10 Agosto 2017
“Precisamos olhar para o fenômeno das conversões no contexto de uma Igreja que se tornou mais movimento do que instituição”, analisa Massimo Faggioli, professor de teologia e estudos religiosos na Universidade Villanova, em artigo publicado por Commonweal, 08-08-2017. A tradução é de Luísa Flores Somavilla.
O livro mais recente de Massimo Faggioli é Catholicism and Citizenship. Political Cultures of the Church in the Twenty-First Century (Liturgical Press, 2017) (Catolicismo e Cidadania. Culturas Políticas da Igreja no Século XXI, sem edição no Brasil).
Segundo ele, “as fraquezas da eclesiologia católica que alguns convertidos agora denunciam como doenças pós-Vaticano II são na verdade as mesmas fraquezas que facilitaram (institucional e teologicamente) a sua aceitação na Igreja Católica. A Igreja pós-Vaticano II que alguns criticam é justamente a Igreja pós-Vaticano II que tornou suas conversões tão impecáveis. A Igreja pós-Vaticano II da qual eles não gostam pode, de fato, ser a sua própria Igreja”.
Os debates acerca da natureza e os efeitos das conversões ao catolicismo romano nas últimas décadas, nos Estados Unidos e em países falantes de língua inglesa, às vezes pecam por falta de caridade. Pior ainda é quando os debates são estruturados de acordo com as convicções políticas ou as orientações litúrgico-teológicas dos que decidem se tornar católicos. Isso não só estabelece uma dinâmica de exclusão dentro da Igreja que, por definição, é universal, mas também obscurece completamente a natureza variada da própria conversão.
Algumas conversões, por exemplo, são político-ideológicas ao rejeitar a modernidade e a pós-modernidade. Outras são motivadas por sensibilidades estéticas e litúrgicas. Outras, ainda, são inspiradas pela mensagem de justiça social da Igreja. Em outras palavras, embora os filtros político-ideológicos, culturais, estéticos e sociais possam ser um aspecto importante e, em alguns casos, até mesmo decisivos, não devem ser os primeiros - e muito menos os únicos - pontos considerados pelos católicos ao tentar entender o caminho tomado pelos demais fiéis. A conversão, afinal, é uma questão de discernimento espiritual. Como escrevi no Commonweal no ano passado, trata-se de um fenômeno multifacetado que não pode ser simplificado ou listado no serviço em uma ou outra narrativa eclesial e política.
Dialogando com colegas, estudantes e outros católicos leigos desde minha chegada aos Estados Unidos, em 2008, conheci vários temas de contenção entre "católicos de berço" e quem se converte ao catolicismo: o conceito de tradição; a dinâmica do desenvolvimento histórico na teologia e o magistério e as formas de "pensar com a Igreja". (Tudo isso é assunto para outro artigo.) Mas há outro aspecto que acredito que mereça maior atenção, que é o eclesiológico. Como estudioso dos chamados novos movimentos católicos que mudaram os leigos católicos e a Igreja desde a Segunda Guerra Mundial e o Vaticano II, acredito que precisamos olhar para o fenômeno das conversões no contexto de uma Igreja que se tornou mais movimento do que instituição. Particularmente, esse movimento de renovação deve ser entendido à luz de outros movimentos de renovação na história da Igreja: as ordens mendicantes nos séculos XII e XIII; os movimentos de "observância" nas ordens monásticas e mendicantes nos séculos XIV e XV; os defensores da chamada "reforma católica" (em oposição à corrupção na Igreja Católica, bem como à Reforma Protestante) a partir do século XVI; o florescimento das ordens religiosas no século XIX; e os movimentos eclesiais gerados pelos leigos católicos em meados da segunda metade do século XX.
Esse "movimento de conversão" é diferente dos movimentos anteriores porque se caracteriza pelas ações de indivíduos não em coordenação com nem a partir de dentro de uma estrutura visível e organizada. Também pode estar relacionado ao colapso simultâneo das ideologias políticas ocidentais e o surgimento do que pode ser erroneamente considerado como tendências não políticas de pensamento, como a fé neoiluminista na tecnologia, a fé neoliberal na economia de mercado e a fé neorromântica no bem-estar e no eros. Por enquanto, é interessante observar que o atual "movimento de conversão" tem alguns elementos típicos dos "novos movimentos eclesiais": produziu mudanças na Igreja sem a iniciativa de documentos oficiais ou da Igreja institucional; confia muito mais nos católicos leigos do que no clero; é estruturalmente "leve" em termos de organização e é uma expressão de um novo carisma intelectual e espiritual. No século XX, o nascimento de um novo movimento católico diz algo sobre o espírito do movimento: o que a Espanha é para o Opus Dei e Roma para a Comunidade de Sant'Egidio, os Estados Unidos são para um certo tipo de conversão do protestantismo para o catolicismo. Esse fenômeno - mais visível nas conversões de altos políticos, intelectuais e jornalistas, mas mais expressivo do que apenas casos isolados - faz parte do que poderia ser chamado de reavivamento anglo-católico ou, para usar o termo que Richard John Neuhaus criou três anos antes de ser recebido na Igreja Católica Romana, "o momento católico".
Mas em que esse movimento difere dos períodos anteriores de renovação e revitalização no século XX? Sobre essa questão, o livro mais importante sobre a eclesiologia e a dinâmica da mudança da Igreja no século passado, Verdadeira e falsa reforma na Igreja (1950, segunda edição, 1968), de Yves Congar, traz grandes contribuições. Ele descreve o processo de aceitação dos movimentos de renovação. Inicia com a distinção clássica feita por Ernst Troeltsch e Max Weber entre igreja e seita: "os membros da Igreja nascem na Igreja, de modo que ela é sua mãe. A seita é uma comunidade voluntária: ninguém nasce nela; as pessoas entram na seita por uma decisão pessoal." Em segundo lugar, ele examina como o elemento carismático dos movimentos de renovação torna-se católico no sentido de aceitação pela Igreja: "Troeltsch pensa que os impulsos evangélicos que dão origem a seitas são os mesmos que produzem ordens religiosas na Igreja. Essas ordens são apenas uma "eclesificação" [uma 'igrejificação'] do espírito sectário. Nas ordens, a atitude de escolha pessoal e voo do mundo que cria a seita busca expressão de outra maneira. Por isso, a Igreja, na esperança de assimilar uma seita como os valdenses, tentou transformá-la em ordens religiosas". Finalmente, Congar conclui que houve mudanças nesta tensão entre "Igreja vs. seita" do século XX: "se os movimentos de revitalização do século XVI ao século XIX geralmente tornavam-se seitas, esse já não é o caso hoje, devido ao claro ressurgimento da ideia da Igreja." Menciona, ainda, o movimento Barthiano, a Comunidade de Taizè e o Movimento de Oxford como exemplos dessa "eclesificação" positiva e inclusiva de novos movimentos no cristianismo ocidental.
Mas o que isso tem a dizer sobre as pessoas que acabaram de se converter ao catolicismo? Pelo menos três coisas. O primeiro é que esse "movimento de conversão" teve seus desdobramentos durante um período de crise da eclesiologia católica, isto é, em relação à percepção da importância da disciplina eclesiológica e da autodisciplina na experiência vivida da Igreja. É uma crise que Congar viu entrar no prefácio da segunda edição (publicada imediatamente após a onda de protestos estudantis na Europa em 1968) de seu livro: "Tudo está sendo questionado ao mesmo tempo". O assunto da eclesiologia hoje não tem grande popularidade com a maioria dos estudantes católicos (para eles, a religião é muito mais movimento e "cultura" do que instituição e história), nem com os bispos (alguns adeptos entusiasmados de "the Benedict Option" (A opção Bento), como o arcebispo Charles Chaput, revelam uma surpreendente falta de compreensão da incompatibilidade entre a visão de Rod Dreher sobre a Igreja e a eclesiologia católica). A eclesiologia ainda é importante na teologia acadêmica, mas até nessa área ela é menos importante do que costumava ser, apesar do sucesso de redes internacionais como a Ecclesiological Investigations. Por exemplo, em relação aos clássicos católicos do século XX, Congar é muito menos conhecido entre os jovens teólogos do que Rahner ou von Balthasar. As controvérsias sobre a eclesiologia dos convertidos - como as que acusavam o atual papa de não ser católico e/ou estar tentando diminuir a tradição da Igreja - refletem o fato de a eclesiologia do catolicismo institucional ter ficado mais instável.
O segundo ponto a notar é que o discurso eclesiológico mais fraco dentro da Igreja Católica (um dos efeitos colaterais de sua "evangelização" e desinstitucionalização e do foco em questões "biopolíticas" e morais) tornou a Igreja (todos nós) incapaz, pouco disposta e despreparada para entender este "movimento de conversão" como tendo algo em comum com outros movimentos eclesiais do passado recente, como o Opus Dei, os Focolares ou Comunidade de Sant'Egidio. Esse discurso foi abraçado pela Igreja institucional, sem antes enfrentar os testes da indiferença, de atrasos ou de rejeições que muitos outros movimentos católicos vivenciaram, pelo menos até João Paulo II ser eleito, quando a perspectiva mudou por completo.
A Igreja institucional recebeu o "movimento de conversão" sem pedir que ele se tornasse um movimento eclesial "oficial", muito menos uma ordem religiosa ou uma ordem de leigos consagrados. Isso não apenas porque o movimento não tinha um fundador global, um líder ou uma estrutura palpável, mas também por causa da postura muito mais positiva da Igreja de João Paulo II em relação aos movimentos da Reconquista católica da modernidade secularizada. Claro, teria sido inimaginável, até absurdo, que a Igreja convocasse todos os convertidos para formarem uma nova ordem religiosa ou um ordinariato especial. Estes católicos uniram-se à Igreja como instituição (e por vezes procuravam por uma Igreja mais institucional), mas estavam se aproximando dela como movimento; o movimento católico dos convertidos que não confiavam na Igreja institucional.
A terceira questão tem que ver com as percepções do Vaticano II e do período pós-Vaticano II em católicos de diferentes convicções, não apenas católicos de berço ou convertidos. Uma observação comum sobre os convertidos conservadores é que eles têm uma nostalgia de uma certa era dourada do catolicismo, seja a Idade Média, a Era Tridentina, ou o Vaticano I - definitivamente antes do Vaticano II, dos anos 60, da rejeição de Humanae Vitae, e tudo mais. Pode haver alguma verdade nisso. Mas eles também têm algo sério a dizer aos católicos de berço que acreditam que a era de ouro do catolicismo foi o Vaticano II e o período pós-Vaticano II. A Igreja atual não é a Igreja medieval ou a Igreja do primeiro Concílio do Vaticano. Mas também não é mais a Igreja do Vaticano II - que pressupunha, teológica e institucionalmente, que os membros típicos e notáveis da Igreja haviam nascido nela. Durante as últimas três décadas, aproximadamente, os convertidos entraram em uma Igreja pós-Vaticano II: nascer nela não garantia sua permanência e não nascer nela não queria dizer que seria preciso entrar numa ordem religiosa ou num ordinariato para ser membro.
Ao longo de sua longa história, a Igreja Católica criou espaços seguros, mas também bastante controlados, para novas vozes católicas que não estavam apenas se juntando ao rebanho e contribuindo com o grupo, mas também mantendo seu próprio microfone (por assim dizer) com uma agenda que influenciava o pensamento e as políticas da Igreja institucional. O rosto público do que chamei aqui "movimento de conversão" (que implica uma analogia com movimentos anteriores de renovação católica) é um grupo de convertidos em grande parte conservadores que parece ter uma representação e voz desproporcionais em comparação com o grupo mais amplo de recém-convertidos ao catolicismo; são os que parecem estar sendo melhor recebidos na Igreja que depois eles saem e criticam. Eles não enfrentaram o mesmo exame, avaliação e testagem enfrentados por grupos com líderes notáveis e reconhecidos e cultura e estrutura unificadas na Igreja pós-Vaticano II, principalmente até o final do pontificado de Paulo VI (o exemplo de Comunhão e Libertação na Itália é paradigmático em relação a isso). Eles tomaram um espaço para si porque conseguiram reivindicá-lo de uma maneira que não era possível até pouco tempo. As fraquezas da eclesiologia católica que alguns convertidos agora denunciam como doenças pós-Vaticano II são na verdade as mesmas fraquezas que facilitaram (institucional e teologicamente) a sua aceitação na Igreja Católica. A Igreja pós-Vaticano II que alguns criticam é justamente a Igreja pós-Vaticano II que tornou suas conversões tão impecáveis. A Igreja pós-Vaticano II da qual eles não gostam pode, de fato, ser a sua própria Igreja.
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A Igreja da qual eles não gostam pode ser sua própria Igreja - Instituto Humanitas Unisinos - IHU