15 Agosto 2018
“Metz chegou à teologia política a partir da teologia transcendental de seu grande mestre Karl Rahner. Imediatamente despertou a impressão de que 'a teologia política com Metz, Moltmann e Sölle fosse se constituir como um movimento teológico variado interconfessional' (Gibellini)”, escreve Francesco Strazzari, teólogo italiano, em artigo publicado por Settimana News, 13-08-2018. A tradução é de Luisa Rabolini.
Ad Auschwitz c’era la neve, il fumo saliva lento/ nel freddo giorno d’inverno/ e adesso sono nel vento.
Em Auschwitz havia neve, a fumaça subiu lenta/ no frio dia de inverno/ e agora estou no vento.
(Francesco Guccini)
Metz é um dos teólogos mais caros para mim. Meu interesse em estudar seu pensamento teológico remonta aos anos 1970. Eu o escolhi para minha tese em filosofia na Universidade de Pádua. Muito famoso em solo alemão, era quase desconhecido para nós italianos.
Lembro-me que, quando falei sobre isso, meu orientador, o prof. Marino Gentile ficou atordoado. "Mas quem é esse Metz? E o que é essa teologia política?” Eu respondi, para que aceitasse uma tese um tanto estranha, que tinha sido discípulo de Karl Rahner. Não que ele soubesse muito de Rahner, mas tinha pelo menos ouvido falar dele, porque em Freiburg Rahner tinha sido discípulo de Heidegger. Marino Gentile conhecia bem o filósofo alemão da Floresta Negra.
A ideia de uma tese sobre Metz foi aceita e eu comecei a estudá-lo e conhecê-lo. Homem de considerável envergadura humana, de surpreendente bom-humor, de extraordinária efervescência. Ele amava a companhia e as risadas. Contudo, mesmo então, o teólogo alemão já me dava a impressão de uma certa inquietação, um certo algo de velado, um espírito surpreendentemente problemático.
Fascinava-o a teodiceia, ou seja, o estudo sobre Deus, e me dizia que há muitas perguntas sobre Deus; que a teologia não deveria ter medo de fazer perguntas. Em uma conversa também me contou sobre sua escolha de ser um teólogo, do ponto de partida de seu itinerário teológico.
Anos mais tarde, Metz voltou a falar sobre isso, em um simpósio organizado por Moltmann em 1996 em Tübingen, no qual participaram nove teólogos famosos, entre eles precisamente Metz. Todos deveriam responder a uma única pergunta: "Como eu mudei?" Metz disse que iria falar sobre o que ele não tinha mudado. De fato, não havia mudado a referência a um trágico episódio de sua vida, que iluminou e alicerçou sua pesquisa teológica.
Ele relatou aos seus amigos teólogos aquilo que tinha me contado anos atrás na distante Münster, onde ensinava teologia: "Perto do final da Segunda Guerra Mundial eu tinha dezesseis anos, tinha sido arrancado de escola e forçada ao serviço militar. Depois de um rápido treinamento no quartel em Würzburg, fui enviado à linha de frente, que na época havia retrocedido para esse lado do Reno. A companhia era formada por mais de uma centena de jovens vibrantes. Certa noite, o comandante da companhia me enviou com um despacho para a sede do comando tático. Andei durante a noite por aldeias e amontoados de destroços em chamas, e quando, na manhã seguinte, retornei para minha companhia, só tinha mortos, só mortos e gritos: tinham sido esmagados por um ataque combinado de bombas e tanques. Para todos eles, com quem tinha partilhado medos infantis e risos de juventude, apenas podia olhar com um olhar apagado, morto. Não lembro nada além de um grito silencioso. Ainda me vejo hoje assim e, por trás dessa lembrança, meus sonhos infantis ruíram. Minha forte socialização bávara e católica e a confiança que derivava delas sofreram uma ruptura. O que acontece quando, por um motivo como esse, você não vai a um psicólogo, mas à igreja, quando nem a igreja, nem a teologia oferecem desculpas para tais memórias irreconciliáveis, mas acredita-se nelas e com elas se quer falar com Deus?" (Cf. Sul concetto della nuova teologia politica 1967-1997. ‘Sobre o conceito da nova teologia política 1967-1997’, Queriniana, Brescia 1998, p. 225).
Também foi por isso que Metz introduziu desde o início de sua pesquisa teológica a categoria do “perigo", à qual mais tarde acrescentou as categorias da memória, da paixão, do sofrimento em relação a Deus. Quem é e como é Deus diante da história do sofrimento do mundo, do “seu” mundo?
Ele estava lançando as bases daquela "teologia política", que tanto daria que falar e escrever, que não seria nada mais do que um "falar de Deus na ’conversio ad passionem’. Aqueles que falam de Deus no sentido de Jesus, devem aceitar que as próprias certezas preconcebidas sejam afetadas pela desventura dos outros" (ibid, 226).
No início dos anos 1960, até mesmo os teólogos evangélicos Jurgen Moltmann de Tubingen e Dorothee Sölle de Colônia, questionavam-se a respeito de Deus e do mundo. O primeiro, para dar uma concretude à sua "teologia da esperança"; a segunda, partindo de Bultmann (1884-1976), um exegeta de Marburg, o maior estudioso do Novo Testamento do século XX.
Metz chegou à teologia política a partir da teologia transcendental de seu grande mestre Karl Rahner. Imediatamente despertou a impressão de que "a teologia política com Metz, Moltmann e Sölle fosse se constituir como um movimento teológico variado interconfessional" (Gibellini).
Metz (e também os outros dois) tiveram que sustentar uma enxurrada de críticas. O debate foi duro e polêmico até a publicação do livro La fede nella storia e nella società (A Fé na História e na Sociedade, 1977), que contribuiu com uma grande quantidade de explicações. Mas o teólogo Metz, o homem "sempre cheio de surpresas", de acordo com Moltmann, levou a teologia para dentro da história, aquela história que leva um nome tão terrível como aquele de Auschwitz.
Ainda de sua confissão: "Desde então tenho continuado a me perguntar por que na nossa teologia tem tão pouco espaço e voz tal catástrofe, como em geral a história do sofrimento humano. Não seria possível que nós talvez tenhamos utilizado para a interpretação teológica da história categorias demasiado ‘fortes’, que escondem muito rapidamente as feridas históricas e fazem atrofiar a capacidade de perceber o perigo? A teologia realmente cura todas as feridas? Auschwitz teve o efeito de um ultimato para mim. Desde então, na minha teologia sempre desempenharam um grande papel as chamadas categorias 'fracas' da memória e da narrativa, que ainda estão em condições de dar voz à consternação do ‘logos’ da teologia, como em geral teve importância a atenção para a cultura humanista que se desenvolveu na história judaica" (ibid, p.227).
Ele quis se tornar pessoalmente consciente do mundo da dor e do sofrimento e foi visitar as comunidades de base da América Latina. Ele ficou impressionado com o trabalho "de baixo" de amigos e colegas teólogos. Escreveu um diário de sua visita aos Andes.
A ideia de colocar à teologia as questões mais cruas e inquietantes da existência humana conturbada foi retomada com mais vigor. O sofrimento tornou-se em sua pesquisa a categoria de base do discurso cristão sobre Deus. Nisso, ainda se sentia mais uma vez ligado ao ensinamento de seu grande mestre Karl Rahner.
Ele terminou sua intervenção no simpósio em Tübingen, recordando o que havia escrito em 1984 à sua morte: "Nunca Karl Rahner interpretou o cristianismo como a boa consciência de uma burguesia da moda, nunca como uma espécie de religião familiar burguesa, da qual é banida toda esperança ameaçada de morte, toda aspiração, que eu nunca percebi como sentimental, nunca como excessiva, mas sim como um suspiro humilde da criatura, como um silencioso grito pedindo luz diante do rosto escuro de Deus."
Em julho de 1999, ele me enviou um belíssimo texto sobre o "ecúmeno das compaixões". Partindo da constatação de que todas as grandes religiões têm como interesse central uma mística do sofrimento, via nisso a base de uma aliança entre as religiões, para promover a compaixão social e política no mundo por uma oposição comum às causas do sofrimento. "A humanidade – ele escrevia – precisa se tornar finalmente humana. Todas as grandes religiões da humanidade têm como seu interesse central uma mística do sofrimento. Esta poderia ser a base de uma aliança entre as religiões, visando a salvação e a promoção da compaixão social e política no mundo, para uma oposição comum às causas do sofrimento injusto e inocente. Esse ‘ecúmeno das compaixões’ não representaria apenas um evento religioso, mas também um evento político".
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Metz: "O ecúmeno das compaixões" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU