09 Outubro 2017
A recente pesquisa Datafolha indicando que 60% dos jovens votam em Bolsonaro é debatida nas redes sociais.
Reproduzimos algo do debate ocorrido no Facebook, neste final de semana.
Segundo o DataFolha divulgado esta semana, 60% dos eleitores que declararam a intenção de votar em Bolsonaro para presidente no ano que vem têm menos de 34 anos.
Isso deve levar à reflexão aqueles segmentos da esquerda que, a partir de 2013, têm tratado os jovens como "classe revolucionária".
Aliás, outro dado a ser registrado é que, desde que passou a ser permitido o voto para quem tem entre 16 e 18 anos, na década de 80, o número de inscritos dessa faixa etária para tirar o título eleitoral diminui a cada ano.
É demonstração de um crescente desinteresse pela política.
60% dos que apoiam o candidato fascista são jovens. O que está acontecendo? Eu tenho alguns palpites, uns mais casmurros, outros mais esperançosos:
a) a juventude é sempre do contra. Esses jovens viveram no clima majoritariamente progressista (nasceram para o mundo com Lula no poder) e veem no conservadorismo uma forma de protestar contra o sistema;
b) junte-se a isso a repaginada que o conservadorismo deu a si próprio, associando-se a gamers e metaleiros, contrapondo-se ao "politicamente correto" e com isso ganhando alguma aura paradoxalmente contracultural (isto é, o conservadorismo por ora ganhou a batalha estética);
c) a juventude é cheia de energia e vontade de mudar. O que a esquerda ou os progressistas em geral estão oferecendo em relação a isso? 2013 foi sufocado pela esquerda -- até hoje continuam tentando enterrar o acontecimento - e a partir daí quem ocupou as ruas mesmo?
d) o principal nome da esquerda (não meu, certamente) é o Lula. Dá pra olhar pra frente com isso?
e) os jovens são cheios de energia e potência. O discurso da culpa e da vitimização, assim como os inúmeros enquadramentos estereotipados, vai sendo descartado por figuras mais ambíguas, anti-heróis, capazes de ao mesmo tempo ser novidade e potência (Kim, Holiday) e embaralhar as cartas do tabuleiro identitário;
f) a mesma razão serve, para além do nível comportamental, para o nível do projeto de futuro, em que apenas o liberalismo apresenta uma visão transformadora do Brasil, enquanto a esquerda fica com a resistência;
g) é uma geração que vive enfurnada nas telas, na infosfera, e com isso passa por uma vigorosa corrosão da experiência corpórea. A memeficação da política facilita a adesão a fórmulas fáceis e populistas, uma vez que desfaz a complexidade do mundo, e quem soube ocupar esse espaço de youtubers primeiro foram os conservadores;
h) na mesma toada, os jovens perderam o contato com o atrito do real e não diferenciam mais o que é sério e o o que é brincadeira. Como disse o Cocco, é o fascio-fakismo. Eles realmente não acreditam que o palhaço seja homofóbico, violento ou machista -- tudo se perde na ambiguidade e indecidibilidade sobre o sentido verdadeiro ou falso do que é dito;
i) em síntese, um fenômeno mezzo político, substantivado no imenso vazio político e insatisfação geral cumulado com falta de alternativas de esquerda, e mezzo cultural-capilatístico, onde mescla um imenso déficit de atenção e outro imenso déficit de experiência (ambos causados pela intoxicação das redes a aceleração dos ritmos da vida).
PS: Já deixo o aviso que, se você não está interessado em compreender por que mais de 15 milhões de jovens apoiam um palhaço, não precisa ler isso.
A propósito ainda do post de ontem (veja acima), e pra trocar para assuntos melhores depois disso:
a) acho que candidatura fascista vai, sim, desinflar, e isso se deverá ao fato de que, como em todos os países no universo pós-Trump, estaremos levando a sério o risco. Por mais resiliente que seja, esse movimento não tem condições de resistir à pressão do establishment -- que já o abandonou. Posso até ser tachado de otimista, mas acredito que a eleição que virá será disputada entre Ciro, Alckmin e Marina, ou alguém mais que Lula indicar no lugar de Ciro (Lula será condenado pelo TRF e não vai poder concorrer);
b) fui bastante criticado por colocar no mesmo saco conservadores, liberais e fascistas. Efetivamente, são diferentes. Mas o meu ponto baseia-se na noção de "ecossistema" virtual, isto é, uma espécie de nuvem de afetos que circulam em torno de um eixo mais ou menos desorganizado, mas que estão em uma rede com diferentes graus de envolvimento. A grande conquista da direita nesse período foi ter construído esse ecossistema em oposição ao de esquerda, permitindo que indivíduos com crenças totalmente diferentes façam parte de um mesmo campo aglutinado sem organização rígida;
c) junto ou depois da minha análise, surgiram outras que acho que contribuem para trazer mais elementos (nos comentários). Um fenômeno de massa não pode deixar de ser um cruzamento de muitas tendências e linhas presentes na sociedade. Meu post, em particular, segue a tentativa de pensar a partir do "perspectivismo político", isto é, da ideia de que o político é composto por uma multiplicidade de pontos de vista e temos que desenvolver uma espécie de "xamanismo" que nos permita os atravessar. Por isso, o esforço para compreender ~desde o~ o ponto de vista dos jovens, e não a partir de algum marco externo (como uma "lógica de mundo") o acontecimento.
PS: Recomendo o livro do Rodrigo Nunes, ainda infelizmente só em inglês, para entender a hierarquia dos sistemas em rede que estou usando. A noção de perspectivismo político também dialoga com ele e com um texto recente meu "Identidade de Esquerda ou Pragmatismo Radical?".
A ascensão do fenômeno Bolsonaro entre os jovens chama a atenção, porque, tradicionalmente, associamos juventude com rebeldia juvenil de esquerda. Isso, que parecia ser uma regra universal, já não vale mais, porque, em certo sentido, a esquerda - ou melhor, alguns dos valores da esquerda - foram incorporados pelo establishment. Embora o mundo esteja longe de seguir esses valores, instituições normativas como a escola e a universidade, os meios de comunicação de massa e as instituições artísticas, de maneira geral, reconhecem, celebram e reproduzem valores como a igualdade de gênero, o convívio com as diferenças e a proteção aos direitos humanos -- tudo aquilo contra o que Bolsonaro se insurge. Não é só no Brasil. Um importante manifesto da nova direita austríaca tem exatamente por subtítulo: "uma declaração de guerra contra a geração 68". Do ponto de vista normativo (embora não do ponto de vista da realidade empírica), há mais rebeldia no antifeminismo do que no feminismo, no desprezo pelos direitos humanos do que na defesa dele.
Ponto cego
Temos 144 milhões de eleitores. Desses:
- 100 milhões têm renda FAMILIAR de até 3 salários mínimos
- 50 milhões votam no Lula. Um perfil mais velho, com renda e escolaridade mais baixas
- 23 milhões votam no Bolsonaro. Um perfil com renda e escolaridade mais altas. Desses, 14 milhões são jovens com menos de 34 anos
- 20 milhões votam na Marina
- 20 milhões votam em outros candidatos embolados
Onde estão, em quem votam, o que pensam as (no mínimo) 50 milhões de pessoas com renda familiar de até 3SM que não votam no Lula?
Grande parte é de jovens, dado que o eleitor do Lula é mais velho. A maioria desses jovens não vota em Bolsonaro, pois seus eleitores têm um perfil de renda mais alto. (Alguns votam - esses que viram cases-, mas os percentuais indicam que não se trata de um conjunto representativo). Uma parte pode estar declarando voto nos outros candidatos, talvez Marina ou Doria. Mas meu palpite é que o foco nessa galera é ínfimo -- logo em quem devia ser a prioridade absoluta de todo mundo: jovens, pobres e sem perspectiva.
"Mito" entre os jovens, especialmente nas periferias
Por conta de um post/pesquisa que escrevi meses atrás sobre o tema, dezenas de professores de escolas públicas me fizeram relatos muito relevadores sobre a importância de Bolsonaro como um ícone nas escolas. Depois, seguindo com jovens, descobri que o mesmo ocorria em escolas de elites. Ou seja, um fenômeno juvenil com os devidos recortes de classe.
Uma coisa é lugar-comum: o fato de que o "mito" cai como uma luva para as socialidades juvenis, transgressoras, pulsantes. Ele é um ícone que choca. E em tempos que, globalmente, tenta se dizer que a esquerda é o establishment, ele é o ícone anti-establishment. Fala o que ninguém ousa falar de forma irresponsável. Tipicamente, um perfil juvenil. Até aí pouca novidade. É um perfil sociológico que faz sentido.
Mas existem dois fatos que me vieram nas conversas, que são um pouco mais específicos.
O primeiro é que, nas periferias, jovens de famílias evangélicas, por exemplo, que não participaram das ocupações secundariastas, sentiram-se fora do curso da história.
Relegados. Caretas. E frustrados. Muito frustrados. O Bolsomito é, para muitos, o grito de revanche. O grito também transgressor que contesta - e dá sentido coletivo - à frente LGBT e feminista que tomaram conta das escolas ocupadas. Muitos professores me relataram que o fenômeno Bolsomito era estritamente relacionado à questão de gênero e à reação das mulheres. Pesquisadora dos rolezinhos que fui, sei bem o quanto o poder juvenil das marcas e do tráfico - e da produção do supermacho (como diria Zaluar) pode sim se relacionar com uma força conservada anti-feminismo. Sem falar da associação Bolsonaro + armas, que é bastente evidente. [Aliás, esses tempos conversava com um rolezeiro, hoje vinculado ao tráfico - um desses que a esquerda achava que estava fazendo a revolução no shopping center - que me falou de Bolsonaro com brilho nos olhos... Curioso aqui é que teoricamente esse menino seria o "bandido bom morto"].
O segundo aspecto - sobre qual eu vou escrever uma coluna muito em breve - diz respeito à segurança pública e ao fracasso da esquerda em tratar do tema para a população comum. Os debates "antipunitivistas" e "anticarcerários" (pautas que defendo) são bastantes abstratos para grande parte da classe trabalhadora precarizada que perde sempre o celular na parada de ônibus. E nós, da esquerda, não conseguimos oferecer um debate tangível, concreto para a senhorinha que está cansada de ser assaltada. E não esqueçamos, são os jovens os mais vulneráveis no mercado de assaltos e são eles que mais temem - por razões óbvias.
Sobre o primeiro ponto, tenho pouco a dizer a não ser lamentar esse backlash reacionário e conservador que tenta se colocar como vanguarda anti-establishment. Sobre o segundo ponto: Nós, do campo progressista, precisamos falar de segurança pública para as pessoas comuns. Isso não significa abandonar nossas discussões sobre o sistema falido carcenário, tampouco cair no populismo de oferecer respostas prontas a temas complexos. Apenas penso que precisamos estar mais conectados com a grande maioria da população que está amedrondata. É também do nosso silêncio e do nosso fracasso de tratar desses temas para a população - em dizer que "sim, existem assaltos, eles geram dor, perdas e não estamos felizes com isso" - que nasce um ser sem qualificação e capacidade nenhum para dizer - de forma errada, violenta e abusiva - que vai resolver o problema da segurança pública.
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O voto dos jovens em Bolsonaro. Estudiosos comentam a pesquisa Datafolha - Instituto Humanitas Unisinos - IHU