26 Janeiro 2016
Depois de anos de levantando dúvidas sobre as potenciais falhas dos bispos americanos em suas políticas contra os abusos sexuais clericais, um grupo de ativistas católicos pediu a intervenção do Vaticano.
A reportagem é de Brian Roewe, publicada por National Catholic Reporter, 19-01-2016. A tradução é de Evlyn Louise Zilch.
Catholic Whistleblowers, em um pedido formal de investigação, alegou que a Conferência Episcopal dos Estados Unidos não tem seguido totalmente sua política de tolerância zero para com os padres e diáconos abusivos, em parte porque as suas orientações não têm um mecanismo para assegurar que os bispos enviem os casos necessários à Congregação do Vaticano para a Doutrina da Fé. Além disso, a organização argumenta que a conferência usa concessões mais elevadas do que a lei da Igreja para determinar quais casos requerem a avaliação de Roma.
“De forma deliberada e contínua, a USCCB renega o seu compromisso [de tolerância zero]. A conferência não exerce a liderança necessária para assegurar que conhecidos padres e diáconos praticantes de abusos sexuais sejam removidos da comunidade e que a comunidade seja avisada sobre os padres e diáconos abusivos”, disse Fr. James Connell, canonista e membro da Catholic Whistleblowers, na carta.
A Conferência dos Bispos dos EUA se recusou a comentar sobre a petição, dizendo que desde que ela foi enviada para a Congregação para os Bispos, a conferência posterga ao Vaticano sobre como as questões levantadas serão abordadas.
A carta de 13 páginas, com data de 04 de janeiro, é dirigida ao Cardeal Marc Ouellet, prefeito da Congregação para os Bispos, e foi enviada a mais de 450 bispos norte-americanos. Ela solicita uma investigação formal sobre as práticas dos bispos dos EUA, particularmente as enunciadas na Carta para a Proteção de Crianças e Jovens, ou Dallas Charter (a Carta de Dallas). Como petições anteriores que a Catholic Whistleblowers enviou ao Vaticano, a mais recente cita Cânones de 1389 e 1399 do Código de Direito Canônico, argumentando que a conferência dos bispos dos EUA causou dano e escândalo através das suas políticas e comportamento para lidar com o abuso sexual.
Desde julho, a Catholic Whistleblowers, uma rede de sacerdotes, religiosos e leigos, pediu ao Vaticano para investigar o arcebispo John Myers de Newark, Nova Jersei, e o Cardeal Justin Rigali e Raymond Burke.
Em 2014, ela pediu a revisão do bispo Robert Finn, o então chefe da Diocese de Kansas City-St. Joseph, Missouri, EUA. No último outono, ele se juntou a outras organizações em apelo ao presidente Barack Obama para convocar uma comissão nacional de investigação de todos os abusos sexuais de crianças.
Suas petições seguiram a aprovação do Papa Francisco em junho de um sistema de prestação de contas de cinco pontos para os bispos envolvidos em alegações de abuso. O primeiro ponto diz que “há o dever de relatar todas as queixas” para a congregação do Vaticano apropriada. O sistema também estabelece um tribunal alojado na congregação doutrinal que irá pronunciar-se sobre o abuso dos bispos de escritório referente ao abuso sexual de crianças.
Connell disse ao NCR que, com as petições da Catholic Whistleblowers, pretende assegurar que o tribunal, uma vez formado, tenha trabalho para manter-se ocupado.
“Nós estamos dizendo ‘Sim vocês criaram isto, Deus os abençoe, isto é maravilhoso, agora vamos usá-lo’. E por isso aqui estão os casos que devem ser olhados”, disse ele.
A petição relacionada à conferência dos bispos norte-americanos descreve três grandes preocupações:
A segunda preocupação aborda a diferença entre “provas suficientes” nas políticas de bispos dos EUA e a “aparência de verdade" na lei da Igreja universal.
O sexto ponto das “Normais essenciais para as políticas Diocesanas/Eparquiais que Lidam com Alegações de Abuso Sexual de Menores por Padres ou Diáconos” da Dallas Charter exige uma investigação preliminar de uma alegação. “Quando houver provas suficientes de que o abuso sexual de um menor ocorreu, a Congregação para a Doutrina da Fé deve ser notificada", diz.
Em contraste, Sacramentorum sanctitatis tutela – a lei da Igreja universal promulgada em 2001 pelo Papa João Paulo II e revista em 2010 pelo Papa Bento XVI – estabelece como “delitos graves” (crimes morais, incluindo abuso sexual): “Sempre que o Ordinário ou Hierarca recebe um relatório de um grave delito, que tem pelo menos a aparência de verdade, uma vez que a investigação preliminar foi concluída, ele deve comunicar a situação à Congregação para a Doutrina da Fé”.
Connell disse ao NCR, “provas suficientes de que o abuso ocorreu, estamos dizendo, é um padrão mais elevado para ser cumprido, sem que haja um julgamento”. Ele comparou “aparência de verdade” como semelhante a um grande júri que determina que há provas suficientes para indiciar e avançar para julgamento, mas não necessariamente o suficiente para estabelecer a culpa ou condenação.
Além de estabelecer um empecilho potencialmente maior, a Catholic Whistleblowers diz que as Normas Essenciais dos bispos dos EUA não fornecem nenhuma maneira de garantir que o bispo passe quaisquer casos para a congregação doutrinal, devido à sua colocação fora da parte auditada da carta (charter).
"Como resultado, ninguém investiga para confirmar se todas as alegações de abuso sexual do clero de um menor ou de um adulto vulnerável que devem ser enviadas para o CDF são mesmo enviadas”, Catholic Whistleblowers disse na petição.
“As Normas Essenciais devem ser auditadas”, disse. A petição também pediu:
Muitas das preocupações e recomendações na petição da Catholic Whistleblowers são aquelas que o grupo tem levantado com os bispos no passado, mas com pouco sucesso. A correspondência entre Connell e vários membros de alto escalão da conferência dos bispos desde 2010 dão um vislumbre dos esforços*.
Em agosto de 2011, o arcebispo de Nova Iorque Timothy Dolan, o então presidente da conferência episcopal, confirmou em uma carta que uma série de oito sugestões charter de Connell – em grande parte para aumentar a transparência da auditoria e incluir as Normas Essenciais dentro de seu escopo – "já poderiam 'estar sobre a mesa’”.
Dolan disse ao padre que ele iria passar sua carta ao Bispo Blase Cupich, Spokane, Washington, o presidente da Comissão Episcopal para a Proteção de Crianças e Jovens.
Em uma carta de outubro de 2012, o Bispo Daniel Conlon, o sucessor de Cupich no comitê, disse ao Connell, “O encaminhamento de casos para a Congregação para a Doutrina da Fé é um passo muito importante que deve ser verificado”. Conlon, bispo de Joliet, Illinois, disse que ele pessoalmente recomendou o ajuste para a próxima revisão.
Um ano depois, Connell escreveu ao Conlon novamente em matéria de verificação e outras preocupações da carta (charter).
Às vezes, Connell disse, ele teve a impressão de que alguns bispos acreditam que por pedir desculpa ao abusar sobreviventes eles cumpriram integralmente o que se espera. Esse não é o caso, Connell disse, explicando que se ele se envolve em um acidente de carro, ele pode pedir desculpas e o outro motorista pode perdoá-lo, mas ainda há a questão do conserto do carro. No caso de abuso sexual do clero, os bispos devem tomar medidas para reparar os danos causados pelo clero, ordens religiosas e da igreja, disse ele.
“Leva segundos para se desculpar; pode levar anos para reparar os danos. E a reparação é convocada na justiça”, disse ele.
Nota do editor: Um esclarecimento foi feito para essa história: que a petição enviada ao Vaticano não inclui cópias de cartas trocadas entre Fr. Jim Connell e os membros da Conferência Episcopal do alto escalão.
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Organização católica solicita investigação no Vaticano de falhas nas políticas sobre abusos sexuais de bispos dos EUA - Instituto Humanitas Unisinos - IHU