30 Junho 2017
Os quatro cardeais com as suas dúbia estão de volta. Segundo informou Edward Pentin, do National Catholic Register, os quatro prelados – os cardeais Walter Brandmüller, Raymond Burke, Carlo Caffarra e Joachim Meisner – enviaram uma carta ao papa solicitando uma audiência. Querem saber por que o papa não respondeu às dubia.
A reportagem é de Michael Sean Winters, publicada por National Catholic Reporter, 29-06-2017. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Para refrescar a memória: em novembro passado, quatro cardeais mandaram uma lista de dubia, ou dúvidas, para o papa e o prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé – CDF. As dúvidas, em forma de pergunta, não eram na verdade dúvidas, na medida em que eram armadilhas, primeiramente reduzindo problemas pastorais e teológicos complexos a um “sim” ou “não”, e também enquadrando as questões de forma tal que uma única resposta poderia ser considerada plausível ou ortodoxa. Assim, por exemplo, a terceira dúvida dizia: “Depois de ‘Amoris Laetitia’ n. 301, pode ainda afirmar-se que uma pessoa que viva habitualmente em contradição com um mandamento da lei de Deus, como, por exemplo, aquele que proíbe o adultério (cf. Mt 19, 3-9), se encontra em situação objetiva de pecado grave habitual (cf. Pontifício Conselho para os Textos Legislativos, Declaração de 24 de Junho de 2000)?” Isso soa como as velhas perguntas capciosas em coletivas de imprensa: “Quando o senhor parou de bater em sua esposa?” Não há como dar uma boa resposta a isso.
O Rev. Louis Cameli, assessor episcopal para a formação religiosa da Arquidiocese de Chicago, demonstrou conclusivamente em artigo publicado na revista America por que o papa acerta ao não responder. Cameli escreve:
As dubia não são, na verdade, expressões de dúvida ou perguntas, mas, pelo contrário, asserções de que “Amoris Laetitia” parece ter abandonado ou alterado ensinamentos importantes da tradição católica, especialmente como foram expressos mais recentemente por São João Paulo II em sua carta encíclica “Veritatis Splendor” (1993). (…) Proponho que as “dubia” têm origem em uma incompreensão fundamental da natureza de “Amoris Laetitia” e, de fato, da renovação que se iniciou com o Concílio Vaticano II e que foi fomentada por João Paulo II – incluída a sua encíclica “Veritatis Splendor”. [1]
Isso aponta para a abrangência do problema com a oposição a Francisco. Não é somente o fato dos cardeais se oporem a esse tema ou àquela declaração, embora eles o fazem. O problema é que estão tentando readequar certas ideias que não darão certo.
Geralmente, a ideia de que um cardeal está solicitando uma audiência com o papa não é digna de virar notícia. Neste mês de junho, em apenas duas semanas o meu velho amigo Dom Roberto Gonzalez, de San Juan, Porto Rico, teve duas audiências com o Santo Padre. Mas o que difere da solicitação feita por estes quatro cardeais é que eles publicaram a carta em que pedem uma audiência. É o que os romanos chamam de brutta figura!
Não nos deve surpreender que a carta chegou às mãos de Edward Pentin para ser publicada. Em regime de meio turno, Pentin trabalha como correspondente do Vaticano para o National Catholic Register e, da mesma forma, como animador de torcida para a oposição ao Papa Francisco. No Sínodo dos Bispos, outros repórteres notaram que Pentin fazia uma linha direta com o cardeal Burke e outros descontentes assim que as sessões terminavam.
Tampouco nos deve surpreender que Raymond Arroyo tenha dedicado um segmento inteiro de seu programa da tevê só falando da solicitação da audiência, onde entrevistou primeiro Pentin e, em seguida, o Pe. Gerald Murray, da Arquidiocese de Nova York.
Murray é um dos críticos mais francos de Amoris Laetitia, e parece achar que ele próprio, e não o Papa Francisco, é a voz autêntica do magistério. Assim como os quatro cardeais, Murray quer que tudo e todos se encaixem perfeitamente dentro das caixinhas canônicas com as quais ele se sente confortável, e quando a vida não se enquadra dentro delas, o problema é dos que não querem mudar... O problema é deles. Alguém precisa lembrar o Pe. Murray que somente colocamos as pessoas dentro de caixas quando elas morrem.
Estou renovando a casa onde me criei. Tenho feito umas transformações significativas: minha mãe era uma mulher de gosto esquisito, gosto que não era exatamente igual ao meu. Por exemplo, a cor favorita dela era azul, e assim a sala de estar, a entrada e a sala de jantar eram todas azuis, e os quartos do andar debaixo, um pequeno estúdio e a cozinha todos tinham uma característica azul, além das cortinas. De minha parte, eu amo minha mãe, e também gosto do azul, mas basta: pintei de vermelho a sala de jantar.
Um dia, minha irmã disse que eu não poderia alterar um determinado item porque ali havia um significado sentimental. Expliquei que eu não tinha interesse algum em viver em um museu, que precisava fazer minha aquela casa e torná-la habitável. Acrescentei que ela era deveria se sentir à vontade em levar o objeto sentimental para si, mas, de minha parte, ele teria um outro fim.
Para os quatro cardeais, assim como para Pentin, Arroyo e o Pe. Murray, a Igreja é um museu e ninguém pode alterar nada dentro dela. O Papa Francisco quer tornar a Igreja habitável. Ele não está tentando se desfazer de certos itens só por causa da mudança em si. Ele não teme confrontar, sem medo, tudo aquilo que obstrui a proclamação do Evangelho. O papa reconhece a verdade daquilo que John Henry Newman disse temos atrás: “Num mundo superior, será diferente, mas aqui na terra, viver é mudar”.
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A Igreja não é um museu, então deixem Francisco mudar as coisas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU