15 Dezembro 2016
Para Andrea Riccardi, fundador da Comunidade de Santo Egídio, muito próximo do Papa Francisco, a eleição do populista Trump e o crescimento das tendências identitárias tornam a voz bergogliana ainda mais indispensável.
A entrevista é de Marie Lemonnier, publicada por Bibliobs Nouvelobs, 11-12-2016. A tradução é de Ramiro Mincato.
Eis a entrevista.
Lembramos a tempestade política armada pelo Papa Francisco, no mês de fevereiro, quando afirmou, a propósito de Donald Trump e do projeto de construir um muro anti-imigração na fronteira com o México: "uma pessoa que só pensa em construir muros, e não, pontes, não é cristã". Que consequências pode ter Trump para o pontificado de Bergoglio?
Entre o Papa e o novo "Imperador" há bem mais do que uma disputa pessoal, há uma grande lacuna subjacente. O paradoxo é que a eleição de Trump torna ainda mais difícil o papel do papa: a sua é outra voz indispensável, não só para os cristãos, mas para todos os democráticos. No entanto, não podemos esquecer que 52% dos católicos norte-americanos e vários bispos deram o seu voto a Trump. Isso revela em que medida a totalidade do catolicismo não está unida por detrás deste papa. Se houvesse hoje uma votação dos bispos, não sei se o papa seria reeleito! Seus opositores na Igreja dizem que é "o papa dos não-crentes". Um pouco, é verdade. Mas o povo está com ele, as audiências gerais, em Roma, são mais frequentadas do que antes. Ele faz seu trabalho de evangelizador e tornou-se um profeta: sai, fala de sua fé, enfrenta os problemas atuais em diálogo pessoal com o mundo. Esta é a revolução bergogliana. Francisco não é apenas o Papa dos não-crentes, é o papa dos fiéis que vivem no mundo, e não dos puros e duros trancados numa preguiçosa psicologia de minoria.
De fato, hoje, qual é o risco?
A do nacional-catolicismo. Olhe, por exemplo, a Hungria, onde o cristianismo se torna o centro da identidade nacional ... Neste período "trumpista", estão mais do que nunca em favor de Francisco.
"Ir às periferias” é a primeira palavra de ordem do papa. É também o convite que o senhor faz em seu novo livro. Por que as periferias, geográficas ou simbólicas, são os lugares onde se delineiam, na sua opinião, o futuro da Igreja Católica e das nossas sociedades?
Ser periférico significa estar numa situação de pobreza, de recursos ou de relações. No século passado, as periferias eram subdesenvolvidas mas ainda eram habitadas pela presença da Igreja, do Partido Comunista, dos sindicatos, isto é, pelos "veículos" através dos quais podiam expressar seus sentimentos, dramas, raiva. Agora, essas áreas são desertas: o Estado se afastou, o Partido Comunista está morto, e as paróquias estão desaparecendo como a neve ao sol. As pessoas estão sós; algumas expressam sua revolta no voto populista ou no fundamentalismo. Este é o perigo. Consequentemente, temos que re-tecer o tecido humano das periferias, ao invés de retirar-nos na própria bolha e inclinar-nos a um nacionalismo de reação à globalização. A verdadeira derrota da Igreja, a este respeito, foi a renúncia de lutar contra a assim chamada secularização, foi a escolha de agir como se fosse uma minoria identitária. Perder a relação com os pobres, para a Igreja, significa perder uma parte de si mesma. Todos os papas falaram dos pobres, é claro, mas Francisco fala de maneira simples, evangélica e definitiva.
O senhor denuncia essa concepção da Igreja como minoria sitiada. Foi esta mentalidade defensiva e nostálgica que parece ter levado católicos franceses a optarem por François Fillon, por ocasião das eleições primárias da direita. Como o senhor interpreta a volta do eleitorado católico ao primeiro plano?
Acredito que a França seja menos secularizada do que se diz. Não falo na prática religiosa, que engana. Fiquei surpreso, neste verão, pela reação das autoridades e do ambiente secular com a morte do padre Hamel. Ouvimos, então, o Presidente da República Francesa declarar que "quando é atingida uma Igreja, é a República que está sendo profanada". E vi também que a hierarquia Católica teve um papel importante na pacificação da consciência nacional. A imagem do presidente Hollande ao lado do Cardeal Vingt-Trois, na catedral Notre Dame, não era o símbolo da Igreja que batiza a República. Não havia nenhuma confusão, mas não eram nem mesmo duas histórias separadas. A campanha pelas primárias também colocou em evidência o fato de que o Cristianismo continua a ser um ponto de referência, mesmo que de forma ambígua. Quatro cardeais pediram recentemente ao papa, por meio de uma carta tornada pública, que esclarecesse sua posição sobre alguns pontos de conteúdo moral da Exortação Apostólica sobre a família "Amoris Laetitia". Uma coisa nunca vista antes! Alguém chegou a falar de um primeiro ato de impeachment contra Francisco. Esta oposição é um erro enorme para o catolicismo, porque este Papa, que chegou como uma surpresa divina numa igreja em crise, oferece uma chance de sobreviver e levar a cabo sua missão. Não vejo, absolutamente, nenhum Lutero nele. Bergoglio não mudou, de forma alguma, a doutrina católica ou moral, ele simplesmente mudou a perspectiva. É um papa tradicional e, acima de tudo, um verdadeiro católico, no sentido mais profundo e universal do termo. Em minha opinião, é muito menos negligente com relação aos princípios cristãos do que os rigoristas que se mantêm fora do mundo, condenando-o. Francisco não tem espírito de conquista hegemônica, mas quer estar "na mistura". Ele é um homem de visão. Não aproveitar esta oportunidade significa perder o trem da história.
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O risco hoje é o nacional-catolicismo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU