17 Janeiro 2011
A criação do Conselho de desenvolvimento econômico e social (CDES) pelo novo governo gaúcho, é "uma iniciativa que abre alternativas promissoras de exercício do poder, avalizado por uma nota moral de difícil contestação: os integrantes do Conselho vão trabalhar de graça. E vão trabalhar se equilibrando sobre aquele mar de dúvidas levantadas acima, verdadeiras "situações-limites" para o povo, tendentes a desencorajar ou até ridicularizar as suas propostas", avalia Jacques Távora Alfonsin, recém nomeado para o Conselho.
Jacques Alfonsin, advogado do MST e procurador aposentado do Estado do Rio Grande do Sul, é mestre em Direito, pela Unisinos, onde também foi professor. É membro da ONG Acesso, Cidadania e Direitos Humanos.
Eis o artigo.
A criação do Conselho de desenvolvimento econômico e social (CDES), por iniciativa recente do governador Tarso Genro, transformada em lei pela nossa Assembléia Legislativa (13.656 de 07 deste janeiro de 2011), parece indicar a busca de uma nova forma ético-política de administração pública, na qual a cidadania encontre outras garantias de efetividade que não apenas as da democracia exclusivamente representativa.
Não é de hoje que a só repartição do Poder Público em três vetores de atividade sofre críticas relacionadas com a incapacidade desse modelo conseguir dar resposta eficaz e solução oportuna a questões cuja complexidade crescente implica problemas que vão desde a erradicação da pobreza até a preservação do meio-ambiente, para lembrar apenas dois dos mais preocupantes.
Quando escreveu sobre "Método e Constituição Dirigente", (disponível na internet e em obras jurídicas de doutrina) o então Ministro da Justiça, hoje governador, antecipou um diagnóstico sombrio sobre a capacidade jurídica de o nosso direito legislado e aplicado alcançar disciplina concreta sobre realidades em relação as quais, se não perdeu todo o controle, em boa parte não manda mais nada.
Entre essas ele mencionou fatores econômicos (globalização fundada na força supra jurídica do capital financeiro), políticos (desgaste da legitimidade de representação pela espetacularização midiática), sócio-ambientais (aumento das desigualdades e depredação ambiental natural), científicos (construção de uma racionalidade permissiva para uma revisão genético-técnica da humanidade).
A leitura da lei instituidora do novo Conselho autoriza concluir-se, por um lado, não serem estranhas à sua apreciação, questões dessa magnitude e relevância, considerando-se a própria denominação do novo colegiado como envolvendo tudo isso; por outro, a consciência de que, "analisar, debater e propor políticas públicas e diretrizes específicas, voltadas à promoção do desenvolvimento econômico e social do Estado do Rio Grande do Sul, com o objetivo de produzir indicações normativas, propostas políticas e acordos de procedimento" (...) são tarefas que já não comportam ser cumpridas exclusivamente pelo Executivo, mas sim, sob "articulação das relações de Governo com representantes da sociedade" (art. 1º da referida lei).
Como todo o Conselho, esse não foi criado nem vem para impor. Quem aconselha, como o próprio verbo reflete, não está armado de autoridade sancionatória. No caso do CDES, essa característica sugere a vivência de uma virtude rara, aquela que, antes de aconselhar, aceite humildemente ser aconselhada, pois é na ausência dessa virtude que muita autoridade persiste em errar, justamente por ser autoridade.
Seu dever principal, então, em obediência ao titular da soberania, geralmente tão distante das instâncias de poder, será o de ouvir, antes de qualquer palavra, em silêncio respeitoso como convém à gravidade própria do seu trabalho, a quantas/os do povo, hoje, na ordem econômica da nossa Constituição, pouco ou nada têm, na ordem política, pouco ou nada podem, na ordem social, em pouco ou nada se sentem gente, cidadãos do nosso Estado e do país.
Com a liberdade própria de um tal tipo de debate das questões afetas ao Conselho, talvez resida aí, na eleição de prioridades, feita depois desse diálogo, o critério capaz de marcar os acertos ou os desacertos das propostas emanadas do novo Conselho. A capilaridade que ele demonstrar no conhecimento de nossa realidade, as causas e os efeitos das suas disfunções sociais e econômicas, impeditivas de um desenvolvimento menos desigual em seus efeitos sobre o povo, as responsabilidades privadas e públicas daí decorrentes, os encargos a serem assumidos, em tudo isso a sua presença poderá pesar como decisiva.
Se os direitos humanos fundamentais sociais de muitas/os gaúchas/os e brasileiras/os, de outra parte, não alcançam garantia efetiva, isso comprova, no contexto previsto pelo governador, em seu artigo sobre a Constituição, que as três principais ordens da nossa Constituição Federal, a econômica do ter, a política do poder e a social do ser ainda não alcançaram efeito sobre grande parte da nossa população.
Ao lado dos fatores econômicos, políticos, sócio-ambientais e científicos por ele mencionados como inerentes às crises de vida e de direito atuais, poder-se-ia acrescentar, então, o fator ético, onde sempre se expressa melhor a sensibilidade social de um coletivo como o novo Conselho.
Se ele chegar ao ponto, por exemplo, de se questionar: de quantas/os pobres e miseráveis é composta a população do Estado do Rio Grande do Sul, onde elas/es se encontram e o que causou a situação sob a qual vivem, quais são suas principais necessidades, onde a organização popular necessita de maior apoio para reivindicar os seus direitos, por que os movimentos populares são criminalizados, que possibilidades o governo do Estado junto com o seu povo, têm de enfrentar e dar resposta satisfatória para tais problemas, os seus "conselhos" vão estar implicados em carências da mais variada condição humana. As do tipo saúde, educação, segurança, moradia, alimentação, emprego, entre outras, sem o atendimento das quais nenhum desenvolvimento econômico e social se legitima ou alcança reconhecimento como justo.
É dessas necessidades, cuja satisfação integra a própria dignidade das pessoas e fundamenta todos os direitos humanos, que a pauta de estudo, discussão e decisão propositiva, salvo melhor juízo, deve e pode se ocupar o Conselho. Haverá divergências graves entre as/os conselheiras/es? Sim. Vão ficar totalmente imunes aos interesses de classe, etnia, religião, partido, ideologia? Certamente não. A temperatura das discussões arrisca subir bastante? Claro. Algumas das suas propostas ficarão longe de obter consenso unânime? Sem dúvida. A própria lei preveniu tais fatos como se pode ver no parágrafo único do seu art. 2º.
Os riscos próprios da discussão democrática, todavia, pelo menos aquela despida do empenho de alcançar o poder pelo poder, tem aqui uma oportunidade rara de serem cobertos por um testemunho capaz de dar ao povo a garantia da conveniência do trabalho a ser executado pelo Conselho. Esse testemunho vai depender inteiramente do CDES e, no que diz respeito aos direitos humanos, confia-se em que, antes de partir do que já é - e o que já é não é bom pelo que se constata entre o povo - partir do que ainda não é, mas deve, precisa, é urgente e necessário ser, sem concessões à sloganização e ao populismo.
Trata-se, pois, de uma iniciativa que abre alternativas promissoras de exercício do poder, avalizado por uma nota moral de difícil contestação: os integrantes do Conselho vão trabalhar de graça. E vão trabalhar se equilibrando sobre aquele mar de dúvidas levantadas acima, verdadeiras "situações-limites" para o povo, tendentes a desencorajar ou até ridicularizar as suas propostas.
O perene Paulo Freire deu resposta para isso, de uma forma que, para os objetivos do Conselho, é de todo oportuna ser relembrada aqui:
"Nas situações-limites, mais além das quais se acha o "inédito-viável", às vezes perceptível, às vezes, não, se encontram razões de ser para ambas as posições: a esperançosa e a desesperançosa. Uma das tarefas do educador ou educadora progressista, através da análise política, séria e correta, é desvelar as possibilidades, não importam os obstáculos, para a esperança, sem a qual pouco podemos fazer porque dificilmente lutamos e quando lutamos, enquanto desesperançados ou desesperados, a nossa é uma luta suicida, é um corpo-a-corpo puramente vingativo." (Pedagogia da Esperança, São Paulo:Paz e Terra, 2008, p. 11)
Parafraseando o evangelho, então, parece que a resposta aos desafios a serem enfrentados pelo novo Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social não poderá ser dada colocando remendos de tecido novo em panos velhos, nem derramando vinho novo em barris velhos. No passado, comprovadamente, isso já não deu certo.
O "inédito-viável" do CDES esperado, não por ser novo será novidadeiro e não por ser original será pretensioso ou ufanista. O novo das suas propostas não será mais do que o reflexo da re-novação da esperança-semente do povo e o original delas, igualmente, expressará apenas a garantia de que a o impulso de poder dessa origem, sem o qual nem democracia existe, conquistará a justiça-fruto dos seus resultados.
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O Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social. Ao que vem, ao que deve e ao que pode. - Instituto Humanitas Unisinos - IHU