29 Outubro 2015
“A grande estratégia que está por trás dessas tentativas de derrubar a presidente é impedir um quinto mandato”, afirma o sociólogo.
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Na interpretação de Benedito Tadeu César, o “erro político” do PT foi apostar na reeleição da presidente Dilma, “porque em um momento de esgotamento do ‘modelo de desenvolvimento’, manter a presidente foi uma estratégia de risco”. Pesquisador da história e trajetória do PT na política brasileira, o sociólogo pontua ainda que se Dilma foi “a saída escolhida por Lula porque a candidatura dela não implodiria o PT, por outro lado, ela também não tem a característica de trazer para junto dela pessoas que possam agregar, e, mesmo dentro do PT, ela não tem essa força de agregação interna”.
César aposta que a menos que “ecloda um grande escândalo no qual Dilma esteja envolvida”, a presidente continuará seu mandato, e considera que o momento de “destituí-la passou, porque o PMDB e o PSDB não chegaram a um acordo na partilha do espólio”.
Benedito Tadeu César é graduado em Ciências Sociais pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Rio Claro, mestre em Antropologia Social pela Universidade Estadual de Campinas – Unicamp e doutor em Ciências Sociais pela mesma universidade. É professor aposentado da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS.
Confira a entrevista.
IHU On-Line - Como o senhor analisa o atual momento brasileiro, de crise política? Quais as razões dessa crise e quais os aspectos centrais que devem ser considerados ao analisá-la?
Foto: jornalismob.com
Benedito Tadeu César – Trata-se de uma crise política. Óbvio que há aspectos econômicos, sim, porque estamos em meio a um período de desaceleração do crescimento, há uma crise mundial – que chegou finalmente ao Brasil - e há um certo esgotamento das políticas anticíclicas que foram adotadas durante o período do governo Lula e também no primeiro governo Dilma. Isso provocou o ajuste fiscal, como é recorrente acontecer quando se utilizam políticas anticíclicas. Entretanto, a crise econômica não tem a dimensão que tem sido dada tanto pela oposição quanto pela mídia. Acredito que a oposição, nos moldes brasileiros, é uma oposição destrutiva porque não tem nenhuma perspectiva de apontar novos caminhos.
Há um inconformismo das forças de oposição com relação à derrota eleitoral, porque os políticos da oposição acreditaram na possibilidade de vencer as eleições e, na etapa final, perceberam que tinham perdido. A partir daí, a oposição tem tentado, de todas as maneiras, desestabilizar a presidente eleita, com ações no Tribunal Superior Eleitoral, no Tribunal de Contas da União e na Câmara Federal.
Essa situação é agravada pelo fato de que a atual presidente não conseguiu compor uma equipe, porque não tem traquejo político e não tem capacidade de negociação. Nas últimas semanas parece que ela começou a encontrar um rumo em termos de articulações políticas. Isso decorre de uma disputa de posições e de projetos que vêm de séculos no Brasil. Todas as vezes que se tentou alterar o padrão oligárquico de desenvolvimento, que é não-nacional, que é dependente do capitalismo e dos grandes capitais internacionais, isso provocou profundas crises no Brasil. Se formos verificar, isso acontece desde o período do Império.
“Há um inconformismo das forças de oposição com relação à derrota eleitoral” |
IHU On-Line – Que fatores têm dificultado a capacidade de articulação no segundo mandato? O que mudou do primeiro para o segundo mandato, se antes a presidente tinha mais articulação política?
Benedito Tadeu César – A articulação política que havia no primeiro governo Dilma foi construída ao longo do governo Lula, através do que podemos denominar de um pacto informal entre capital, trabalho, movimentos sociais, empresariado nacional e as forças da sociedade civil que não eram ligadas ao empresariado. O planejamento econômico do governo Lula também marca essa relação, quando Henrique Meirelles foi indicado para o Banco Central. Nessa época houve uma reação dos segmentos de esquerda e dos movimentos populares contrários à indicação dele – parecida com a atual reação em relação a Joaquim Levy -, mas José Dirceu, que era o chefe da Casa Civil naquele momento, disse uma frase que sintetiza tudo: “Não dá para dar cavalo de pau em transatlântico”. Ou seja, Dirceu reforçou a proposta que já vinha da Carta aos brasileiros, de que o governo não iria alterar o modelo econômico.
