24 Novembro 2015
"A burocracia e os burocratas conquistaram uma má reputação, em grande parte injustamente. Sociedades complexas exigem conhecimento especializado e uma divisão do trabalho, que são os pontos fortes que a burocracia dá conta. E a maioria das burocracias – governamentais e eclesiais – fazem um bom trabalho. Eu, na verdade, só tenho boas experiências com a IRS [espécie de Receita Federal] e a DMV [equivalente ao Detran nos EUA]. Mas as burocracias convidam a guerras territoriais; as pessoas aprendem rapidamente onde se encontra o poder para fazer as coisas acontecerem ou impedi-las de acontecer; a incompetência pode prosperar; e agendas múltiplas, conflitantes, podem se deparar umas com as outras, sem nunca resolver algumas das tensões latentes por debaixo da superfície", escreve Michael Sean Winters, em artigo publicado por National Catholic Reporter, 19-11-2015. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Eis o artigo.
No artigo do dia 18 de novembro, centrei a minha atenção no encontro da Conferência dos Bispos Católicos dos Estados Unidos – USCCB (na sigla em inglês) através das lentes de quatro intervenções feitas durante o debate em torno do documento Faithful Citizenship, intervenções que salientaram algumas divisões dentro da Conferência quanto ao papel da Igreja na sociedade. Hoje, eu gostaria de centrar a atenção em dois outros aspectos do encontro, os quais são de natureza mais eclesial.
Durante o recente Sínodo dos Bispos, muitos Padres Sinodais falaram sobre a maneira como o formato alterado – que enfatizava menos as falas no plenário e mais os debates em pequenos grupos, intercalando os encontros dos pequenos grupos ao longo das três semanas, em vez de reservá-los para a parte final do evento – contribuiu para um processo muito mais sinodal. Em verdade, os bispos debateram ideias e forjaram consensos, nada estando fora dos limites da discussão, e o evento inteiro se pareceu mais como um processo sinodal genuíno do que as iterações anteriores dele na Igreja latina.
Além disso, o Papa Francisco proferiu um importante discurso durante o Sínodo na ocasião do 50º aniversário de restauração dos sínodos ocidentais na conclusão do Concílio Vaticano II. “O caminho da sinodalidade é o que Deus pede à Igreja (...) da sinodalidade é o caminho que Deus espera da Igreja do terceiro milênio”, disse o Santo Padre no dia 17 de outubro. “Uma Igreja sinodal é uma Igreja de escuta, na consciência de que escutar ‘é mais do que ouvir’. É uma escuta recíproca em que cada um tem alguma coisa a aprender”. Ele pediu que esta abordagem sinodal se faça presente em todos os níveis da Igreja.
A USCCB tem sido um longo exercício de colegialidade, mesmo antes deste conceito ser gestado no Vaticano II. Os conselhos provinciais de Baltimore na primeira metade do século XIX e os conselhos plenários na segunda metade, os encontros anuais dos arcebispos do país e, em 1919, a formação da National Catholic Welfare Conference, precursora da atual USCCB, exemplificam esta colegialidade. Mas, no século XX, a USCCB não se transformou num exercício de sinodalidade. O modelo era mais burocrático do que sinodal.
A burocracia e os burocratas conquistaram uma má reputação, em grande parte injustamente. Sociedades complexas exigem conhecimento especializado e uma divisão do trabalho, que são os pontos fortes que a burocracia dá conta. E a maioria das burocracias – governamentais e eclesiais – fazem um bom trabalho. Eu, na verdade, só tenho boas experiências com a IRS [espécie de Receita Federal] e a DMV [equivalente ao Detran nos EUA]. Mas as burocracias convidam a guerras territoriais; as pessoas aprendem rapidamente onde se encontra o poder para fazer as coisas acontecerem ou impedi-las de acontecer; a incompetência pode prosperar; e agendas múltiplas, conflitantes, podem se deparar umas com as outras, sem nunca resolver algumas das tensões latentes por debaixo da superfície.
A sinodalidade é diferente. Ela exige um “caminhar juntos”, escutar uns aos outros bem como um discernimento mútuo; não relatórios plenários que envolvem poucas discussões e debates. Os encontros do CELAM, que é um conselho episcopal supranacional na América Latina, não só começam com uma ampla consulta com anos de antecedência, mas também os seus momentos conjuntos se iniciam com os bispos reunindo-se durante dias de orações conjuntas, antes de voltarem a atenção ao trabalho. O CELAM se reúne uma vez a cada década aproximadamente, e não anualmente. Penso que a USCCB precisa encontrar formas de trazer uma maior sinodalidade para dentro de sua atual abordagem burocrática, aprendendo com os pontos positivos de ambos os modelos. Ficou claro, ao se ouvir os bispos que participavam no Sínodo deste ano, que eles tinham reações diferentes à experiência. Esta mudança de um modelo burocrático e monárquico para um modelo sinodal não vai ser fácil, e a Igreja sempre encontrará a sua unidade com e sob Pedro, e sempre terá a necessidade daquele conhecimento especializado que a burocracia oferece. Os bispos, porém, necessitam dar passos em direção da sinodalidade. Isso pode produzir um tipo mais saudável de discussões e encontros mais frutíferos.
