03 Julho 2014
Com o novo Conselho de Economia criado pelo Papa Francisco para supervisionar a reforma nas finanças do Vaticano se preparando para se reunir essa semana, o conturbado "Banco do Vaticano" parece preparado para o seu segundo abalo em dois anos, com a saída iminente de seu presidente, o empresário alemão Ernst Von Freyberg.
A reportagem é de John L. Allen Jr., publicada no jornal The Boston Globe, 30-06-2014. A tradução é de Claudia Sbardelotto.
Autoridades confirmaram essa mudança para o The Boston Globe na segunda-feira, mas não confirmaram se isso faz parte da rotina de esforços de reestruturação ou se supostas irregularidades estão envolvidas.
Enquanto lutam para evitar impressões de uma crise, as autoridades do Vaticano também tentam minimizar as acusações da imprensa italiana de que um sombrio "lobby maltês", liderado pelo economista Joseph F. X. Zahra, de Malta, vice-coordenador do novo conselho, está tentando assumir o controle dos bens do Vaticano, provavelmente por motivos de ganho financeiro.
Não oficialmente, as autoridades do Vaticano insistem que os relatos são falsos ou exagerados.
Empregados não autorizados a falar sobre o assunto disseram que a saída de Von Freyberg poderia ser finalizada ainda esta semana, após a reunião que o Conselho de Economia irá realizar no sábado. Oito cardeais, incluindo Dom Daniel DiNardo, de Galveston-Houston, formam o grupo de conselheiros, juntamente com sete membros leigos.
O principal candidato para assumir o banco, tecnicamente conhecido como Instituto para as Obras de Religião, é o francês Jean-Baptiste De Franssu, que atuou em um painel para estudar os sistemas financeiros do Vaticano, criado pelo pontífice em 2013, e que atualmente se encontra no Conselho de Economia.
Se assim for, os observadores podem considerar isso como um ganho para o cardeal George Pell, um australiano indicado por Francisco em fevereiro como seu czar financeiro, uma vez que Zahra e De Franssu são vistos como aliados de Pell.
Von Freyberg foi um dos últimos nomes apontados para cargos no Vaticano feitos pelo Papa Bento XVI pouco antes de sua renúncia em fevereiro de 2013. Ele substituiu Ettore Gotti Tedeschi, um economista italiano demitido pelo conselho de supervisão do banco em maio de 2012.
Uma das iniciativas com a assinatura do empresário alemão foi a contratação da empresa de auditoria financeira norte-americana Promontory, especializada em conformidade regulamentar, para rever todas as 18.900 contas titulares, supostamente levando ao fechamento de 1.400 contas.
Apesar desses esforços, há acusações de que nem tudo está bem.
Na semana passada, a revista italiana L'Espresso publicou uma matéria baseada em documentos internos do Vaticano, incluindo uma carta crítica de um clérigo italiano chamado Mons. Battista Ricca, nomeado por Francisco como seu representante pessoal para o banco, reclamando de supostos equívocos e dizendo que informações incompletas tinham sido fornecidas a ele e, por extensão, ao papa.
Esses episódios incluem uma perda estimada de 20 milhões de dólares em um empréstimo para uma empresa de vídeo dirigida por um amigo de um antigo cardeal do Vaticano, uma transação imobiliária na Hungria que teria sido supervalorizada e um déficit no fundo de pensão do Vaticano, estimado num valor superior a 1 bilhão de dólares.
Em uma entrevista de 18 de junho ao The Boston Globe, DiNardo confirmou que o fundo de pensão é uma fonte de preocupação, dizendo que "estudos atuariais mais profundos" são necessários para descobrir o estado atual da situação.
Defensores de Von Freyberg dizem que, mesmo que esses relatórios sejam precisos, eles são, em grande parte, anteriores ao seu mandato. Eles insistem que a transição não é um voto de desconfiança, dizendo que Von Freyberg passa viajando entre Roma e a Alemanha, e ambos os seus trabalhos exigem dedicação em tempo integral.
Além disso, os admiradores dizem que Von Freyberg merece crédito por realizações significativas, citando não só a auditoria feita pela Promontory, mas também pela divulgação do primeiro relatório financeiro certificado independentemente nos 126 anos de história do banco.
O banco está trabalhando atualmente nos relatórios financeiros deste ano, que poderão ser lançados em julho, se as aprovações necessárias forem obtidas, ou possivelmente em setembro.
Dependendo de como as coisas acontecerem, a questão de quem administra o banco pode tornar-se menos importante, uma vez que uma hipótese que está sob consideração é a de que a sua "gestão de ativos", ou seja, como o banco investe os cerca de 9 bilhões de dólares em participações, pode ser consolidada por uma operação semelhante em outro dicastério do Vaticano e atribuída a um novo escritório.
Se isso acontecer, como afirmou um observador, o banco se tornaria mais do que "um banco de poupança e empréstimos de bairro".
Em outra frente, o jornal Il Giornale publicou uma reportagem no sábado alegando que Zahra, De Franssu e um colega do Conselho de Economia, o acadêmico italiano Francesco Vermiglio, compartilharam interesses financeiros através de uma empresa de Malta fundada por Zahra e Vermiglio, chamada Misco Consultivo Ltda.
A implicação seria a de que Zahra e seus amigos podem estar se posicionando para lucrar com a nova política de investimento do Vaticano.
Embora Zahra tenha recusado um pedido para comentar a reportagem, pessoas próximas ao ex-diretor do banco central de Malta insistem que a história não tem fundamento.
Afora o fato de que Zahra e outros membros do conselho não estão sendo pagos, dizem, a Misco Consultivo Ltda. está inativa e nunca esteve envolvida no direcionamento de investimentos para Malta, sendo uma empresa de formação de gestão e de pesquisa de mercado.
Além disso, insistem, De Franssu nunca trabalhou com a empresa e não conheceu Zahra até que os dois homens começaram a atuar no painel consultivo criado por Francisco em 2013.
Enquanto o mais recente ciclo de encargos e refutações acontece, o Vaticano deu um sinal de progresso na segunda-feira, anunciando um acordo para compartilhar dados financeiros com o US Office of the Comptroller of the Currency [Escritório da Corregedoria da Moeda dos EUA].
"Esse é mais um passo nos esforços da Santa Sé para o aperfeiçoamento de um sistema de regulação financeira e parte do nosso compromisso com a transparência e cooperação internacional", disse Rene Bruelhart, advogado suíço que lidera a agência anti-lavagem de dinheiro do Vaticano.
"Santa Sé" é o nome do Vaticano como entidade soberana sob a lei internacional.
Como se não bastasse, o drama sugere que o papa, que estava esperando obter algum tempo de inatividade em julho, antes de sua viagem de meados de agosto à Coreia do Sul, ainda pode acabar tendo a necessidade de tomar algumas decisões-chave administrativas.
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Outro abalo se forma no conturbado ''Banco do Vaticano'' - Instituto Humanitas Unisinos - IHU