17 Julho 2018
O site do Vaticano publica os documentos de viagem do Papa Francisco em 21 de junho, sob o título "Peregrinação ecumênica a Genebra".
O artigo é de Ghislain Lafont, monge beneditino, professor emérito de teologia da Pontifícia Universidade Gregoriana e do Pontifício Ateneu Santo Anselmo, em Roma, publicado por Settimana News, 14-07-2018. A tradução é de Luisa Rabolini.
Em um dicionário recente, a palavra peregrinação é definida como "uma jornada para um lugar sagrado em um espírito de devoção". [1] Neste caso, o lugar sagrado é a Genebra de Calvino e de todos os protestantes. Quanto à peregrinação, é o papa, de quem o mesmo dicionário diz que é "o chefe supremo da Igreja Católica Romana” remetendo à palavra pontífice: "Alto dignitário católico. O Sumo Pontífice: o Papa". [2]
Que o espírito de devoção estava presente é evidente a partir das palavras proferidas por Francisco, tanto na sede do Conselho Mundial das Igrejas (CMI), como durante a celebração litúrgica que se seguiu. Os 70 anos do CMI evocam, em suas palavras, "a duração completa duma vida, sinal de bênção divina" que, para o futuro, "alonga a medida para uma caridade desmesurada."
Até agora tudo bem. Porém ... Por ocasião de um encontro ecumênico realizado em Mônaco (França) em junho de 1965, do qual participei, eu me lembro ter ouvido o Pastor Hébert Roux, observador reformado no Concílio, deplorar o fato de que, no Decreto sobre o ecumenismo Unitatis reditegratio, não havia nenhuma menção da encíclica Mortalium Animos de Pio XI de 1928, para dizer que o exclusivismo católico professado naquele documento já fora superado.
Da mesma forma, quando ouvi o Papa Francisco que esteve em Genebra para o aniversário do nascimento do Conselho Mundial das Igrejas, eu teria gostado que seu discurso incluísse uma breve referência ao Monitum do Santo Ofício de 5 de junho de 1948. Em tal texto é proibida, sem nomear explicitamente o CMI, mas, obviamente, tendo-o na mira, a participação de reuniões "chamadas ecumênicas" sem a expressa autorização da Santa Sé, bem como qualquer participação em liturgias diversas daquelas católicas: o 70º aniversário do CMI é, portanto, também o aniversário da explícita recusa então oposta pela Igreja Católica a este mesmo CMI.
Se o Papa Francisco não disse nada, cabe ao teólogo então arriscar algumas reflexões. Tenho certeza que os Papas Pio XI e Pio XII pensavam que seus dois textos seriam "definitivos" e que nunca se retornaria a discutir posições tomadas na ocasião: certamente sempre haveria um esforço de benevolência em relação aos "irmãos separados" para facilitar o seu "retorno à unidade", mas pensava-se que, a fim de respeitar a vontade de Cristo fundador da sua Igreja, nenhuma concessão fosse possível, nem no plano doutrinal, nem no litúrgico ou institucional e nem mesmo no plano missionário.
Quero deixar bem claro que eu não estou exagerando, porque eu vivi em 1948, eu escutei as declarações da Santa Sé, eu conheci as suspeitas e sanções sobre os "ecumenistas católicos” da época. E, como piedoso monge beneditino não pertencente a um ambiente "progressista", eu seguia o magistério do imenso Papa Pio XII! Se hoje o Papa Francisco vem em pessoa para Genebra, se em Lund participa de uma liturgia com os luteranos, é porque os critérios de juízo mudaram. E, de fato, o conceito de "Igreja católica" conheceu, de 1928 e de 1948 até hoje, um maior aprofundamento: os principais livros publicados entre as duas guerras por teólogos como Mersch, Congar, Lubac e outros, são o sinal no plano teológico. Mas, com a Ação Católica, também foi feita uma experiência mais ampla da realidade da Igreja. Por outro lado, a luta comum contra o nazismo revelou o heroísmo cristão não só do bispo católico von Galen, mas também do pastor luterano Dietrich Bonhoeffer. O Holocausto, por seu lado, lentamente modificou a visão tradicional católica sobre o povo judeu ... Uma espécie de nova consciência eclesial (que o próprio Pio XII previu em sua encíclica Mystici Corporis de 1943) acabou assim sendo difundida.
A profecia de João XXIII e o Concílio Vaticano II fizeram o resto, de modo que, sem renegar as convicções passadas em sua essência, foram repensadas e suavizadas, introduzindo-as em um contexto mais amplo, e, por fim, mais tradicional. É tal evolução que permitiu ao papa Francisco fazer sua peregrinação.
Se o que acabei de escrever for aceitável, acredito que seja necessário tirar a seguinte conclusão no que diz respeito ao presente: embora seja difícil de admitir, embora seja difícil de gerir concretamente, deve-se adotar uma atitude prudente em relação às disposições práticas emitidas em um determinado momento por uma autoridade suprema como a do papa ou de seus departamentos, mesmo no que diz respeito aos fundamentos doutrinários adotados para justificá-las.
Devemos, portanto, acredito eu, quando se trata de questões atuais, ter em mente o exemplo da "peregrinação a Genebra". Eu indiquei em um post anterior, intitulado Unanimidade, como a Regra de São Bento promova uma atitude que é ao mesmo tempo obediente e aberta. Também ofereci um exemplo concreto de outro lugar: para meu espanto, em 1964, o Concílio Vaticano II mudou profundamente a visão geral do ministério católico que o Papa Pio XII tinha traçado pouco antes de morrer, afirmando que se tratava da "vontade de Cristo" [3].
Não quero aqui esconder que eu estou pensando sobre a espinhosa questão do sacerdócio das mulheres (que, pessoalmente, não estudei a fundo): certamente o Papa João Paulo II decidiu excluí-lo solenemente, em 1994, o Papa Francisco tomou nota desta exclusão em 2016 em uma conferência de imprensa no avião, e a Congregação para a Doutrina da Fé reiterou isso recentemente.
Até agora, tudo bem, porém ... não podemos dizer com certeza que tais documentos solenes, por mais justificados que sejam na conjuntura atual, durarão para sempre. Porque, se, graças a evoluções teológicas e práticas hoje imprevisíveis, um dia fosse introduzida uma mudança, haverá um papa que vai dizer, como Francisco em Genebra: "Quantos nos precederam no caminho ... encontraram a audácia de olhar mais além e acreditar na unidade, superando as barreiras das suspeitas e do medo ... com a força desarmada do Evangelho, tiveram a coragem de inverter o sentido da história".
De qualquer forma, as coisas permanecem no momento como estão, e certamente podemos pensar em reformas mais urgentes. Refiro-me a um estado de espírito a ser conservado sobre esse estado de coisas que aceitamos e respeitamos.
Notas:
[1] Le Robert de poche, édition 2006, p. 548.
[2]Ibid., p. 538 e 578.
[3] Cf. La Chiesa: Il travaglio delle riforme, San Paolo, Cinisello Balsamo 2012, p. 5-13
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O peregrino de Genebra - Instituto Humanitas Unisinos - IHU