A outra coisa que se destacou deste encontro é a distância que grande parte da agenda do episcopado americano está das vidas dos fiéis. Com certeza, numa época em que alguns políticos estão transformando os imigrantes em garotos propagandas para as suas campanhas, e numa época em que 61% dos católicos com menos de 18 anos são latinos, foi chocante ver que os bispos não empregaram mais tempo debatendo o que eles podem fazer, em todos os níveis eclesiásticos, para proteger e defender os imigrantes. Essas pessoas são nossas. Elas são o nosso futuro. Em vez disso, os bispos estiveram debatendo a conveniência de um novo e mais leve sacrário para uso no altar, de forma que o trabalho dos coroinhas seja facilitado. Estiveram também debatendo uma declaração sobre pornografia, o que é um problema, compreendo, mas será ele um problema tão premente assim? (Não irei pesquisar no Google “pornô latino” para ver se se trata de um problema na comunidade latina!).
Uma quantidade justa de tempo foi gasta pensando-se sobre o casamento homoafetivo e a liberdade religiosa, em comparação com o tempo gasto com respeito à imigração. O debate sobre o “Faithful Citizenship” precisava de mais tempo para discutir o tema da imigração, não só porque ele se tornou um tema central no magistério do Papa Francisco e foi um foco central em muitos de seus discursos durante a visita que fez aos EUA, mas também porque esta questão influi nas vidas das pessoas que frequentam os bancos das igrejas. E, se nós não nos colocarmos a defender estas pessoas, com certeza haverá menos fiéis nestes bancos.
Por que praticamente não houve nenhum foco no encontro nacional deste ano? Por que não houve praticamente nenhum movimento contra o chamado novo nativismo? Por que praticamente não houve discussão alguma sobre como a Igreja nos EUA pode ajudar as dioceses ao longo da fronteira a lidar com as diferentes crises que elas enfrentam? Os ataques políticos contra os imigrantes tocaram num ponto difícil de se lidar na psique americana e o ódio da nossa retórica política ameaça a viabilidade da nossa democracia bem como a dignidade dos imigrantes. As pessoas estão ansiosas com a economia, com o aumento dos custos na faculdade, com os seus planos de saúde; elas estão preocupadas com as crises estrangeiras. Não ouvi praticamente nada sobre essas coisas e, consequentemente, não houve nada, entre estas lideranças morais, que poderia travar o fluxo cada vez maior de pessoas que enxergam a religião como algo que elas não desejam incluir em suas vidas.
Não quero terminar estas reflexões em duas partes sobre a Conferência Episcopal dos EUA sendo negativo. Há muitos bispos legais neste país e, o que é melhor, cremos que, apesar de todos os problemas, a Igreja que os bispos conduzem é o instrumento agraciado pelo qual Deus estende a salvação anunciada por Jesus Cristo ao mundo. O nosso mundo está nas trevas hoje, em muitos lugares e de muitos modos, mas nós cristãos estamos sempre chamados a manter a chama da esperança acesa. Mais do que isso, apesar de todos os problemas no mundo, estou cada vez menos convencido de ser a via neoconservadora a saída para o destino da civilização.
A Europa está muito mais vibrante – e decente – do que os escritores do sítio First Things imaginam que está. Em meio às frustrações em Baltimore, num inverno pouco acolhedor apesar da temperatura agradável no geral, existem também sinais de diálogos nas recepções e durante o jantar com aqueles prelados que não se sentem ameaçados pelo Papa Francisco. Levará tempo para a hierarquia captar a fé vibrante que os nossos imigrantes latinos e asiáticos estão trazendo à Igreja dos EUA, porém ele está chegando.
Infelizmente, enquanto instituição, a USCCB está na diagonal deste futuro mais esperançoso, mas, nos próximos anos, novos bispos juntar-se-ão às fileiras e, se Deus quiser, a narrativa predominante e neoconservadora que está ainda no comando na Conferência irá enfraquecer em sua força institucional na medida em que o seu poder persuasivo, no geral, diminui. Um novo núncio apostólico será nomeado em breve. Mais nomeações episcopais estão por vir. E, acima de tudo, o Espírito que vem diante do túmulo vazio de Jesus Cristo está soprando novamente. As pessoas nos bancos o veem, o sentem e o acolhem. Não importa quanto tempo demore, os bispos irão captá-lo também.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Reflexões sobre a assembleia da Conferência Episcopal dos EUA (Parte II) - Instituto Humanitas Unisinos - IHU