Por: João Vitor Santos e Patricia Fachin | 12 Mai 2017
O depoimento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao juiz federal Sérgio Moro foi aguardado com grande expectativa e se imaginava que inauguraria um novo capítulo da Lava Jato. Embora se reconheça que a Operação esteja promovendo um choque em todo sistema político nacional, colocando até a esquerda brasileira no divã, é inegável reconhecer que também se tornou o palco principal para as disputas políticas e ideológicas, tendo a sede da Justiça Federal em Curitiba, no Paraná, como epicentro de toda essa convulsão. Passado o depoimento, tanto defensores de Lula quanto da Lava Jato e dos posicionamentos de Moro e do Ministério Público Federal, veem o ato muito mais como performático, o que tem aumentado as disputadas e polarizações.
Mas, rompendo as paixões mais melancólicas, como analisar o que representa tudo que está no entorno da Lava Jato e o próprio depoimento? Quais os desdobramentos políticos de mais esse capítulo da Lava Jato? Inspirada por essas duas questões, o Instituto Humanitas Unisinos - IHU foi em busca do debate a partir da reflexão de professores e pesquisadores. Enquanto as cinco horas de arguição se desenrolavam no prédio da Justiça Federal em Curitiba, ao longo da tarde de quarta-feira, 10-05-2017, e na manhã da quinta-feira, 11-05-2017, a IHU On-Line coletou alguns depoimentos que são reproduzidos abaixo.
Confira os depoimentos.
Rudá Ricci (Foto: Arquivo pessoal/Twitter)
Rudá Ricci, graduado em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUCSP, mestre em Ciência Política pela Universidade Estadual de Campinas - Unicamp e doutor em Ciências Sociais pela mesma instituição. É diretor geral do Instituto Cultiva, professor do curso de mestrado em Direito e Desenvolvimento Sustentável da Escola Superior Dom Helder Câmara. Ele concedeu seu depoimento por telefone.
IHU On-Line – Que avaliação faz do episódio do depoimento do ex-presidente ao juiz Sérgio Moro?
Rudá Ricci – Esse episódio deveria ser, em situação de normalidade política e institucional, um mero depoimento de fiscalização sobre os atos de um ex-presidente da República. Em qualquer sociedade democrática e moderna, seria um ato absolutamente normal. Acontece que nós sabemos que não é um ato normal. A cidade de Curitiba está [estava na tarde de quarta-feira, dia 10-5] tomada por militantes, tanto pró-Lula como pró-Moro. O juiz passou a ser capa de revistas como sendo um dos pugilistas, porque é assim que eles foram retratados, como numa briga de boxe, sendo o outro o Lula, o adversário. Isso já demonstra uma anormalidade, porque juiz não pode ser um dos oponentes de quem está sendo investigado. Ele representa a Justiça, para saber se a denúncia tem sentido ou não. Ele, sendo oponente, já é uma das partes em causa. Isso já é muito estranho.
E, finalmente, nós temos uma cobertura em tempo real das grandes redes nacionais e internacionais desse depoimento. É evidente que estamos vivendo uma anormalidade. E por que estamos vivendo uma anormalidade? Porque desde a campanha de 2014, nós iniciamos um embate político e ideológico que foi muito além de uma disputa democrática. Passou a ser uma disputa de sobrevivência política de uma força em relação a outra. Quando se derruba a presidente Dilma Rousseff, pelo impeachment, as forças políticas que assumem o governo no lugar dela exacerbam as políticas contrárias, exatamente opostas a quem eles derrubaram. E, nesse sentido, a memória do Lula volta à tona e ele sobe novamente à condição de maior líder político do país, o mais popular. Neste momento, observe como ele tem em torno de 40% das intenções de voto para 2018. Ou seja, do impeachment para cá, passado um ano, nós temos hoje o presidente da República [Michel Temer] com o menor índice de popularidade da história da República, e estamos caminhando para que o PT eleja pela quinta vez consecutiva um governo federal, um governo nacional.
Então, é evidente que essa situação acaba exacerbando a disputa de quem acreditava que tinha derrotado o governo lulista através do impeachment. Entretanto, vem se revelando que a população não acha que ele foi derrotado, de tal maneira que, ao exacerbar a frustração dessa disputa polarizada com o lulismo, esse mero depoimento ganha ares de definição do destino político e democrático do Brasil. Essa é a anormalidade. Nós estamos transformando, primeiro, um processo jurídico em ato político e, segundo, estamos transformando a disputa política democrática em ato de fatalismo da história de um país. Não vai dar em boas sinalizações futuras essa história completamente contaminada.