A partir daí, com a economia estabilizada, o governo Lula deu início a políticas sociais, desenvolveu uma política de incentivo ao consumo, de distribuição de renda e de valorização salarial, e tudo isso produziu um salto fantástico de inserção social e de desenvolvimento do país. Ele retomou coisas que haviam ficado para trás no segundo Plano Nacional de Desenvolvimento do governo Geisel, que foi o último ciclo de desenvolvimento e de inversão em obras de infraestrutura que o Brasil tinha conhecido até então.
Nesse momento, um novo ciclo começou no Brasil com o governo Lula e isso produziu uma ascensão social muito forte no país: cerca de 60 milhões de pessoas ascenderam socialmente, mais de 20 milhões saíram da linha da miséria. Portanto, foi quase uma revolução se pensarmos que 60 milhões de pessoas é o equivalente à população da França. Essas mudanças criaram uma satisfação com o governo; além disso, Lula, tendo uma capacidade de negociação, criou o Conselho de Desenvolvimento Econômico-Social, e no seu governo criou-se uma série de fóruns de consultas e canais de diálogo, tanto com o empresariado quanto com a classe trabalhadora e os movimentos populares. O mensalão, de outro lado, também foi uma expressão dessa negociação: precisava trazer aliados para poder fazer mudanças no plano social, e aí, se não há maioria, precisa comprar a maioria. Se à época havia algum projeto de mudar a política econômica — isso nunca foi explicitado —, acredito que foi abortado com o aparecimento do mensalão.
Quando Dilma assumiu o governo, ela não teve essa capacidade de diálogo que o Lula teve e não montou equipes com capacidade de diálogo. Outro marco importante dessa situação é o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social – CDES — o chamado “Conselhão”. Ele nunca teve um papel efetivo, mas havia uma preocupação da direção e da secretaria do Conselho para que em cada reunião nunca se repetissem as mesmas bancadas de participantes, para que empresários, representantes dos movimentos populares, sociais e sindicalistas se conhecessem, pudessem dialogar entre si. Isso parece pouca coisa, mas não é, pois esse tipo de articulação tem uma capacidade de “criar pontes” importantes.
Se formos buscar no organograma do governo federal onde está o “Conselhão”, veremos que ele virou uma subsecretaria da Casa Civil da Presidência da República e perdeu o status de Ministério, ou seja, hoje o “Conselhão” é algo obscuro, virou um órgão de consultoria secundário. Acredito que isso mostra a não preocupação do governo atual em manter situações de diálogo. Entretanto, essa situação já vem ocorrendo ao longo do primeiro mandato da presidente Dilma, ao mesmo tempo que ocorreu o esgotamento das políticas anticíclicas e os desequilíbrios fiscais.
IHU On-Line – Dilma quis alterar o padrão de desenvolvimento?
Benedito Tadeu César – Dilma tentou fazer isso entre o primeiro e o segundo ano do seu governo, quando começou a baixar a taxa de juros interna. Se lembrarmos, a taxa chegou em 7,5% — é a menor taxa Selic da história brasileira. Havia — e há — um dogma entre os economistas liberais de que era impossível haver taxa Selic a menos de 10% no Brasil. Luís Nassif disse que isso é uma “jabuticaba brasileira estragada”, porque jabuticaba é algo que só dá no Brasil. Mas não existe nenhuma justificativa econômica que explique essa história de que não dá para baixar a taxa Selic a menos de 10% no Brasil. Dilma forçou a barra, baixou a taxa, os juros do consumidor, os juros bancários para pessoa física, usou os bancos públicos para fazer isso — tanto a Caixa Econômica Federal quanto o Banco do Brasil —, e no plano industrial fez o mesmo com o BNDES, usando o banco para financiar o empresariado de maneira seletiva, como age qualquer governo que faz política anticíclica, ou seja, escolhe os setores que considera que são estratégicos.
Isso levou a uma mudança de perfil econômico e de perspectiva de desenvolvimento. De um lado, não há uma resposta efetiva do empresariado brasileiro, porque a taxa de juros continua elevada. Além disso, muitas pessoas que pegaram dinheiro público, em vez de aplicarem esse valor na produção, aplicaram no mercado financeiro. Então, essa política não produziu o efeito econômico que se esperava.
O Brasil é o sexto destino mundial de investimento internacional, ou seja, o capital internacional acredita e investe no Brasil — não estou falando em investimento especulativo, e sim em investimento direto —, mas não há um empresariado nacional que tenha essa mesma perspectiva. Ao mesmo tempo, o aumento do salário mínimo repercute sobre toda a economia e sobre toda a cadeia salarial. Além disso, o movimento de ascensão social gerou um aumento de consumo e de expectativa muito grande daqueles que ascenderam socialmente, assim como gerou uma reação muito forte da antiga classe média, que se sentiu incomodada, e do empresariado, que se sentiu duplamente incomodado quando teve de pagar melhor seus empregados, porque não há a percepção do empresariado nacional em ampliar o mercado consumidor.
