02 Mai 2017
Um dos principais expoentes do Partido dos Trabalhadores, o ex-governador do Rio Grande do Sul e ex-ministro da Justiça Tarso Genro considera que o deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ) "jamais terá base eleitoral e política" para vencer a eleição presidencial de 2018 e não representa ameaça nas urnas ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
A entrevista é publicada por BBC Brasil, 02-05-2017.
Segundo pesquisa Datafolha divulgada neste domingo, Lula tem 30% das intenções de voto enquanto Bolsonaro tem 15%, despontando com chances de chegar a um eventual segundo turno no pleito do próximo ano.
"A polarização entre Lula e Bolsonaro caracterizaria uma disputa frontal entre um vasto campo de centro-esquerda e a direita com tendências fascistas no Brasil, que jamais terá, na sociedade brasileira, uma base eleitoral e política majoritária", afirmou.
Apesar das acusações de delatores da Operação Lava Jato, Tarso Genro continua manifestando confiança na inocência de Lula.
"Não podemos ter um juízo definitivo sobre esses depoimentos porque são dados em momentos de exceção como uma forma de protegerem essas pessoas que estão denunciando", critica.
Eis a entrevista.
Pesquisa Datafolha mostra o ex-presidente Lula liderando pesquisas, mas também com forte rejeição. Revela também crescimento de Bolsonaro. O sr. acha que Bolsonaro pode se tornar uma alternativa viável para a eleição de 2018, capaz de vencer Lula?
A polarização entre Lula e Bolsonaro caracterizaria uma disputa frontal entre um vasto campo de centro-esquerda e a direita com tendências fascistas no Brasil, que jamais terá, na sociedade brasileira, uma base eleitoral e política majoritária.
Na sua visão, então, ele jamais venceria Lula em um segundo turno?
Sim, isso mesmo.
A dimensão da greve de sexta-feira foi relevante, mas alguns analistas dizem que não foi suficiente para impedir a aprovação das reformas. Qual é a sua leitura dos impactos da paralisação?
Talvez não seja realmente suficiente para travar a aplicação das reformas. A execução das reformas é demandada por protagonistas muito fortes, no plano interno e externo. As instituições privadas do capital financeiro, a mídia oligopolizada e as empresas que pensam em repor sua competitividade com uma exploração cada vez mais intensiva de mão de obra barata, no que se refere à reforma trabalhista.
Quanto à reforma da Previdência, esta é demandada pelos credores da dívida externa, a quem não interessa um Estado social de direito, mas um Estado pagador da dívida pública, tanto a legítima, como a ilegítima, inflada pela manipulação do preço dos seus juros e serviços.
O impacto da paralisação é relevante, porém, para o futuro da democracia no Brasil, pois demonstra que a esquerda e os setores democráticos que defendem um Estado social têm força para competir com o oligopólio da mídia, que é quem dirige efetivamente a pauta neoliberal no Brasil.
A CUT, central próxima ao PT, historicamente defende o fortalecimento das negociações diretas entre empresas e trabalhadores e já chegou a propor, nos anos 1980, a abolição da CLT. É preciso modernizar a legislação trabalhista?
Sim, é preciso modernizá-la para atender as regulações protetivas das novas profissões, serviços e atividades impulsionadas pelas novas tecnologias que reorganizam o processo do trabalho e as novas formas de cooperação entre as empresas.
Mas a CLT não pode ser simplesmente anulada, porque é o instrumento legal de proteção dos trabalhadores que estão inseridos no mundo do trabalho da segunda revolução industrial. Acabar com a CLT, em nome da flexibilização do contrato de trabalho clássico, sem pensar em novas tutelas do mundo do trabalho, é simplesmente voltar ao século 19.
As delações de executivos da Odebrecht apontam para uma promiscuidade quase generalizada entre a classe política e a empreiteira. Como o sr. recebe esses depoimentos? Considera as revelações realistas?
Essas relações da Odebrecht com o Estado brasileiro não são relações excepcionais. Todos os grandes grupos econômicos, todos os blocos de poder, de riqueza do Brasil, sempre se relacionaram com o Estado brasileiro da mesma forma.
Sempre abordaram o Estado através do controle que têm das instituições, das fontes de financiamento. Organizam o sistema político de acordo com suas necessidades oligárquicas e fazem do Estado brasileiro um servo de suas necessidades.
Isso aí é feito às vezes de maneira legal, aquilo que é permitido dentro de uma relação das forças econômicas com a política e o Estado. E às vezes é uma via ilegal. Então os (atos da) Odebrecht não são nenhuma exceção. Eles são na verdade uma espécie de representação realista do empresariado brasileiro na sua relação com o Estado.
Delações por si só não são consideradas provas e os citados sempre usam esse argumento ao se defender das acusações. Mas o sr. acha então que, de uma forma geral, são depoimentos realistas no que se refere à relação entre capital privado e Estado brasileiro?
Esses depoimentos estão sendo dados num quadro de exceção aqui no Brasil, então têm que ser examinados com cuidado. Podem ter coisas verdadeiras e coisas falsas. São colocações feitas para proteger os delatores da ação penal futura (buscando punições mais leves), de acordo com negociações feitas pelo Ministério Público.
Temos que avaliar é se estão sendo garantidos os respectivos direitos de defesa e se esses depoimentos não são industriados para salvaguardar pessoas que cometeram delitos, como ocorre em determinadas circunstâncias. Então não podemos ter um juízo definitivo sobre esses depoimentos porque são dados em momentos de exceção como forma de protegerem pessoas que estão denunciando.
O sr. vê algo positivo na Lava Jato? Como, por exemplo, ela jogar luz nessa relação promíscua entre Estado e capital privado?
Todo processo que investiga corrupção tem seu lado positivo. A Lava Jato não pode ser vista apenas como uma deformidade do processo penal brasileiro ou elemento de manipulação da opinião pública. Ela é uma reação natural do Estado brasileiro que passou a ter inclusive controles sobre a corrupção de uma maneira muita mais intensa durante os governos do presidente Lula, que aparelhou a Polícia Federal, prestigiou a Procuradoria, fortaleceu as instâncias de controle, instituiu a Controladoria Geral da União.
Nunca achamos que o Lula não deveria ser investigado, ou que o Aécio (Neves, senador) não deveria ser investigado, ou que o (ex-presidente) Fernando Henrique (deva ser investigado). O que nós nos rebelamos é que ela foi transformada em seu curso em um elemento de dissolução da esfera da política e de controle dos grandes meios de comunicação oligopolizados sobre a agenda política do país. E por dentro deles estão passando essas reformas, temos um Congresso que hoje na verdade é refém dessa mídia "oligopólica".
O sr. vê saída para essa crise? Uma reforma política seria um caminho?
Acho que a saída sensata seria uma minirreforma política para arejar um pouco o sistema político e preparar o Brasil para eleições gerais, sejam elas antecipadas ou a partir de 2018.
Não estou falando de anistia, não acho que tem que fazer anistia. Tem que colocar esses processos dentro do sistema legal, acabar com os vazamentos seletivos, acabar com manipulação da informação e os processos seguirem normalmente, e aí abrimos uma nova etapa política democrática do país.
E no caso da lista fechada (eleição de deputados por listas definidas pelos partidos, em vez de escolha avulsa de candidatos)? Vi que o sr. é um defensor.
Sou a favor da lista fechada. É a única forma de você saber exatamente em quem está votando. Equivocam-se pessoas que dizem que a lista aberta é mais democrática. Na lista aberta você vota no Tiririca e elege uma pessoa que você não conhece (Tiririca foi o deputado mais votado em SP em 2014 e permitiu que o PR elegesse mais dois parlamentares).
Então na verdade é um voto que não tem uma determinação, não tem um foco político, uma escolha. E na lista fechada não - você olha a composição da lista e decide qual é a melhor que você quer prestigiar.
Críticos dessa proposta dizem que ela ganhou força agora porque seria uma forma de facilitar a reeleição e a manutenção do foro privilegiado de políticos desgastados pela Lava Jato. Há esse movimento por trás?
Se colocarem como norma obrigatória que os parlamentares atuais sejam cabeça de lista, é uma deformação, sem a menor sombra de dúvida. Isso aí deve e pode ser evitado.
Mas as lideranças políticas controlariam de qualquer forma a composição da lista, mesmo que não seja obrigatório incluir no topo aqueles que têm mandato.
Mas as lideranças políticas controlam o processo político em qualquer sistema político, em qualquer regime democrático.
Voltando às delações, gostaria de saber qual o impacto, em sua opinião, que a Lava Jato terá em 2018. As lideranças atuais se inviabilizarão, terão que ser escolhidos novos nomes para concorrer?
O impacto será muito grande e dentro desse processo de incriminação geral da política, de misturar culpados com pessoas que cometeram meras ilegalidades, misturar caixa 2 com inocentes, vai na verdade captar todas as lideranças políticas mais conhecidas e mais importantes do país. É o palco adequado para o surgimento de lideranças salvacionistas, personalistas, que não têm compromisso com projetos, programa nem partido.
O sr. menciona novos nomes que podem surgir, e vemos o prefeito de São Paulo, João Doria, aparecendo como alternativa aos quadros tradicionais do PSDB. O PT tem alternativa ao Lula?
Não estou autorizado a tirar conclusão a respeito disso porque o PT está sob assédio da Justiça e da mídia de maneira muito intensa, então prefiro esperar um pouco para saber qual será o resultado desse processo todo.
Nosso candidato mais natural é realmente o presidente Lula, se ele puder concorrer, se não for obstaculizado pela Justiça. Mas o PT tem figuras como o Fernando Haddad (ex-prefeito de São Paulo) que são extraordinárias, ou tem a oportunidade até de fazer uma aliança com outro partido, e apoiar um outro candidato. O fato é que não vamos ficar sem candidato em 2018.
Esse outro candidato poderia ser o ex-governador do Ceará Ciro Gomes (PDT), como tem se falado?
O Ciro é um quadro respeitável na esquerda brasileira.
O senhor tem manifestado confiança na honestidade do Lula, mas, nas últimas semanas, executivos de empreiteiras fizeram acusações diretas contra o ex-presidente. Marcelo Odebrecht falou em uma conta de US$ 40 milhões que seria para servir ao Lula, e o Léo Pinheiro, da OAS, disse que o ex-presidente o orientou a destruir provas. Como o sr. avalia essas declarações?
Esses depoimentos não têm nenhuma validade, é a palavra de um contra o outro. São depoimentos feitos apenas para satisfazer o compromisso de delação premiada, para eximir pessoas que já confessaram delitos. Se esses depoimentos não foram confrontados com provas materiais, eles não têm nenhuma eficácia, em nenhum sistema penal do mundo.
Após esses depoimentos aumentou o temor do sr. sobre o risco de Lula ser preso?
Meu temor não aumentou, ele já existe desde o momento em que começaram os vazamentos seletivos, quando começaram depoimentos de promotores dizendo que a corrupção é uma coisa satânica, depoimentos de policiais federais dizendo que perderam o timing (para prender Lula).
A criação desse ambiente (é) que mais me faz temer que o Lula possa ser vítima de uma prisão arbitrária. Esses outros depoimentos não agregaram nada de novo a esse quadro.
E as notícias que falam de aumento da probabilidade do ex-ministro Antonio Palocci fechar acordo de delação premiada, isso o preocupa de alguma forma? Seria uma traição ao PT?
Não seria traição se o Palocci viesse a foro dizer a verdade, e acho que ele tem vontade de fazer isso. Atinja quem atingir, deve ser respeitado o depoimento dele. Acho que não deve se prestigiar nenhum pacto de silêncio em relação a qualquer ato de corrupção.
O sr. concorda com algumas lideranças que têm minimizado a gravidade do caixa 2?
Não se trata de minimizar na verdade. O caixa 2 tem uma previsão como crime eleitoral, e assim deve ser mantido. O que não se pode é transferir imediatamente ao caixa 2 para que ele se torne um crime de propina.
Não há um risco até possivelmente alto de que o caixa 2 esteja encobrindo outras irregularidades?
Pode estar, se o caixa 2 estiver envolvido com propina, ele deve ser considerado um crime, assim como caixa 1.
Noticiou-se que o sr. estaria triste com o estado de coisas no PT. Está realmente triste? Vê alguma saída para o partido se recuperar dessa crise?
Realmente não acho que nenhum companheiro dirigente do PT de responsabilidade como sempre tive possa estar alegre. Mas eu não sou uma pessoa melancólica nem uma pessoa depressiva com situações políticas adversas.
Temos que verificar até que ponto esse processo vai se aprofundar e daí fazer uma proposta de reversão desse quadro do PT, como partido de esquerda, democrático, que tem um projeto do país e que possa soldar uma aliança nova no país.
Em meio aos escândalos de corrupção e da necessidade de reestruturar o partido, o nome da senadora Gleisi Hoffman seria o mais adequado para presidir o PT nesse momento? Uma pessoa que enfrenta também denúncias na Lava Jato?
Não vou me manifestar porque já é uma questão mais de foro interno do PT. Mas eu sou integrante da (corrente interna) Mensagem ao Partido, que quer ter candidato próprio, um concorrente. A Gleisi é uma pessoa que respeito, mas ela não integra a corrente de opinião e o grupo de tendências políticas ao qual estou ligado ao partido.
Mas seria importante ter um nome que não tivesse contaminado por acusações?
A contaminação por acusações tem que ser relativizada, porque a contaminação sendo feita no Brasil hoje é espúria, por vazamentos, por provas unilaterais, delações premiadas. Temos que procurar no partido uma pessoa que nós tenhamos certeza que será protagonista de uma renovação profunda do partido.
Se nos vinculássemos a essa questão da contaminação nós deixaríamos que a Rede Globo escolhesse o próximo presidente do partido.
O sr. cogita sair do PT, criar outro partido?
A minha posição em relação ao PT é o seguinte: eu só sairei do PT quando eu verificar que existe fora do PT uma alternativa melhor do que essa que nós construímos, e até agora eu desconheço essa alternativa.
O sr. tem planos de se candidatar em 2018 a algum cargo?
Não pretendo me candidatar a nada, a não ser que fosse convocada uma Assembleia Constituinte, seja para fazer a reforma política, seja para revisar a Constituição de 1988.
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Bolsonaro 'jamais terá base' para vencer eleição, afirma Tarso Genro - Instituto Humanitas Unisinos - IHU