dos seus ensaios mais conhecidos, Direita e Esquerda, no qual se pronunciou contra a "nova direita". Bobbio recebeu o doutoramento Honoris Causa pelas universidades de Paris, de Buenos Aires, de Madrid, de Bolonha e de Chambéry (France). Autor de livros de impacto, como Direita e Esquerda (São Paulo: Unesp, 2001), tinha como principais matrizes de sua obra a discussão da guerra e da paz, os direitos humanos e a democracia. Escreveu ainda Teoria Geral da Política (Rio de Janeiro: Campus, 1999); Diálogo em Torno da República (Rio de Janeiro: Campus, 2001); Entre Duas Repúblicas (Brasília: Ed. UnB, 2001); Elogio da Serenidade (São Paulo: Ed. Unesp, 2002); O Filósofo e a Política (Rio de Janeiro: Contraponto, 2003). Em virtude se seu falecimento, aos 94 anos, a edição 89 da IHU On-Line, de 12-1-2004, apresentou a biografia de Norberto Bobbio. (Nota da IHU On-Line)
[6] Franz Hinkelammert (1931): economista, influenciado pelo marxista luterano Helmut Gollwitzer, obteve doutorado em Economia pela Universidade Livre de Berlim. Entre 1963 e 1973, foi professor da Universidade Católica do Chile e integrante do CEREN. Entre 1973 e 1976, foi professor da Universidade Livre de Berlim. Entre 1978 e 1982, foi diretor do curso de Pós-Graduação em Política Econômica da Universidade Autônoma de Honduras e professor e investigador do Conselho Superior Universitário Centroamericano (CSUCA). Foi fundador, diretor e docente do Departamento Ecumênico de Investigações (DEI), em San José (Costa Rica). Como economista, tinha especial interesse pela ideologia da economia. Começou a se interessar por sociologia por meio da leitura de textos de Max Weber e de Karl Marx, e por teologia, por meio da leitura de textos de Helmut Golwitzer. Em 1963, Himkelammert chegou ao Chile, convidado pela Fundação Adenauer. Na época, era ligada à democracia cristã, que na época contava com correntes reformistas no Chile. Ministrou cursos sobre utopia, projetos de transformação, teorias de desenvolvimento, teoria da dependência e outros temas afins na universidade e em movimentos sociais. Nesse processo rompeu com a democracia cristã e com a Fundação Adenauer. (Nota da IHU On-Line)
[7] Lei Federal Nº 13.465: de 11 de julho de 2017, dispõe sobre a regularização fundiária rural e urbana, sobre a liquidação de créditos concedidos aos assentados da reforma agrária e sobre a regularização fundiária no âmbito da Amazônia Legal; institui mecanismos para aprimorar a eficiência dos procedimentos de alienação de imóveis da União. (Nota da IHU On-Line)
[8] Medida Provisória N° 759: de 2016, dispõe sobre a regularização fundiária rural e urbana, sobre a liquidação de créditos concedidos aos assentados da reforma agrária e sobre a regularização fundiária no âmbito da Amazônia Legal, institui mecanismos para aprimorar a eficiência dos procedimentos de alienação de imóveis da União. (Nota da IHU On-Line)
[9] Cristovam Buarque (1944): nascido em Recife, é engenheiro mecânico, economista, educador, professor universitário e político. Filiado ao Partido Popular Socialista (PPS). É o criador da Bolsa-Escola, que foi implantada pela primeira vez em seu governo no Distrito Federal. Foi reitor da Universidade de Brasília - UnB de 1985 a 1989. Governador do Distrito Federal de 1995 a 1998. Elegeu-se senador pelo Distrito Federal em 2002. Foi ministro da Educação entre 2003 e 2004, no primeiro mandato de Lula. Reelegeu-se em 2010 para o Senado, com mandato até 2018. (Nota da IHU On-Line)
[10] Henri Lefebvre (1901-1991): filósofo marxista e sociólogo francês. Estudou filosofia na Universidade de Paris, onde se graduou em 1920. (Nota da IHU On-Line)
[11] Milton Santos (1926-2001): geógrafo brasileiro, foi um dos pensadores de nosso país mais respeitados em sua área. Em 1994, ele recebeu o Prêmio Internacional de Geografia Vautrin Lud, na França, uma espécie de Nobel da Geografia. Santos exerceu boa parte da carreira acadêmica no exterior (França, Canadá, EUA, Peru, Venezuela etc.). Foi professor emérito da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, tendo falecido em 2001. Santos publicou mais de 40 livros e 300 artigos em revistas especializadas. A Editora Unesp publicou o livro Milton Santos: Testamento Intelectual (São Paulo: Editora Unesp, 2004), resultado de entrevista concedida ao autor Jesus de Paula Assis, com a colaboração de Maria Encarnação Beltrão Sposito. (Nota da IHU On-Line)
[12] José Comblin (1923-2011): nascido em Bruxelas (Bélgica), foi sacerdote, missionário e teólogo da Teologia da Libertação. Teve mais de 50 obras publicadas e traduzidas em vários idiomas. Suas principais contribuições foram na teologia do desenvolvimento, na teologia da cidade, na teologia da prática revolucionária, na teologia dos direitos humanos e na teologia da libertação. Também merecem destaque suas análises sobre a ideologia da Segurança Nacional dos regimes militares latino-americanos na década de 1970 e sobre o neoliberalismo. Motivado pelo papa Pio XII, que no documento Fidei Donum (O Dom da Fé) pedia missionários voluntários para regiões com falta de sacerdotes, como países da África e da América Latina, solicitou seu envio para a América Latina. Foi encaminhado para Campinas, onde o bispo desejava sacerdotes doutores para contribuir na formação de seu clero. Chegou ao Brasil em 30 de junho de 1958. Entre 1958 e 1962, lecionou no seminário diocesano e na Universidade Católica de Campinas. Além disso, foi convidado para ser assistente diocesano da Juventude Operária Católica (JOC). Entre 1959 e 1962, também ensinou no Studium Theologicum dos Dominicanos em São Paulo, onde teve como alunos Ivone Gebara, Frei Betto e Frei Tito. Entre 1962 e 1965, lecionou na Faculdade de Teologia da Universidade Católica de Santiago (Chile). Entre 1965 e 1968, convidado por Dom Hélder Câmara, foi professor no Seminário regional do Nordeste em Camaragibe e professor no Instituto de Teologia do Recife. Entre 1968 e 1972, foi professor de teologia no IPLA (Quito, Equador). Até 1985, passava duas quinzenas por ano em Riobamba e continuou frequentando a diocese até a morte de Dom Leônidas Proaño, em 1988. Entre 1971 e 1988, foi professor de teologia pastoral na Faculdade de Teologia da Universidade Católica de Lovaina. Suas ideias o colocaram sob suspeita do regime militar no Brasil. Foi detido, ao desembarcar no aeroporto de volta de uma viagem à Europa, e deportado em 24 de março de 1972. Exilou-se no Chile durante oito anos, onde, em 1979, esteve à frente da criação de um Seminário Rural, em Alto de Las Cruces (Talca), que fomentava a formação ao sacerdócio de jovens do meio rural respeitando a sua cultura camponesa. Em 1973, quando ocorreu o golpe militar no Chile, afastou-se do ensino para evitar chamar a atenção. Em seu livro A Ideologia da Segurança Nacional, publicado em 1977, destrinchou a doutrina que servia de base para os regimes militares na América Latina. Em 1980, foi expulso pelo ditador Augusto Pinochet e conseguiu retornar ao Brasil, com visto de turista, circunstância que exigia renovação a cada três meses, o que o obrigou a sair do país a cada três meses durante seis anos, para renovar o visto, até que em 1986 foi anistiado e recebeu novamente o visto permanente. Em 1995 passou a viver na Casa de Retiros São José, em Bayeux, no estado da Paraíba, onde atuou na formação de lideranças populares e assessoria teológica. Os dois últimos anos de vida foram vividos na Diocese de Barra, na Bahia. Faleceu no dia 27 de março de 2011, no Recanto da Transfiguração, em Simões Filho, próximo a Salvador, para onde foi em tratamento de saúde, quando sofreu um ataque cardíaco. (Nota da IHU On-Line)
[13] Betânia de Moraes Alfonsin: graduada em Ciências Jurídicas e Sociais e mestra em Planejamento Urbano e Regional pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS e doutora em Planejamento Urbano e Regional pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ. É professora da Faculdade de Direito e do Mestrado em Direito da Fundação Escola Superior do Ministério Público do Rio Grande do Sul e da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Coordenadora e professora de Educação a Distância no Curso Fundamentos Jurídicos das Políticas de Solo, vinculado ao Programa para America Latina y el Caribe do Lincoln Institute of Land Policy (EUA). Ocupa desde 2013 o cargo de vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico (IBDU), cargo para o qual foi reeleita em 2015. (Nota da IHU On-Line)
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Apesar das aparências, a injustiça social não é invencível. Entrevista especial com Jacques Alfonsin - Instituto Humanitas Unisinos - IHU