De outro lado, as oposições não têm uma concepção de desenvolvimento nacional autônomo ou com grau de autonomia mais alto. Se avaliarmos o governo Fernando Henrique, quando ele tinha mais de 3/5 do apoio do Congresso — porque fez alianças à direita —, uma das coisas que ele mudou na Constituição Federal foi a concepção de indústria nacional: não existe mais o conceito de indústria nacional, ou seja, qualquer indústria instalada no Brasil é considerada indústria nacional, não importa de onde ela seja. Mas quando a Dilma tentou mexer em alguns pontos, o fez de maneira atabalhoada, não construiu parcerias, não fez alianças nem com o empresariado nacional nem com os movimentos sociais. Ela não manteve o diálogo, colocou em segundo plano os conselhos, não fez alianças no Congresso, e foi perdendo força, por isso chegou ao auge dessa situação ainda no final do mandato anterior.
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“O PT sempre foi uma grande confederação de tendências e de projetos, sempre houve muita disputa interna dentro do partido” |
IHU On-Line – Então, o senhor avalia que a presidente teve boas intenções em relação à economia, mas não conseguiu colocá-las em prática?
Benedito Tadeu César - Não vou dizer que as intenções eram boas porque isso é um juízo de valor, mas ela tinha um projeto diferente do padrão estabelecido até então. O que parece ocorrer é que a presidente Dilma faz isso de maneira atabalhoada, porque ela não tem um perfil de negociação; todo mundo que a conhece sabe disso. Ela não tem um histórico político de negociador, a sua trajetória política é de enfrentamento — ela vem da luta armada. Não tenho nenhuma crítica a isso, só estou constatando, porque a luta armada era uma organização de enfrentamento, legítima, mas não era de negociação. Ela nunca teve cargo eletivo, todos seus cargos de governo foram cargos executivos, então, faltou a prática da negociação, que é fundamental para aprender como negociar na Câmara e no Congresso.
IHU On-Line – Então tanto o primeiro quanto o segundo mandato da presidente foram escolhas equivocadas?
Benedito Tadeu César - Creio que Dilma foi uma escolha pessoal do Lula, não uma escolha do PT. Tenho essa impressão, mas é pura dedução, porque nunca perguntei ao Lula. Estudei o PT durante muito tempo, e a leitura que faço é de que todas as grandes lideranças do PT que tinham tanto trânsito interno - capacidade de unificar o partido internamente - quanto trânsito externo - capacidade eleitoral - foram abatidas ao longo do governo Lula: José Dirceu, Antônio Palocci etc. Qualquer pessoa que o Lula escolhesse, se fosse ligada a qualquer tendência interna do PT, não teria peso político suficiente para unificar o partido. Creio que ele fez a opção da competência administrativa: Dilma é mulher, isso é um atributo importante porque marca uma mudança e é alguém que vem da luta de resistência contra a ditadura e que tinha, aparentemente, uma alta capacidade de gestão.
Como a economia estava “bombando”, acredito que ele fez uma leitura de que a economia continuaria bem, e como ele tinha 80% de aprovação popular, mesmo que a aprovação caísse ao longo do governo Dilma, havia uma grande possibilidade de a economia continuar funcionando bem. Talvez o erro político e estratégico — se é que se pode dizer isso — foi ter partido para o segundo mandato da presidente Dilma, porque em um momento de esgotamento do “modelo de desenvolvimento”, manter a presidente foi uma estratégia de risco.
IHU On-Line - O PT tinha outro candidato que pudesse substituir Dilma?
Benedito Tadeu César - Essa é a questão. Por isso não dá para dizer que foi uma escolha errada, porque se não fosse ela, quem seria? Inventariam outro candidato?
Não foram criados quadros novos no PT, mas na realidade existe uma crise de liderança que não é exclusividade do PT. Que novos líderes efetivos existem? Estamos em um momento de “entressafra”, porque temos uma geração que combateu a ditadura, que se expressou e se firmou a partir do enfrentamento da ditadura e na construção do regime democrático, mas essas pessoas estão com 60, 70 anos. Os velhos caciques não querem ceder lugar aos novos; esse processo é demorado. Isso também é agravado pelo fato de que a forma institucional “partido político” está em crise no mundo inteiro. Já na década de 1980, quando no mundo inteiro os partidos estavam despencando, no Brasil eles estavam se constituindo efetivamente.
IHU On-Line - Qual é ou foi o projeto político do PT?
Benedito Tadeu César – O PT surge congregando vários segmentos sociais e políticos: setores da esquerda tradicional, do sindicalismo e minoritariamente alguns setores ligados à esquerda clandestina de resistência à ditadura, um grupo de intelectuais relativamente independente, mas com expressão pequena. O PT sempre foi uma grande confederação de tendências e de projetos, sempre houve muita disputa interna dentro do partido e, de certo modo, ele inovou no plano mundial da esquerda, abandonando aquela ideia do centralismo democrático onde há uma resolução, um projeto e todo mundo tem de segui-lo. O PT considera legítimo que haja diversas tendências dentro dele, e impõe normas, mas essas tendências disputam a hegemonia dentro do partido.
No Congresso do PT em 1991, pela primeira vez houve uma tentativa de definir parâmetros ideológicos do partido no sentido de dar unicidade a ele. Mas existiam no PT desde pessoas de tendências de extrema esquerda, que acabaram saindo e se consolidando no PSTU e na Causa Operária e, posteriormente, outros migraram para o PSOL, um partido que não é tão à esquerda assim. Mas no PT também existem pessoas ligadas a uma esquerda cristã e o pessoal social-democrata, ligado aos sindicatos. Portanto, há um espectro muito grande.
No Congresso de Belo Horizonte, realizado no início dos anos 2000, quando foi traçada a estratégia da campanha vitoriosa do Lula, se percebeu que se o partido não fizesse alianças, não chegaria ao governo. À época, José Dirceu foi quem comandou e executou esse processo, dando uma isolada nos grandes setores de esquerda. Para fazer esse acordo, foi necessário tirar a discussão sobre socialismo do projeto do partido, mas para não gerar um racha o PT fez um acordo com a sua base, tirando o tema da pauta, mas falando de um socialismo possível, ou seja, aquilo que era consensual entre as diversas tendências internas.
Depois disso veio a Carta aos brasileiros, em plena campanha eleitoral do Lula, que foi uma admissão pública, principalmente ao empresariado, de que se o PT chegasse ao governo, não mudaria abruptamente o modelo econômico e abriria mão de buscar o socialismo. Essa foi uma mudança profunda, porque durante os anos 1990 várias resoluções do PT afirmavam uma expressão recorrente: “nós não vamos administrar o capitalismo”. Bom, mas a Carta aos Brasileiros foi a admissão de que sim, o partido passaria a administrar o capitalismo.
“À época o PT e o PSDB estavam em articulação para fazer uma chapa comum, de centro para a esquerda, mas não chegaram a um acordo de quem seria
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Essa mudança foi o preço que se pagou para chegar ao poder: ou se faz uma revolução — não estou fazendo juízo de valor, se é bom ou ruim —, ou se joga o jogo democrático, dentro das regras que estão dispostas. Se há a convicção de que a revolução não é o caminho, se opta pela via democrática. E as regras que estão dispostas são as de perpetuação de poder.
Se fizermos um retrospecto histórico, nunca houve nenhum presidente da República no Brasil que terminou o mandato sem ter maioria parlamentar. Fernando Henrique se deu conta disso quando foi feita a pesquisa chamada “Terra incógnita”, pelo Centro Brasileiro de Análise e Planejamento – CEBRAP, em 1991. Até então ninguém tinha estudado o comportamento do Congresso Nacional pós-reabertura e não se sabia qual era o padrão de comportamento do eleitorado. Havia uma crença de que os eleitores votavam sem fidelidade partidária, mas verificou-se que havia, sim, um padrão eleitoral, tanto que os partidos podiam ser colocados em um espectro de direita/esquerda, e eles se comportavam razoavelmente dentro desse padrão e seguiam a orientação dos líderes partidários.
