19 Junho 2015
“Os bairros periféricos acabam sendo uma nova fronteira da expansão da malha urbana no Rio de Janeiro”, adverte o arquiteto.
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Autor do livro SMH 2016: remoções no Rio de Janeiro Olímpico, o arquiteto explica que embora nos últimos anos as remoções estejam associadas aos megaeventos, como a Copa do Mundo e as Olímpiadas, “elas são recorrentes na história do Rio de Janeiro e sempre foram movidas pela especulação imobiliária, tanto na retirada quanto na colocação dos novos conjuntos habitacionais”.
De acordo com Faulhaber, em 1902, na gestão do então prefeito do Rio de Janeiro, Francisco Pereira Passos, “começou o processo de retirada das famílias que viviam em cortiços, sempre com o discurso higienista de que esses lugares eram insalubres, indignos, e por conta dessa política foram ocupadas as primeiras favelas, os primeiros morros. Então, claramente, naquela época as remoções feitas tinham a intenção de limpar aquela área da cidade para apropriação capitalista na região central”.
Na década de 1960, esclarece, as políticas de remoções das famílias continuaram durante o governo de Carlos Lacerda, mas dessa vez, pontua, “os grandes alvos foram as favelas da Zona Sul em torno da Lagoa Rodrigo de Freitas, da Praia do Pinto, na Catacumba, no Machado Sobrinho. Essas favelas foram retiradas integralmente e as famílias foram realocadas na periferia, que era a Cidade de Deus, a Vila Kennedy, que com o tempo acabaram virando favelas. E hoje em dia volta esse processo de retirada das favelas de áreas mais valorizadas e com potencial de valorização, especialmente no entorno da Grande Tijuca”.
Recentemente, o arquiteto fez um mapeamento das remoções ocorridas no Rio de Janeiro entre 2009 e 2013, o qual indica que “as famílias que saem dessas áreas centrais e mais valorizadas da cidade foram parar em condomínios do Programa Minha Casa Minha Vida na extrema periferia”, sem acesso à infraestrutura básica, como saneamento e transporte. Crítico dos programas habitacionais promovidos pelo Estado, Faulhaber sugere que as favelas cariocas sejam urbanizadas de modo que as pessoas possam permanecer ali, mantendo suas relações sociais e históricas. Nos casos em que remoções sejam necessárias, enfatiza, “temos de lembrar que existem áreas centrais, inclusive com terrenos públicos no Rio de Janeiro, principalmente na região do porto — mais de 70% da região portuária são terras públicas, principalmente da União —, para as quais as famílias podem ser realocadas”.
Lucas Faulhaber é formado em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal Fluminense – UFF.
Confira a entrevista.
IHU On-Line - Quais as causas das remoções que estão ocorrendo no Rio de Janeiro?
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Lucas Faulhaber - Ultimamente vários movimentos sociais têm denunciado como as remoções têm crescido nesses últimos anos. Costuma-se dizer que os megaeventos, a Copa e as Olímpiadas são a grande razão disso tudo. Contudo, esses megaeventos são muito mais um discurso que o poder público usou até determinado momento para legitimar essas remoções, mas as remoções sempre foram recorrentes na história do Rio de Janeiro e sempre foram movidas pela especulação imobiliária, tanto na retirada quanto na colocação dos novos conjuntos habitacionais. Esse processo de remoções tem aumentado nos últimos anos, mas ele está vinculado à especulação imobiliária.
IHU On-Line – Na sua pesquisa, você faz uma comparação entre as gestões de Eduardo Paes e as de Pereira Passos e Carlos Lacerda. Em que aspectos elas se aproximam em relação às remoções que foram feitas no Rio de Janeiro ao longo dos anos?
Lucas Faulhaber – Comparei as gestões do prefeito Eduardo Paes com a do Lacerda, que foi governador de 1960 a 1965, e a do Pereira Passos, que foi prefeito de 1902 a 1906, porque foram gestões marcadas por remoções. À época da gestão de Pereira Passos, no começo do século XX, a cidade era bem menor, claro, mas foi a partir da gestão dele que começou o processo de retirada das famílias que viviam em cortiços, sempre com o discurso higienista de que esses lugares eram insalubres, indignos, e por conta dessa política foram ocupadas as primeiras favelas, os primeiros morros. Então, claramente, naquela época as remoções feitas tinham a intenção de limpar aquela área da cidade para apropriação capitalista na região central.
