27 Agosto 2018
Trabalhadores do mundo inteiro, hoje incapazes de se unir, só têm a perder uns 200 anos de luta, mais ou menos.
A crônica é de Luis Fernando Verissimo, publicada por O Estado de S. Paulo, 26-08-2018.
Trabalhadores do mundo, uni-vos – não que vá fazer alguma diferença. Os trabalhadores do mundo são vítimas da globalização perversa, que aboliu as fronteiras para empregadores atrás de mão de obra barata e desregulada, mas não para eles. Nenhuma solidariedade é possível num mundo em que o capital vai atrás do lucro onde quer e o único internacionalismo permitido ao trabalho é a migração ilegal e o tráfego tétrico de empregos exportados cruzando com desemprego importado.
Economistas neoclássicos dizem que o exercício continuado do livre-comércio dará razão ao ur-clássico David Ricardo, que no século 18 teorizou que Estados nacionais explorando suas respectivas vantagens em recursos naturais, capacidade industrial e mão de obra acabariam se complementando e todos ganhariam com isso, inclusive os trabalhadores, no melhor de todos os modelos econômicos possíveis. Mas o Ricardão tinha outra teoria, que chamava de “a lei férrea dos salários”. Para ele, mesmo no melhor dos mundos teóricos, os salários tenderiam a se estabilizar ao nível da subsistência mínima, já que o trabalho é um recurso universalmente disponível e infinitamente substituível.
A organização do trabalho a partir do século 19 e o crescimento dos sindicatos parecia desmentir esse fatalismo de Ricardo, pois os trabalhadores aos poucos deixaram de ser o lado indefeso do modelo ideal. A legislação social, em maior ou menor grau, nos países industrializados – ou em países como o Brasil, em que a legislação de Vargas precedeu a industrialização – inviabilizava a teoria de Ricardo, pelo menos em tese, e retirava as condições para a confirmação da sua lei férrea. A globalização perversa está restaurando essas condições. O trabalho organizado perde a sua força até em países como a França e a Alemanha, onde sindicatos e movimentos sociais sempre tiveram grande participação política, e a receita para “responsabilidade” econômica aqui no quintal passa pela flexibilização de leis trabalhistas e outros eufemismos para roubar do trabalho o seu poder de barganha. Trabalhadores do mundo inteiro, hoje incapazes de se unir, só têm a perder uns 200 anos de luta, mais ou menos.
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