Com o resultado dessa pesquisa, FHC percebeu que se fizesse uma aliança do centro para a esquerda, ele não teria maioria, ou seja, não governaria. Então, viu que era preciso fazer alianças à direita, e foi o que ele fez. À época o PT e o PSDB estavam em articulação para fazer uma chapa comum, de centro para a esquerda, mas não chegaram a um acordo de quem seria “cabeça de chapa”, porque ninguém queria abrir mão, nem o PT nem o PSDB. E com essa pesquisa em mãos, eles perceberam que não adiantava fazer um acordo à esquerda, tinham de fazê-lo à direita. Quando veio o Plano Real e a candidatura do Fernando Henrique explodiu, se percebeu que o jogo estava feito e o PSDB adicionou o PFL e, depois de eleito, o PMDB. Com isso, Fernando Henrique acabou tendo mais de 3/5 do apoio do Congresso Nacional, e por isso conseguiu passar o primeiro governo com total tranquilidade, podendo fazer o que bem entendia. Já não teve essa grande facilidade no segundo mandato porque veio a crise, estourou a cotação internacional do Real, e veio a candidatura do Lula, que ganhou a eleição, mas não tinha maioria no Congresso, porque o perfil de governar com a direita não tinha mudado, como não mudou até hoje, em que a esquerda e o centro não são suficientes para compor a maioria.
Acredito que Lula cometeu um erro estratégico muito grande no começo do primeiro mandato, quando não deu ministérios ao PMDB num primeiro momento. Ele achou que poderia fazer a costura com os pequenos partidos, como o PTB e outros. José Dirceu tinha negociado com o PMDB, dizendo que iria compor o ministério do presidente Lula, só que quando Lula anunciou os novos ministros, não deu cargos ao PMDB. A partir disso, o que foi preciso fazer? Comprar apoio. Se conversarmos com pessoas que já participaram de composição de governos com o PTB, elas dirão o seguinte: o melhor partido para negociar é o PTB, porque eles não discutem projeto, eles discutem cargos.
IHU On-Line – O que o senhor está dizendo é que o projeto de todos os partidos é única e exclusivamente se manter no poder?
Benedito Tadeu César – O projeto de todos eles é de se manter no poder. A ciência política diz isso muito claramente. Qual é o primeiro projeto de qualquer político? Renovar o seu mandato ou porque ele tem um grande projeto ou porque tem um projeto pessoal, mas ao final, essa é a vida dele. Esquecemos que essas pessoas são cidadãos como nós, e assim como temos de manter nossos empregos, o emprego deles é ser político.
Por isso sou muito resistente a fazer críticas ao mensalão — é claro que tem a corrupção que está colocada e é preciso mudar essa situação, mas ela é histórica. O próprio Fernando Henrique disse, nos últimos dias, que durante o governo dele já sabia sobre a corrupção na Petrobras, mas resolveu não mexer nisso, porque tinha outras coisas em mente. É muito importante coibir a corrupção, mas por que ela vem à tona agora e não veio antes? Porque agora incomoda. Roubar para colocar dinheiro em contas na Suíça para manter o padrão histórico de dominação, tudo bem. Mas se isso é usado para um projeto de poder, de alteração desse padrão que se repete, aí incomoda e por isso é necessário combater.
Acredito que é isso que ocorre hoje. Não estou justificando a atuação do PT, mas temos que olhar por esse lado: por que explodiram todos esses escândalos? Por um lado tem o aparelhamento da Polícia Federal, o prestígio e o aparelhamento do Ministério Público, que ocorreu durante o governo Lula. Isso é fruto da Nova Constituição, mas quantos anos haviam passado e ninguém tinha mexido nisso? É a partir do governo Lula, com Márcio Thomaz Bastos, que muda a atuação da Polícia Federal e, de certa forma também, a atuação do Ministério Público. Então, criaram-se condições para esse combate, que antes não existiam. Mas ao lado disso, não sejamos ingênuos, porque disputa política existe em todo lugar, seja na Polícia Federal renovada, como tinha antes, seja no Ministério Público ou no Supremo Tribunal Federal. Ninguém aplica e administra a lei e a justiça com total isenção; a política está entranhada em tudo.
IHU On-Line - Como o quadro político está composto hoje? Quais são as forças políticas que estão em cena? Elas estão disputando um projeto político ou estão unidas por ele?
Benedito Tadeu César – Estamos passando por um momento complicado, mas existem traços de grandes projetos, sem dúvida. Como padrão, existem dois grandes projetos que historicamente atravessam a nossa cultura política. Apesar da ideia de que o Brasil só se desenvolve se tiver uma inserção subalterna no plano internacional, ou seja, precisa atrair capitais internacionais porque não tem poupança interna suficiente para produzir o desenvolvimento — o que de certa forma é correto, porque cada vez mais a injeção de capitais é necessária para ter um desenvolvimento, então não se pode abrir mão do capital internacional —, de outro lado existe uma ideia de que é possível, sim, um desenvolvimento nacional relativamente autônomo.
