13 Julho 2018
“A seleção que esteve na Rússia não foi mal. Mas estava representando um país em que o presidente está sob suspeita de receber propina, como boa parte do Congresso, a miséria só aumenta enquanto a receita do então ministro da Fazenda, hoje candidato à Presidência da República, para melhorar a situação foi cortar os gastos sociais por 20 anos, em que tiraram dinheiro da saúde e da educação para dar a grandes empresas de transportes, em que políticos denunciados por corrupção continuam soltos e atuantes e são até nomeados para ministérios enquanto o maior líder popular do País está preso, em que juízes se dedicam à guerra de egos em vez de assegurar justiça, em que preparam uma nova lei trabalhista que fará o Brasil marchar, resolutamente, para o século 19 e em que se espera para qualquer momento o anúncio de que a investigação acabou e concluíram que a Marielle se suicidou com três tiros na cabeça”.
A crônica é de Luis Fernando Verissimo, publicada por O Estado de S. Paulo, 12-07-2018.
É grande a tentação de ver numa seleção de futebol um reflexo da nação que a produziu. Procuramos uma relação de causa e efeito em que o motivo é um país em crise moral, política e econômica e a consequência é uma seleção derrotada. O único problema com essa equação é que os fatos não a comprovam. Aquela seleção de 1970 representava um país mergulhado nas trevas da repressão e da tortura, com a imprensa censurada e generais se sucedendo no poder com o eleitorado de um - seu antecessor. Lembro que a gente torcer pela seleção de 70 equivalia a torcer pelo regime. Mas bastava uma escapada do Jairzinho pela direita, uma jogada genial do Pelé, um lançamento certeiro do Gerson para o Tostão, um drible do Rivellino, e esquecíamos tudo, amigos cassados, amigos presos, torturados, exilados, desaparecidos, esquecíamos até o Médici, e vibrávamos abjetamente. Outras derrotas e outra vitórias da seleção através dos anos desmentem a teoria do país em crise refletido na sua seleção. Mas a tentação de ver uma ligação persiste.
A seleção que esteve na Rússia não foi mal. Mas estava representando um país em que o presidente está sob suspeita de receber propina, como boa parte do Congresso, a miséria só aumenta enquanto a receita do então ministro da Fazenda, hoje candidato à Presidência da República, para melhorar a situação foi cortar os gastos sociais por 20 anos, em que tiraram dinheiro da saúde e da educação para dar a grandes empresas de transportes, em que políticos denunciados por corrupção continuam soltos e atuantes e são até nomeados para ministérios enquanto o maior líder popular do País está preso, em que juízes se dedicam à guerra de egos em vez de assegurar justiça, em que preparam uma nova lei trabalhista que fará o Brasil marchar, resolutamente, para o século 19 e em que se espera para qualquer momento o anúncio de que a investigação acabou e concluíram que a Marielle se suicidou com três tiros na cabeça.
Está certo, nada disso afetou o desempenho do Brasil na Copa. Mas você não desconfiou daquela bola no travessão no jogo contra a Bélgica, que se entrasse seria o gol do empate que levaria para uma prorrogação, que o Brasil venceria, e partiria para o título? Você também não pensou que alguma coisa, um sopro de alguma divindade do futebol, tenha interferido e nos negado o gol, porque nós simplesmente não o merecíamos?
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