Na época do governo Lacerda, os grandes alvos foram as favelas da Zona Sul em torno da Lagoa Rodrigo de Freitas, da Praia do Pinto, na Catacumba, no Machado Sobrinho. Essas favelas foram retiradas integralmente e as famílias foram realocadas na periferia, que era a Cidade de Deus, a Vila Kennedy, que com o tempo acabaram virando favelas. E hoje em dia volta esse processo de retirada das favelas de áreas mais valorizadas e com potencial de valorização, especialmente no entorno da Barra da Tijuca.
"A favela não é um problema; é uma realidade das cidades brasileiras" |
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IHU On-Line - Em que consiste o seu mapeamento das remoções feitas no Rio de Janeiro de 2009 a 2013? Para que regiões da cidade essas pessoas foram realocadas? Qual a característica desses espaços?
Lucas Faulhaber – O mapeamento mostra que as famílias que saem dessas áreas centrais e mais valorizadas da cidade foram parar em condomínios do Programa Minha Casa Minha Vida na extrema periferia, ou seja, os bairros periféricos acabam sendo uma nova fronteira da expansão da malha urbana no Rio de Janeiro. Esses novos condomínios são instalados em áreas que não têm infraestrutura nenhuma, nem água, nem esgoto, nem transporte, e no momento em que são instalados — com o grande aval do poder público — é necessário levar infraestrutura para lá.
Então, essas áreas onde os terrenos eram subvalorizados e não tinham grande valor, passam a ser valorizadas no momento em que é levada a infraestrutura. O problema é que esses territórios estão em áreas que fazem parte do banco de terras das companhias e das imobiliárias. Ou seja, companhias e imobiliárias ganham muito dinheiro com as construções desses novos condomínios, em áreas onde além de não haver infraestrutura, não há lazer, educação, saúde. Essa é a nova cidade que está sendo produzida.
IHU On-Line - Por que afirma que o Programa Minha Casa Minha Vida se tornou, no Rio de Janeiro, um instrumento de segregação espacial? O que seria uma alternativa a esses conjuntos habitacionais?
Lucas Faulhaber – Creio que não é um caso somente do Rio de Janeiro, porque em geral o Minha Casa Minha Vida no Brasil está sendo usado para esse fim. Não é só no Rio de Janeiro que o Programa é produzido na extrema periferia. De modo geral, o Programa oferece casas muito pontuais de produção habitacional para baixa renda em áreas bem estruturadas e centrais.
Para pensar propostas alternativas, primeiro é preciso pensar sobre a necessidade ou não das remoções, pensar sobre a possibilidade de urbanização dessas favelas, de levar saneamento para que as pessoas mantenham em seus territórios todas as relações sociais e familiares que foram historicamente construídas. Portanto, em primeiro lugar é importante ver a possibilidade da não remoção. Nos casos em que a remoção é imprescindível, por indulto, por uma situação pontual de risco, temos de lembrar que existem áreas centrais, inclusive com terrenos públicos no Rio de Janeiro, principalmente na região do porto — mais de 70% da região portuária são terras públicas, principalmente da União —, para as quais as famílias podem ser realocadas. Só que ao invés de proporcionar habitação de interesse social com essa quantidade de terras, preferiram entregá-las às empreiteiras e às corporações para fazer um “Porto Maravilha”. Portanto, reduzir o déficit habitacional é uma escolha política e econômica.
IHU On-Line - Como a questão das favelas deve ser tratada, especialmente no que se refere à questão habitacional? Em que consistiria uma reestruturação urbanística das favelas?
Lucas Faulhaber – A favela não é um problema; é uma realidade das cidades brasileiras. Na verdade, é a realidade de um país periférico nesse sistema capitalista. É importante entender essa realidade ao invés de trabalhar com ela simplesmente com a intenção de excluí-la ou eliminá-la. É preciso entender que aquele trabalhador que mora na favela empreendeu todo seu esforço e trabalho para a construção daquele território. Ao invés de ignorar isso, o Estado deveria reconhecer todo esse esforço do trabalhador no sentido de que os moradores da favela foram capazes, ao contrário de toda a classe média e da elite, de produzir essa moradia. Então, reconhecendo a história e o esforço da população que vive na favela, é importante que o Estado garanta maiores condições de habitabilidade. O Rio de Janeiro poderia inaugurar um pioneirismo em relação à urbanização das favelas. Começaram a trabalhar essa questão da urbanização, mas o trabalho foi substituído pela política de remoção. Mas existem exemplos muito interessantes para retomarmos.
IHU On-Line – Quais, por exemplo?
Lucas Faulhaber – As obras de urbanização, como foi o Programa Favela-Bairro na década de 1990, e o programa Morar Carioca, que tinha o objetivo de urbanização das favelas, mas que não foi levado adiante.
IHU On-Line - Como avalia o planejamento urbanístico de uma cidade como a do Rio de Janeiro?
Lucas Faulhaber – A cidade tem planejamento, tem uma ordem; não é desordenada. Mas tem a ordem da segregação. Ela foi historicamente construída para dividir. Como mencionei antes, no período do governo Pereira Passos, o surgimento das favelas foi fruto de um planejamento urbano, com a retirada dos cortiços e a criação das favelas. Por isso, não creio que existe uma desordem ou uma falta de planejamento. A cidade que vivemos hoje é a cidade planejada pelo capital.
IHU On-Line - Em que consistiria uma reorganização adequada do espaço urbano?
Lucas Faulhaber – No sentido de que a cidade seja um espaço em que todos os cidadãos tenham direitos à moradia, ao lazer, à educação, ao transporte, à mobilidade e que isso tudo fosse plenamente acessível a todos, que as pessoas não fossem excluídas para territórios onde não se tem esse tipo de serviço.
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"A cidade tem planejamento, tem uma ordem; não é desordenada. Mas tem a ordem da segregação" |
IHU On-Line - Na sua pesquisa há um levantamento de quantas pessoas foram removidas no período de 2009 a 2013? Como as pessoas reagem a esse processo de remoção?
Lucas Faulhaber – Foram em torno de 70 mil pessoas, mais ou menos 20 mil famílias removidas nesse período. Percebo que, principalmente após as manifestações de 2013 e com a queda da popularidade do prefeito, das Olimpíadas e da Copa do Mundo, as famílias começaram a ver que a prefeitura não pode retirar a casa delas e a situação pode ficar por isso mesmo. Essas pessoas começaram a contestar um pouco mais. Agora vemos algumas comunidades investindo com muito mais força do que alguns anos atrás, tentando, inclusive, ter um pouco mais de visibilidade.
Existe um acordo entre a grande mídia e a prefeitura do Rio de Janeiro, porque esses processos de remoções não têm repercussão na mídia. Ao contrário, o principal jornal da cidade tende muito mais a instigar o senso comum acerca da necessidade das remoções. O Globo continua com aquele discurso da favela como o espaço da falta de dignidade, o espaço da violência, afirmando que esses espaços deveriam acabar. É muito difícil, é uma luta muito difícil de ser travada.
IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?
Lucas Faulhaber – A resistência, por mais que seja invisibilizada, existe. Estou acompanhando as reuniões de Curicica e da Vila Autódromo, que são duas comunidades próximas à região do Parque Olímpico e da Transolímpica. Os moradores dessas comunidades estão muito organizados para impedir esse tipo de iniciativa da prefeitura, mas eles não têm grande visibilidade, porque os interesses em torno daquela área são enormes. Costuma-se dizer, inclusive, o seguinte: “Ah, nem sabia que a Vila Autódromo ainda está lá, achei que já havia acabado”. Mas é importante sempre informar: “Sim, eles estão lá e estão resistindo”.
Por Patrícia Fachin
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Rio de Janeiro: uma cidade ordenada pela segregação. Entrevista especial com Lucas Faulhaber - Instituto Humanitas Unisinos - IHU