A grande questão colocada no Brasil é de um desenvolvimento relativamente autônomo, nacional-desenvolvimentista — para resgatarmos o jargão de 1960 — ou um desenvolvimento capitalista dependente-associado. Essa visão liberal, que chamo de “liberal dependista”, tem articulações, elaborações, um corpo teórico e uma intelectualidade orgânica. O PT tem um grande problema — estou falando da esquerda e do PT porque o PT é a grande expressão da esquerda social-democrata; aliás, se eu dissesse isso no PT há alguns anos, seria execrado, porque ser social-democrata era um grande crime dentro do partido —, no sentido de ter uma dificuldade muito grande de agregar, conviver e incorporar a produção intelectual, ou seja, há um anti-intelectualismo muito forte no PT e, às vezes, o partido se deslumbra com coisas que ocorrem à direita, ou seja, ele é contra a direita, mas de repente descobre um economista liberal ou um marqueteiro que vira o guru do partido. Portanto, falta habilidade para elaborar um projeto alternativo ou um projeto efetivo no partido.
Dilma tentou fazer algumas coisas diferentes, mas cá entre nós, apesar de ser economista, ela não tem nenhuma capacidade de elaboração e, como presidente da República, nem lhe compete fazer isso porque ela tem outras preocupações. A equipe que ela montou no segundo governo não tem nenhuma capacidade de elaboração política em termos democráticos e de negociação. Pepe Vargas e Miguel Rossetto são grandes figuras, mas não têm traquejo e capacidade de elaboração política no sentido de agregar e buscar caminhos; são pessoas muito mais de enfrentamento, porque a própria tendência política da qual eles fazem parte no PT é uma tendência que tem raiz trotskista, que não está primando pela negociação política. E quanto à Dilma, se ela foi a saída escolhida pelo Lula porque não implodiria o PT, por outro lado, ela também não tem a característica de trazer para junto dela pessoas que possam agregar, e, mesmo dentro do PT, ela não tem essa força de agregação interna.
“Quem o PT teria para esse quinto mandato é uma incógnita, porque há uma crise de lideranças” |
IHU On-Line - Que desfecho vislumbra para essa crise?
Benedito Tadeu César – A Dilma não vai cair, a menos que ecloda um grande escândalo no qual ela esteja envolvida. Em relação às acusações de pedalada fiscal, o próprio Supremo já deu sinais de que não vai permitir o impeachment. Creio que o momento de destituí-la passou, porque o PMDB e o PSDB não chegaram a um acordo na partilha do espólio. Dentro do PSDB há disputas e interesses diferenciados: para o Aécio, Dilma precisava perder o mandato nos dois primeiros anos para que houvesse novas eleições, e quanto antes ela caísse, melhor seria, porque ele ainda tinha o recall das últimas eleições; no quadro colocado hoje, ele não tem chance nas próximas eleições, pois neste quadro o grande candidato do PSDB é o Geraldo Alckmin, e para ele não interessa tirar a Dilma agora, mas a partir do segundo ano de mandato. Para o Serra, que é outro possível candidato, os interesses são os mesmos de Alckmin. Para o Michel Temer não interessa tirar a Dilma agora, senão ele cai junto, porque tem que impugnar a chapa, então ele precisaria que ela caísse depois do segundo ano.
Se Dilma não conseguir recompor sua base parlamentar, se manterá esse crescente tensionamento: num momento parece que o governo vai explodir, depois a tensão diminui, a crise mais geral passa e acham que Dilma poderá governar, mas depois de uns dias de calmaria começa tudo outra vez, e ela não consegue sair do lugar. A tática hoje é mantê-la emparedada para tirá-la a partir do terceiro ano de governo, quando os efeitos do ajuste fiscal estarão repercutindo e o país começará a sair desse processo de desaceleração.
Como há um processo de desaceleração na economia, é necessário fazer ajustes, mas isso produzirá efeitos somente daqui um ano e meio ou dois, então, para que tirar a Dilma agora? Se alguém entrar nesse momento, irá se desgastar. Se for para tirá-la, o melhor é que seja na segunda metade do mandato, porque a grande estratégia que está por trás dessas tentativas é impedir um quinto mandato. Agora, quem o PT teria para esse quinto mandato é uma incógnita, porque há uma crise de lideranças. Talvez o próprio Lula, mas não sei se ele teria saúde, idade e disposição, vamos ver o que acontecerá.
Por Patricia Fachin
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Crise política: a estratégia do tensionamento. Entrevista especial com Benedito Tadeu César - Instituto Humanitas Unisinos - IHU