IHU On-Line – Quais as implicações políticas desse depoimento?
Rudá Ricci – Pode gerar uma eleição em 2018 que já nasce contaminada, que vai dificultar profundamente o governo eleito que será empossado em 2019. O que estou querendo dizer é que, com essa história, se não voltarmos a ter bom senso e equilíbrio no Brasil, o problema do país não vai ser nem 2017, nem 2018. O grande problema do Brasil passa a ser 2019. Ninguém no governo vai ter estabilidade daí por diante, e parece que a fatalidade disso tudo é voltarmos a algo parecido com 1951, 1952, 1953; o Brasil sempre volta da tragédia, porque infelizmente as forças políticas no Brasil e as elites políticas brasileiras não conseguem sustentar um processo democrático. Ou seja, o grande problema daqui por diante vai ser 2019.
Moysés Pinto Neto (Foto: João Vitor Santos/IHU)
Moysés Pinto Neto, graduado em Ciências Jurídicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS, mestre em Ciências Criminais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUCRS e doutor em Filosofia nessa mesma instituição. Leciona no curso de Direito da Universidade Luterana do Brasil - Ulbra Canoas. Seu depoimento foi concedido por escrito, através de troca de mensagens via rede social.
IHU On-Line – Que avaliação faz do episódio do depoimento do ex-presidente ao juiz Sérgio Moro?
Moysés Pinto Neto – O depoimento está excessivamente politizado, mas não se pode dizer que a Justiça não tenha colaborado para gerar esse clima. A atuação de Sérgio Moro, por um lado, confronta a blindagem tradicional das elites política e empresarial do país e por isso conta com simpatia popular. Por esse lado, temos uma visão republicana e igualitária preponderando sobre uma oligárquica. Mas, por outro lado, a condução coercitiva erroneamente aplicada do ponto de vista do Código de Processo Penal e, sobretudo, o levantamento do sigilo envolvendo a presidenta [Dilma Rousseff] sem competência para tanto levantam suspeições legítimas sobre intenções políticas subterrâneas na atuação judicial. As convergências de decisões judiciais teratológicas, como a suspensão do Instituto Lula, a proibição de manifestações e de gravar a audiência mostram um quadro preocupante de arbitrariedade.
IHU On-Line – Quais as implicações políticas desse depoimento?
Moysés Pinto Neto – Do ponto de vista político, o cenário é desalentador. A política se reorganiza a partir não só do populismo, mas da idolatria mesmo. Fala-se do lulismo para citar Curitiba, mas o lulismo era outra coisa: o que está acontecendo ali, vejo entre os apaixonados e os odiadores da minha timeline, é um julgamento de personalidade, não uma composição nos moldes em que foi pensado o período 2002-2013.
Ficamos, assim, cada vez mais empobrecidos de projetos políticos e reduzidos a escolhas carismáticas. As opções para 2018 parecem cada vez mais traduzidas na figura messiânica, o que é sempre negativo para a democracia.
Benedito Tadeu César | Foto: Leslie Chaves - IHU
Benedito Tadeu César, graduado em Ciências Sociais pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Rio Claro, mestre em Antropologia Social e Doutor em Ciências Sociais com ênfase em Estrutura Social Brasileira, ambos pela Universidade Estadual de Campinas - Unicamp. É professor aposentado da Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS. Seu depoimento foi concedido por telefone.
IHU On-Line – Que avaliação faz do episódio do depoimento do ex-presidente ao juiz Sérgio Moro?
Benedito Tadeu César – É patético e deprimente ter um ex-presidente da República, com a dimensão pública e internacional que tem o presidente Lula, sendo colocado na tentativa de ser humilhado por um juiz de primeira instância, que se porta como um acusador e não como um magistrado, num processo onde não há prova nenhuma arrolada, em cima de acusações que são fragilíssimas. Quer dizer, não há nenhuma evidência, nada de que o presidente esteja sendo acusado. As acusações são de que ele tem um apartamento – que é de área equivalente ao meu, que sou professor universitário, casado com uma professora universitária – e de que ele tem um sítio – que é menor do que um sítio de um cunhado meu que é artista plástico... Nenhum presidente da República se corromperia por isso. Seja ele ou seja qualquer um.
Há uma obsessão em condenar o presidente Lula e expô-lo como alguém execrável. O comportamento do juiz é um comportamento mesquinho. Ele próprio foi avisado de que outros depoimentos estavam sendo vazados, estavam vazando ao vivo. Depoimentos que teriam de ser sigilosos naquele momento e ele não tomou nenhuma atitude, enquanto a coisa ocorria na frente dele. Agora, ele proíbe a transmissão do depoimento do presidente Lula. Há, ainda, a tentativa de impedir, ferindo princípios constitucionais, que as pessoas se locomovam pela cidade, chegando a Curitiba. Se isso não é um estado de exceção, eu não sei mais o que é um estado de exceção.
IHU On-Line – Quais as implicações políticas desse depoimento?
Benedito Tadeu César – Toda a evidência é de que o juiz Moro e os interesses que ele representa, porque ele não age sozinho, obviamente, atuam no sentido de impedir a candidatura do presidente Lula a um terceiro mandato em 2018. E também destruir o seu partido. Parece que nada disso foi conseguido até agora. Pelo contrário, o ex-presidente Lula tem crescido junto à opinião pública, ele aparece em primeiro lugar em todas as pesquisas de intenção de voto que são realizadas. Obviamente que ainda temos muito tempo para a eleição e isso não quer dizer que o presidente será reeleito. Mas isso quer dizer que todas as tentativas de destruí-lo politicamente não produziram nenhum resultado efetivo. Pelo contrário, o seu partido, inclusive, está sendo reconstruído.
O que me parece que fica de tudo isso é que se expõe, junto à população, o ponto baixo a que chegou todo o arcabouço de Justiça do país, porque um juiz de primeira instância afronta a Constituição, afronta todo o sistema Judiciário e o próprio sistema Judiciário não reage. Isso me parece ser o pior resultado possível. Nós, provavelmente, demoraremos muito tempo para poder superar essa situação – essa situação do Judiciário, a situação que vivemos hoje na Câmara Federal e no Executivo. Estamos numa situação de desmoronamento das instituições públicas e republicanas brasileiras. Nós estamos num momento de caos político e institucional no país, promovido por aqueles que deveriam, constitucionalmente, defender essas instituições.
Pedro Oliveira na Unisinos, em 2012 (Foto: Acervo IHU)
Pedro Ribeiro de Oliveira, doutor em Sociologia, professor aposentado dos Programas de Pós-Graduação em Ciências da Religião da Universidade Federal de Juiz de Fora - UFJF e da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - PUC Minas. É membro do ISER-Assessoria, da Equipe de Formação da Prelazia de São Félix do Araguaia e da Coordenação Nacional do Movimento Fé e Política. Ele conversou com o IHU por telefone.
IHU On-Line – Que avaliação faz do episódio do depoimento do ex-presidente ao juiz Sérgio Moro?
Pedro de Oliveira – Como o episódio não está terminado, é difícil fazer uma avaliação, mas esse episódio é uma marca na história política brasileira. Isso é certamente. Por quê? Porque se usa o Judiciário de uma maneira abusiva para cassar os direitos políticos do Lula. Na verdade, é disso que se trata. Então, a reação popular contra essa tentativa de cassar o mandato político é uma coisa nova e importante. Ainda não sabemos qual vai ser o resultado, mas, certamente, temos aqui uma reação. Está provocando uma reação de indignação no país e vai mostrar que não se cassam direitos políticos assim. Essa seria minha avaliação geral.
IHU On-Line – Quais as implicações políticas desse depoimento?
Pedro de Oliveira – Tem uma implicação política que me assusta muito. É a replicação do golpe. Assim como em 1964 nós tivemos um primeiro golpe militar, depois uma forte reação da sociedade, e em seguida o repique em 1968 com o Ato Institucional 5 - AI 5. Eu receio que esse golpe dado no ano passado está agora provocando a reação popular e a desmoralização desse governo, e quem organizou o golpe – que eu não sei bem exatamente quem é, mas desconfio que não sejam apenas grupos de moradores do Brasil, desconfio seriamente disso – não vai perder a oportunidade de dar continuidade a ele e vai endurecer. Essa é uma consequência que me atemoriza, mas que eu não posso deixar de ver.
Agora, tem uma segunda consequência: é a retomada das forças populares. Não vou dizer forças de esquerda, mas forças populares que ficaram abafadas pelo lulismo e que agora retomam de dentro do lulismo implodindo o lulismo. Isso está sendo uma retomada de organização popular e que tem Lula como a grande bandeira, mas que não é uma retomada lulista. Acho que essa é uma novidade muito boa e auspiciosa.
Gustavo Gindre | Foto: Rede mobilizadores
Gustavo Gindre, graduado em Jornalismo pela Universidade Federal Fluminense - UFF, pós-graduado em Teoria e Práxis do Meio Ambiente, mestre em Comunicação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ e doutorando em História das Ciências, das Técnicas e Epistemologia pela mesma universidade. Seu depoimento foi enviado por escrito à IHU On-Line, via redes sociais, na tarde de quinta-feira, dia 11-5.
IHU On-Line – Que avaliação faz do episódio do depoimento do ex-presidente ao juiz Sérgio Moro?
Gustavo Gindre – Do ponto de vista jurídico, foi uma mera oitiva de um réu, que depois poderá ou não ser considerado culpado. Mas todos sabemos que o evento ganhou conotações políticas. E ambos os lados se empenharam para que isso ocorresse. Lula e o PT vêm buscando reduzir a Lava Jato a uma mera perseguição política e aproveitaram o depoimento para promover um ato público de apoio à candidatura de Lula em 2018. Mas Moro também permitiu a instrumentalização da Lava Jato por interesses políticos e a sua transformação em celebridade. Sendo assim, para além da questão jurídica, o que aconteceu ontem foi um embate político. E, nesse embate político, me parece que Lula se saiu. Mas, de um ponto de vista mais amplo, essa polarização me parece péssima, porque permite que toda a discussão sobre a captura do Estado por interesses privados (que é a origem da corrupção) termine secundarizada em uma guerra de claques.
IHU On-Line - Quais as implicações políticas desse depoimento?
Gustavo Gindre – Esse depoimento me parece um elemento central na conformação do cenário eleitoral de 2018. Não acho que seja possível julgar Lula até em segunda instância. Portanto, é bem provável que ele venha a ser candidato a presidente. E a polarização o ajuda a ser o candidato de todos os setores progressistas (ainda que, na prática, ele venha a se aliar a uma parte da direita, como o senador Renan Calheiros). Para esse campo político, Lula funciona como uma espécie de Dom Sebastião, cuja volta tende redimir a todos. De outro lado, a direita que não vier a se aliar a Lula precisa construir um anti-Lula que, por tabela, seja também um anti-político. Por exemplo, um “técnico” ou um empresário “bem sucedido”. Esse discurso tenderá a igualar esquerda com corrupção e também vai apostar na polarização. [João] Doria [prefeito de São Paulo] pode vir a ser o nome para encarnar o anti-Lula.
Meu maior receio no meio disso tudo é que as reformas propostas pelo governo Temer (e seus terríveis impactos sociais) acabaram ficando em segundo plano.
Henrique Costa | Foto: Arquivo Pessoal
Henrique Costa é mestre em Ciência Política e graduado em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo - USP. As respostas abaixo são parte da entrevista que Costa concedeu à IHU On-Line por telefone, a qual será publicada na íntegra na próxima semana, no dia 17-05-2017, data em que ele estará presente no Instituto Humanitas Unisinos – IHU, participando do ciclo “A reinvenção da política no Brasil contemporâneo”, com a palestra “A reinvenção da política e da esquerda. Um olhar a partir das periferias”.
IHU On-Line – Que avaliação faz do episódio do depoimento do ex-presidente na Lava Jato e quais são as implicações políticas disso?
Henrique Costa – Considerando toda a mobilização feita em torno do depoimento, me parece claro que os movimentos sociais estão nessa canoa e não vão sair dela. É claro que o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra - MST tem suas tensões e ambiguidades, e o [João Pedro] Stédile, por mais que seja uma figura de relevo dentro do movimento, não é unanimidade; nesse sentido, a figura do Lula consegue agregar as pessoas no movimento. A ideia de que o movimento social não tenha outra perspectiva além dessa, vem do fato de que o MST e o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto - MTST, durante os governos do PT, viraram gestores de políticas públicas e deixaram de ser movimentos sociais em boa medida. Embora ainda tenha uma certa base que quer outro projeto, esse lado tem diminuído, dado esse papel assumido pelos movimentos, de se tornarem gestores das políticas públicas, gestores de assentamento. Os governos Dilma e Lula tinham projetos sociais que eram desenvolvidos através do MST, e eles desenvolviam essas políticas. Nesse sentido, me parece que manter essa parceria com o governo federal e com o PT no poder é essencial para a sobrevivência desses movimentos. Então, eles não vão deixar de apoiar o Lula. Também me parece claro que o MST, em especial, tem muito claro que a sua sobrevivência depende, em grande medida, da existência de um governo do PT. Não existindo um governo do PT, eles acreditam que podem deixar de existir. É um raciocínio que não é de todo ilógico.
Lula tem sido cercado de uma grande espetacularização que visa especialmente não entrar nos temas que são essenciais para a questão da investigação. Tanto o modo como o petismo está tratando a questão da Lava Jato, como a postura dos investigadores e do poder da lei, estão sendo cercados de uma espetacularização que tem em vista 2018. Isso acaba tirando a seriedade da questão na medida em que – ao que parece – a questão em jogo deixa de ser se Lula cometeu um crime ou não, se fez lobby com as empreiteiras ou não fez; tudo parte dessa grande espetacularização que virou a política brasileira.
IHU On-Line – Muitos percebem equívocos na Lava Jato, alegam que ela extrapola o princípio de presunção de inocência ao manter algumas pessoas presas, embora o juiz Sérgio Moro contra-argumente que as prisões são necessárias para não atrapalharem a investigação. Como você está analisando o desenvolvimento da Operação de modo geral, visto a concessão de liberdade para Dirceu e Eike Batista recentemente e a possibilidade de uma delação de Palocci?
Henrique Costa - Um dos argumentos mais fortes que o PT tinha, perdeu força: o de que a Lava Jato era destinada a destruir o partido. Na medida em que políticos de todos os partidos estão envolvidos, fica difícil contra-argumentar que o projeto da Lava Jato tem essa finalidade. Pode-se dizer que a Lava Jato ajudou a derrubar Dilma. Não dá para negar que Dilma foi afetada por esse fato, apesar de que não dá para dizer que ela caiu somente por conta disso. Para mim, ela caiu por causa da crise econômica.
De fato, a Lava Jato tem suas ambiguidades, mas na verdade essa conversa é um tanto burocrática e não é feita em outros âmbitos. Por exemplo, discute-se agora a presunção de inocência, se prisão é provisória, e se diz que a pessoa não pode ser presa porque não foi julgada etc. Entretanto, os dados mostram que, dos aproximadamente 500 mil presos no Brasil, pelo menos uns 200 mil desses são presos provisórios e ninguém está preocupado com eles. Então, me parece que tem um certo oportunismo nessa discussão, porque se é para liberar um, então tem que liberar todos os outros que estão ocupando cadeia ilegalmente.
As pessoas tendem a se sensibilizar com isso. Por mais que o PT queira se fazer de vítima, a população tende a vê-lo como mais um elemento da política viciada brasileira, ou seja, o PT perdeu a sua autoridade moral para se colocar à parte da corrupção, do setor podre da política. As pessoas veem o PT como parte dessa política e o PT de fato fez parte dessa política; essa é a questão, e isso não é uma coisa que o partido possa negar. O PT geriu esse sistema por 13 anos e foi parte do arranjo institucional que deu na Operação Lava Jato. Por todas as questões que possam ser postas à Lava Jato, não se pode negar que várias das coisas que a Operação aponta, de fato, acontecem: ninguém nega, por exemplo, que fez caixa 2.
Veja o caso do Lula: o caso do Lula está sendo atropelado? Foi provado algo contra o Lula? Ele merece ser preso? Não se provou, mas não dá para negar que o Lula fez lobby com as empreiteiras, ou seja, ele tinha uma relação muito questionável com esses setores e isso está provado e não dá para negar. Ele mesmo admite isso por outras vias. Ele recebeu favores e tenta dar uma legitimidade republicana a isso, o que é completamente absurdo. Então, por mais que o Lula não possa ser incriminado efetivamente, está claro que tanto o Lula quanto o PT estão envolvidos. Se o [Antonio] Palocci estiver disposto a fazer a delação, ela será significativa porque ele poderá entregar um esquema.
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Lula no centro do palco da Lava Jato. Reflexões sobre os desdobramentos do “depoimento de Curitiba” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU