21 Agosto 2017
"O presidente é racista?". Essa pergunta foi feita de diversas formas por diferentes meios de comunicação após a explosão pública do presidente Donald Trump na coletiva de imprensa de terça-feira, dia 15 de agosto.
O comentário é de Michael Sean Winters, publicado por National Catholic Reporter, 18-08-2017. A tradução é de Luísa Flores Somavilla.
Não há provas de que o presidente tenha opiniões racistas. É claro, como figura pública, suas opiniões pessoais preocupam menos do que as declarações públicas. Ele pode não ser intrinsecamente racista, mas a tentativa de equiparar supremacistas brancos e antirracistas certamente provocou um sorriso no rosto de quem tem sentimentos racistas. Se for por algum cálculo político, pode ser uma falha moral até mais grave do que apenas a expressão de sua verdadeira opinião.
Temo que o motivo da explosão seja ainda pior e certamente mais perigoso. Assistindo a essa conferência de imprensa, não vi um homem agindo por instintos racistas. Vi um homem agindo por instintos reptilianos: o mundo está dividido entre ameaças e não ameaças. Não foram os neonazistas e os supremacistas brancos que organizaram a revolta em Charlottesville que dificultaram as coisas para Trump. Não foram eles que o fizeram sair na segunda-feira e ler uma condenação de racismo no teleprompter. Quem dificultou as coisas foram essas outras pessoas. Portanto, os que estavam ao lado do presidente foram, para ele, os bonzinhos, mesmo que fossem neonazistas. A visão de mundo maniqueísta de Trump se confundiu com o narcisismo agudo e evidente, e - voilà - o mundo testemunhou um presidente dando desculpas para neonazistas.
Deixemos para os psicólogos explicar os pormenores da psicologia do presidente. Sabemos que personalidades profundamente perturbadas já trabalharam no Salão Oval, mas é o primeiro presidente em toda a minha vida cuja ignorância sobre História permite que ele chegue à obscenidade moral.
O presidente Trump corre para elogiar os militares, mas não associa os soldados que vê em pé diante dele com os antepassados que invadiram as praias de Anzio e da Normandia para derrotar os nazistas.
Tenho certeza de que ele ama e confia no genro, Jared Kushner, e que ama sua filha, Ivanka, ambos judeus. Mas não sabe que há uma história de homens brancos furiosos carregando tochas nas ruas e entoando "Sangue e Solo" que não terminou bem para os judeus. Aparentemente, não ouviu os manifestantes de Charlottesville entoando "judeus não vão nos substituir".
Uma vez, Trump disse que "com exceção do falecido grande Abraham Lincoln, sou mais presidenciável do que qualquer outro presidente que já tenha ocupado este cargo". Ele não parece estar ciente que os confederados traíram os Estados Unidos e lutaram contra Lincoln e a União que defendeu. É de se questionar se ele lembra que também é líder de um partido que Lincoln ajudou a fundar.
Nossos colegas da Media Matters acham que encontraram o que o presidente certamente lembrou. Reuniram os comentários mais absurdos de Trump e afirmações anteriores estranhamente parecidas dos sabichões da Fox News. É chocante.
Nenhum de nós está livre dos pecados do espírito. Encontre um homem que afirma não ter maldade alguma em seu coração e eu vou mostrar um homem de Hadleyburg, só esperando para se corromper. E, assim como os supostamente corretos da famosa cidade de Twain, Trump se esforça muito para esconder suas fraquezas e acaba parecendo ainda mais ridículo e desonesto ao ser exposto. Assistindo à conferência de imprensa naquele dia, fiquei na expectativa de que alguém abrisse um envelope e lesse: "Você está longe de ser um homem ruim".
Avaliar os acontecimentos em Charlottesville a partir de uma perspectiva moral não foi uma tarefa difícil. Podemos analisar e debater sobre o fato de as estátuas do general Robert E. Lee terem sido erguidas na primeira metade do século XX para tentar encobrir a história feia do racismo e sobre o fato de elas estarem sendo removidas em uma tentativa diferente de encobri-la. Adam Goodheart apresenta uma boa sinopse dessa importante história do simbolismo no site Politico.
Podemos debater, mais uma vez, as táticas políticas do movimento Black Lives Matter (As Vidas Negras Importam, em tradução livre).
Podemos - e devemos - debater sobre a melhor maneira de erradicar o mal do racismo da nossa cultura.
O que não podemos fazer é dar desculpas pelos neonazistas, como fez Trump. Aqui, não há espaço para falsidade moral.
As vozes católicas e cristãs ficaram mais altas e mais focadas intelectualmente esta semana, ao denunciar o presidente.
Um grupo de cristãos especialistas em ética publicou uma declaração precisa explicando como o racismo ofende as crenças cristãs mais fundamentais. "Como seguidores de Jesus Cristo e especialistas em ética cristãos que representam uma série de denominações e escolas de pensamento, estamos em absoluto acordo com a firme condenação da ideologia racista, antissemita, antimuçulmana e neonazista como pecado contra Deus, que divide a família humana criada à imagem de Deus", começa o texto. O "imago Dei". Não pode ser mais fundamental! Parabéns aos professores Tobias Winright, MT Davila, Anna Florka Scheid e Matthew Tapie, que redigiram a declaração e a fizeram circular. No final, ela poderia ter cerca de 350 assinaturas. Se o presidente Trump estiver certo e houver "dois lados", fico com os especialistas em ética.
Cardeal Sean O'Malley, de Boston , também emitiu uma declaração poderosa acusando as "ideias pagãs do nazismo" e sua vil expressão por meio de ódio contra judeus, muçulmanos e imigrantes. Este parágrafo também mostra como a abordagem intelectual conservadora essencial de O'Malley sempre foi mais compatível com a política liberal do que muitas pessoas da esquerda e da direita acreditavam:
"Como bispo católico, agradeço pela oportunidade de me opor às vozes da fragmentação e do ódio, juntamente com outros líderes religiosos da terra. Como arcebispo de Boston, é minha responsabilidade convidar a comunidade católica a que sirvo para lembrar as verdades básicas da fé e da razão que são tão importantes neste momento. A verdade de que nossos direitos e deveres advêm de Deus. A verdade de que podemos nos opor contra o ódio e a intolerância pela civilidade e pela caridade. Essas verdades podem nos unir em comunidades raciais, religiosas e étnicas. Podem nos ajudar a celebrar o pluralismo como um rico tesouro que fortalece essa terra".
A Igreja tem a bênção de ter este distinto e inteligente prelado assessorando o papa e ajudando a orientar seus colegas bispos dos EUA.
Além disso, um grupo de organizações representando homens e mulheres religiosos emitiu uma declaração ontem que foi além de condenar os neonazistas, também repreendendo os que responderam de forma lenta ou ambígua. "Estamos igualmente indignados com a inicial falta de condenação contundente desses grupos por parte dos líderes governamentais, incluindo o presidente, bem como com o silêncio inicial de muitos líderes políticos e religiosos, que apenas dá força e poder aos que apoiam o ódio, o racismo e a violência", diz o texto.
As cartas estão na mesa. Os pastores que continuam defendendo o presidente extrapolaram os limites da decência. Os funcionários que continuam trabalhando para o presidente não podem escapar do rótulo terrível de colaboradores. (Nicolle Wallace protagonizou um dos melhores momentos da TV nos minutos após a conferência de imprensa do presidente ao perguntar quem iria se demitir na Casa Branca.) Os membros republicanos do Congresso que denunciam o racismo, mas não denunciam o presidente que o trata bem demais, perderam qualquer reivindicação de respeito moral.
É hora de os pastores cristãos se recusarem a ir à Casa Branca por algum motivo. É hora de as nações estrangeiras se recusarem a convidar o presidente para reuniões. É hora de os políticos serem retirados do cargo se tentarem se esquivar do assunto. É hora de os funcionários enxergarem o peso na consciência de continuar permitindo as ações desse homem, e refletirem se esse peso será permanente. Ou somos um país que dá desculpas aos racistas e neonazistas ou não. "Em algum momento, para todo homem e toda nação", como diz o antigo cântico Once to Every Man and Nation, "chega a hora de decidir".
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Trump desculpa os neonazistas, mas nós não - Instituto Humanitas Unisinos - IHU