03 Fevereiro 2011
Ideia que começou em 2003 no governo Lula, o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES-RS) é formado por 80 representantes da sociedade civil e foi apresentado pelo governador do RS, Tarso Genro, na última semana. “É uma tentativa promissora, tomada pelo novo governo do estado, de se estimular a chamada democracia participativa”, explica um dos representantes, o advogado Jacques Alfonsin. Parceiro da IHU On-Line, Jacques concedeu a entrevista a seguir por email e nela analisou a formação do Conselhão, como também é conhecido, e como este grupo vai trabalhar. “A imagem que, talvez, reflita melhor a função do conselho é a de uma ponte que, junto à sociedade civil, leva ao conhecimento do governo do estado os problemas e as reivindicações do povo que a compõe”, afirma.
Jacques Távora Alfonsin é advogado do MST e procurador aposentado do estado do Rio Grande do Sul. É mestre em Direito, pela Unisinos, onde também foi professor. É membro da ONG Acesso, Cidadania e Direitos Humanos e publica, periodicamente, seus artigos nas Notícias do Dia na página do IHU.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – O que é este conselho formado pelo governador Tarso Genro?
Jacques Alfonsin – É uma tentativa promissora, tomada pelo novo governo do estado, agora já transformada em lei (13.656 de 07/01/22011) de se estimular a chamada democracia participativa. Porém, não apenas como uma hipótese teórica em relação a qual pouca ou nenhuma oposição existe, mas também como garantia de empoderamento dessas novas formas de efetivo exercício da cidadania, atentas a direitos sociais e culturais do povo. Que esse titular da soberania, junto a essa reunião de pessoas que integram o conselho, sinta-se legitimado a fazer parte do governo do estado, assessorando, questionando, apoiando, contestando, conforme o caso, as iniciativas que a administração pública tomar ou deixar de tomar, atenta à mesma soberania.
IHU On-Line – Qual a função desse conselho?
Jacques Alfonsin – A imagem que, talvez, reflita melhor a função do conselho é a de uma ponte que, junto à sociedade civil, leva ao conhecimento do governo do estado os problemas e as reivindicações do povo que a compõe. Na assessoria do governo, acompanha as providências tomadas para a solução deles e delas, recebe suas consultas, sobre as alternativas que se abram ao serviço que ele presta, define diretrizes, propõe medidas, avalia resultados, estuda e propõe parcerias, entre outras incumbências que lhe outorga o segundo artigo dessa lei que o instituiu.
IHU On-Line – Como os membros do conselho foram escolhidos?
Jacques Alfonsin – Isso eu não sei, mas, pela nominata já conhecida do público, creio que pesou bastante o objetivo de garantir, aos debates que lá se realizarão e resoluções a serem por ele tomadas, uma forma de se franquear vez e voz a pessoas que estão presentes em segmentos diversos da população, desde os que sofrem necessidades sociais mais urgentes, até aqueles que têm melhores condições econômicas de satisfazê-las.
Pretendeu-se ampliar a liberdade de opinião das/os conselheiras/os, sem preferências ideológicas, classistas, religiosas, midiáticas, político-partidárias. Que tais preferências, todavia, vão aparecer no debate, isso é próprio da composição de qualquer coletivo democrático. O desafio do conselho será o de, justamente por isso, não esquecer suas finalidades, não se deixando tomar por nenhuma sectarização ou aparelhismo, muito atento ao respeito dos direitos que, porventura, corram o risco da serem ameaçados ou violados pelas decisões que ele tomar.
IHU On-Line – Temos uma presidente mulher, mas menos da metade deste conselho é formado por mulheres. Como o senhor vê isso?
Jacques Alfonsin – Peço desculpas por não ter observado essa falha. A eleição da presidente Dilma, a escolha que ela está fazendo de suas auxiliares diretas, aponta para a urgência exigida de nós, os homens, nos questionarmos sobre como traduzir a teoria do nosso discurso, que é aberto, de hábito, à participação e às lideranças femininas, com a prática daí decorrente. A lei 13656, felizmente, no seu art. 3º, parágrafo 2º, abriu ampla possibilidade para o conselho convidar quem bem entenda a participar das suas reuniões, o que me parece abrir oportunidade para que as suas deliberações não se façam sem uma composição que reflita mais adequadamente a presença e a opinião das mulheres gaúchas.
IHU On-Line – Como o senhor recebeu o convite para participar do conselho?
Jacques Alfonsin – Com muita surpresa. Vou tentar levar para os debates do conselho menos a minha experiência profissional de defesa dos direitos humanos – que talvez tenha influenciado na inclusão do meu nome em sua composição – e mais aquilo que eu e, certamente, o conselho todo irá buscar junto ao povo e ao governo, interessado numa forma muito mais horizontal do que vertical de exercício do poder, capaz de ser expressada do modo mais espontâneo possível, como queixa, reclamação, apoio, sugestão e crítica, tudo visando proposta de atendimento do que cabe e deve a administração pública fazer.
IHU On-Line – O conselho começa a trabalhar oficialmente em março. Alguma articulação já está sendo feita agora?
Jacques Alfonsin – Sim. Alguns conselheiros e conselheiras estão se reunindo, entre si e junto aos funcionários e funcionárias da Governadoria do estado, por um lado procurando conhecer a realidade de muitas demandas populares não atendidas no passado, mas reclamando solução urgente, e, por outro, tentando se familiarizar com a instrumentação legal e logística que a mesma Governadoria vai oferecer.
IHU On-Line – O próprio governador Tarso afirmou que "centenas de cidadãos gaúchos pediram para participar do conselho, mas não foram atendidos. Porém, poderão participar dos grupos temáticos". Como vão funcionar esses grupos temáticos?
Jacques Alfonsin – A mesma lei instituidora do conselho prevê que a ele cabe a aprovação de um regimento interno (art. 4º, parágrafo 1º, inc. I, e art. 8º), que regerá a sua forma de atuação. Aí, com toda a certeza, a competência e as atribuições que ela reconhece às “Câmaras Temáticas” no parágrafo 5º desse mesmo artigo 4º vão merecer a previsão de formas adequadas ao alcance dos objetivos do conselho. Três serviços, talvez, expressam melhor a importância dessa forma de ação, como a interpreto.
O primeiro é o da acessibilidade, ou seja, essas Câmeras vão estar abertas aos problemas que o povo vai trazer à consideração do Conselho ou aqueles sobre os quais o próprio Conselho, por iniciativa do Governo do Estado ou dele próprio, entender conveniente seja feita pesquisa, análise, estudo, proposta de solução. Penso que as Câmaras vão desenvolver aí uma atividade muito mais ético-política do que propriamente jurídica.
O segundo é o da responsabilidade, ou seja, elas deverão conhecer bem qual o segmento do Poder Público, seja secretaria ou outro, tem responsabilidade administrativa para dar resposta às demandas populares ou de governo que estejam submetidas ao conselho.
O terceiro é o de acompanhamento da execução de propostas pelo conselho encaminhadas e de avaliação dos resultados que as mesmas alcançarem, em obediência ao princípio constitucional da eficiência que se exige de todo o serviço público.
Como se observa, não é pouca coisa. O êxito dessa nova iniciativa, então, pode muito bem estar dependendo da consciência de dignidade humana e da sensibilidade social e cidadã de quem, aqui e agora, lê essa entrevista, sentindo-se participante de um trabalho coletivo, solidário e gratuito que, mesmo sob todas as limitações que qualquer trabalho humano revela, só reflete o bem comum na medida em que contribua para a transformação do nosso mundo em um mundo que, também, seja comum.
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Da sociedade para o governo: os caminhos do Conselhão do Tarso. Entrevista especial com Jacques Alfonsin - Instituto Humanitas Unisinos - IHU