17 Novembro 2015
Assim que os bispos americanos se reunirem em Baltimore para o seu encontro anual, irão decidir quais as suas prioridades até o final desta década. Será que estas prioridades estarão sincronizadas com as do Papa Francisco, ou será que os bispos continuarão trabalhando como se o papa não estivesse conduzindo a Igreja numa nova direção?
O artigo é de Thomas Reese, jornalista e jesuíta, publicado por National Catholic Reporter, 13-11-2015. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
No seu encontro em St. Louis meses atrás, os bispos aprovaram um documento de trabalho com as prioridades estratégicas da Conferência Episcopal para o ciclo de planejamento 2017-2020 com uma votação de 165 a 14, tendo três abstenções. Embora o texto tenha sido aprovado por maioria esmagadora, alguns prelados no plenário se questionaram sobre se estas prioridades estavam coerentes com as de Francisco.
Os membros da comissão de elaboração do documento prometeram que as contribuições partilhadas pelos bispos seriam trazidas às várias comissões enquanto eles escrevem a versão final. O texto resultante será apresentado para aprovação por todo o organismo episcopal em seu encontro nos dias 16 e 17 de novembro.
As prioridades anteriormente aprovadas são as seguintes:
• Família e matrimônio
• Evangelização
• Liberdade religiosa
• Vida humana e dignidade
• Vocações e formação continuada.
Aos que têm acompanhado o trabalho da Conferência dos Bispos Católicos dos EUA (USCCB, na sigla em inglês), tais prioridades soam familiares. Elas parecem com aquilo que esta Conferência vem fazendo há décadas, bem antes da eleição de Francisco.
“Ao mesmo tempo em que não pude encontrar nenhum problema com estas cinco prioridades”, disse o arcebispo de Indianápolis, Dom Joseph Tobin, “achei que elas eram uma reafirmação bem próxima das prioridades que este organismo adotou no passado. A minha preocupação era que a novidade que o Papa Francisco está trazendo à Igreja universal (...) não esteja refletida nelas”.
Não há dúvidas de que Francisco apoia a família e o matrimônio, a evangelização, a liberdade religiosa, a vida humana e a dignidade, as vocações e a formação continuada. Quem não apoia?
Mas quando pensamos no Papa Francisco, são estas coisas que nos vêm à mente? É essa a maneira como ele se expressa?
Francisco vem sendo bem claro no estabelecimento de suas prioridades em seus discursos e escritos.
As suas prioridades seriam mais parecidas com isso:
• Uma Igreja pobre para os pobres
• A Igreja como um hospital de campanha, uma Igreja de misericórdia e compaixão
• A prática da sinodalidade em todos os níveis da Igreja
• O fim do clericalismo e o empoderamento dos leigos
• A promoção da justiça e da paz, além da proteção ao meio ambiente.
Se apresentássemos estas duas listas a um grupo de pessoas escolhidas aleatoriamente, aposto que a segunda lista iria ser identificada como estando mais próxima a Francisco do que a primeira.
Uma Igreja pobre para os pobres
Desde o momento de sua eleição, Francisco fez dos pobres uma prioridade. Ele constantemente fala sobre os pobres e marginalizados, imigrantes e refugiados. Ele vem convidando os cristãos a servir, acompanhar e proteger os pobres.
Servir os pobres é a obra tradicional da caridade: alimentar os famintos, vestir os despidos, abrigar os sem-teto, etc.
A proteção aos pobres é feita através do trabalho pela paz de forma que os pobres não sejam explorados ou marginalizados, mas tenham acesso ao emprego e dignidade. Significa transformar as estruturas econômicas e sociais que põem em desvantagem os pobres.
Acompanhar os pobres significa acolhê-los em nossas igrejas e comunidades, sentar com eles, escutar as suas preocupações e nos tornarmos seus amigos.
A Igreja como um hospital de campanha
Para Francisco, a Igreja não é um clube privado para os abençoados; é um hospital de campanha que cuida dos feridos.
As primeiras palavras da evangelização, diz ele, devem ser palavras de misericórdia e compaixão de Deus, e não uma lista de regras e regulamentos, muito menos palavras de condenação. É por isso que ele fala da Eucaristia como alimento aos enfraquecidos, e não uma recompensa aos perfeitos.
Francisco quer uma Igreja pastoral, que prega uma mensagem de amor, compaixão e justiça inspirada no Evangelho – não uma Igreja humilhante, que aponta o seu dedo para os defeitos das pessoas.
Francisco crê que “nós tenhamos reduzido a nossa exposição do mistério a uma explicação racional; no povo, pelo contrário, o mistério entra pelo coração”. Consequentemente, “perdemos aqueles que não nos entendem, porque desaprendemos a simplicidade, inclusive importando de fora uma racionalidade alheia ao nosso povo”.
Em outras palavras, a Igreja precisa pregar o Evangelho, não o catecismo. Para muitos bispos americanos, a nova evangelização está apresentando o Catecismo da Igreja Católica simplesmente.
Sinodalidade
No Sínodo dos Bispos sobre a família, Francisco fez algo extraordinário. Instou os participantes a falarem com ousadia, até mesmo para discordar dele.
Ele convidou a Igreja a retornar aos debates abertos e, mesmo, às contendas que marcaram o Concílio Vaticano II. Francisco reabriu a janela que havia sido aberta pelo Papa João XXIII e que fora fechada pelo Papa João Paulo II.
“Os debates fraternos e abertos fazem crescer o pensamento teológico e pastoral”, declarou na ocasião. “Disso eu não tenho medo. Pelo contário, busco-o”.
Em outra ocasião ele incentivou as pessoas a tentarem coisas novas. “Prefiro uma Igreja que comete erros a uma Igreja que adoece por ficar fechada”, falou.
Papa Francisco, a sinodalidade, o debate aberto, é essencial para a vida da Igreja. Não é algo apenas para os sínodos dos bispos; faz-se necessário em todos os níveis da Igreja.
“O jeito é seguir em frente”, disse ele aos bispos em Washington, “é dialogar entre vocês mesmos, dialogar com os seus presbíteros, dialogar com os leigos, dialogar com as famílias, dialoga com a sociedade”.
Será que os bispos americanos conseguem imitar Francisco e instar os seus sacerdotes e o povo a falar com ousadia e escutar com humildade? Será que a sinodalidade poderá ser trazida às dioceses e paróquias?
O fim do clericalismo
Os discursos mais duros de Francisco vão contra o clericalismo e o carreirismo na Igreja. Ele se parece com Jesus, que denunciava os escribas e fariseus. Insiste que liderar é estar a serviço. Que os pastores devem ter o cheiro de suas ovelhas. E que os sacerdotes e bispos estão na base da pirâmide, não no topo.
Conforme disse aos bispos americanos em Washington: “Sejam pastores próximos das pessoas, sejam pastores servos”.
E assim como os escribas e os fariseus odiaram Jesus, muitos do clero não gostam de Francisco, quem eles veem como alguém que está a enfraquecer a autoridade deles. Infelizmente, esta atitude contrária a Francisco permeia inúmeros seminários nos EUA, onde tanto o corpo docente quanto o discente esperam que o seu reinado seja curto.
Francisco também quer empoderar os leigos no sentido de estes assumirem o papel que lhes cabe na evangelização e reformulação do mundo de acordo com os valores evangélicos.
Conforme pediu aos bispos do CELAM no Brasil:
• “Fazemos os fiéis leigos participantes da missão?”
• “Tanto estes [conselhos diocesanos] como os paroquiais de pastoral e assuntos econômicos são espaços reais para a participação laical na consulta, organização e planejamento pastoral?”
• Será que damos aos leigos “a liberdade para irem discernindo, de acordo com o seu processo de discípulos, a missão que o senhor lhes confia? Apoiamo-los e acompanhamos, superando qualquer tentação de manipulação ou indevida submissão?
Justiça, paz e o meio ambiente
Francisco, tal como os papas antes dele, crê que os cristãos devem ser ativos no mundo, trabalhando pela justiça e paz e protegendo o meio ambiente.
Ninguém consegue ler a sua exortação apostólica Evangelii Gaudium sem ficar ciente de sua crítica radical do atual sistema econômico e político, que cultua o bezerro de ouro e o poder. Ele livremente critica o capitalismo e a globalização por não ajudar os pobres.
A sua encíclica, Laudato Si’, também tem inspirado os cristãos e não cristãos a se preocuparem mais com a casa comum, a Mãe Terra. Proteger o meio ambiente não é um aspecto optativo da experiência cristã, segundo Francisco; é uma parte essencial da vida cristã de virtude no século XXI.
Francisco, assim como o Papa Bento XVI, acredita que há um papel robusto aos governos na regulação da economia e na promoção do bem comum, especialmente no tocante a garantir empregos aos pobres.
Temos ouvido igualmente o seu chamado pela reconciliação internacional e testemunhado os seus esforços em promover a paz.
Ao falar aos bispos em Washington, ele disse para se preocuparem com “a vítima inocente do aborto, as crianças que morrem de fome ou debaixo das bombas, os imigrantes que acabam afogados em busca de um amanhã, as pessoas idosas ou os doentes que olhamos sem interesse, as vítimas do terrorismo, das guerras, da violência e do narcotráfico, o meio ambiente devastado por uma relação predatória do homem com a natureza”.
Francisco sinalizou as suas prioridades quando escolheu o nome Francisco. Tal como Francisco de Assis, ele é um reformador que vive como pobre, amo os pobres, trabalha pela reconciliação e a paz, é alguém que estima a criação divina. Será que os bispos americanos irão abraçar estas prioridades, ou será que o resultado de seu encontro em Baltimore vai ser o mesmo de sempre?
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As prioridades de Francisco vs. as prioridades dos bispos americanos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU