28 Julho 2016
Ele era frágil e idoso: os dois jovens possuídos pelo Isis não tiveram nenhuma dificuldade para dominá-lo. Mas ele era forte, era corajoso: não havia encargo que o fizesse recuar ou que ele considerasse inadequado para si mesmo, aos quase 86 anos de idade. Agora, sem dúvida, o padre Jacques Hamel, o primeiro mártir cristão do Ocidente neste século, diria: "Deus os perdoa, porque não sabem o que fazem".
A reportagem é de Elisabetta Rosaspina, publicada no jornal Corriere della Sera, 27-07-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Certamente eles não sabiam. Não sabiam que aquele fiapo de homem de túnica branca, talvez da geração dos bisavôs deles, era amigo fraterno do imã Mohammed Karabila, presidente do Conselho Regional para o Culto Muçulmano da Alta Normandia. Que agora não tem paz.
Eles também não sabiam, provavelmente, que a mesquita de Saint Étienne-du-Rouvray foi construída justamente em um pedaço de terra que a paróquia em que eles entraram como bárbaros tinha oferecido para a comunidade muçulmana.
Eles também não sabiam, sem dúvida, que naquela mesquita o padre Jacques Hamel tinha participado da cerimônia fúnebre em memória de um muçulmano, Imad Ibn Ziaten, o paraquedista de 30 anos assassinado há quatro anos pelo franco-argelino Mohammed Merah, em uma série de atentados no sudoeste da França.
Eles não sabiam que o sacerdote católico e o religioso muçulmano faziam parte, há um ano e meio, desde que os irmãos Kouachi inauguraram a temporada de sangue na redação parisiense do Charlie Hebdo, de um comitê inter-confessional, no qual se pensava sobre religião e convivência.
Mas, mesmo que o soubessem, os dois assassinos não teriam parado. No seu delírio de onipotência, nunca teriam chegado a compreender a grandeza de um sacerdote de província que acreditava no diálogo entre as religiões, que aceitava com gratidão e boa vontade ser um simples auxiliar do pároco, o padre Auguste Moanda-Phuati, mais jovem do que ele, como um humilde suplente.
"Por que o senhor não descansa, padre?", perguntavam-lhe. Estava aposentado há mais de uma década, poderia se retirar: "Não há padres suficientes, as pessoas ainda precisam de mim", respondia, com um sorriso bem-humorado.
A missa ferial das 9 horas ia bem para ele, quando o "titular" estava envolvido em outro lugar.
Diante do seu pequeno rebanho de fiéis, normandos, mas também imigrantes africanos, ele ficava orgulhoso quando cabia a ele celebrar a missa da manhã de Natal, talvez em uma pequena paróquia vizinha, como a de Santa Teresa.
Na manhã do dia 25 de dezembro de 2009, documentada em um vídeo do INA (Institut National de l'Audiovisuel), vê-se o padre Hamel dando os retoques finais nos preparativos, escolher as músicas, dar outra lição de amor a cerca de 50 paroquianos madrugadores, idosos e famílias pequenas: "Jesus veio para se fazer vulnerável, pobre", dizia o abade. "Jesus veio e está perto de todos aqueles que não têm razões para viver, dos pobres. Não é pouca coisa que o filho de Deus, o Onipotente, se encontre na noite de Natal em um estábulo".
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Ele tinha nascido em 1930, em Darnétal, um município de nove mil habitantes, perto de Rouen. Ordenado sacerdote em 1958, o padre Hamel nunca tinha se afastado muito da sua Normandia, mas não ignorava as tragédias do mundo: "Que nós possamos, em momentos como estes, ouvir o convite de Deus para cuidar deste mundo – exortava –, a fazer dele, lá onde vivemos, um mundo mais fraterno".
Talvez, ele não tinha entendido que a guerra tinha chegado também dentro do seu pequeno mundo antigo de paroquianos que ele tinha casado, dos quais tinha batizado os filhos e abençoado as exéquias: "Ele não pensava que dar a sua vida pela paróquia significaria morrer rezando a missa", é a certeza do vigário da arquidiocese, Philippe Maheut. Mas o padre Hamel não recuaria.
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Jacques Hamel, o padre amigo do imã e dos muçulmanos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU