#15M e o retorno da política às ruas. Algumas análises

#15M em São Paulo. Foto: CSP-Conlutas | Flickr CC

Por: Patricia Fachin, João Vitor Santos e Ricardo Machado | 20 Mai 2019

As manifestações estudantis da última quarta-feira, 15-05-2019, contra o contingenciamento dos gastos na área da educação, revelam que a pauta do ensino “está sendo posta na rua” e que “a educação tornou-se parte da agenda dos jovens. Isso é novo e é bom”, diz o sociólogo Luiz Werneck Vianna à IHU On-Line. Na avaliação do pesquisador, os protestos da semana passada são marcados por uma “diferença fundamental” das mobilizações de Junho de 2013. “Junho de 2013 tinha uma conotação antipolítica, que a manifestação de agora não tem. Ao contrário, o que se vê – e eu como professor universitário vejo com os estudantes iniciantes na universidade – é uma grande atração pelos partidos políticos; não pelos que existem, mas a necessidade de se ter partidos está muito presente entre eles”.

O professor Benedito Tadeu César observa que “o governo acendeu o estopim de uma bomba que vai explodir contra ele próprio”. Ele se refere aos ataques e cortes de recursos para universidades, o que, na sua opinião, funcionou como uma espécie de catalisador para todas as insatisfações contra o atual governo. Entretanto, pontua que é cedo para associações com 2013, quando houve o que chama de um processo de “politização” que se voltou contra o governo de Dilma Rousseff. Agora, a imprensa endossa o clamor das ruas, mas com um objetivo muito claro. “Há uma estratégia que é bem traçada em que tudo deve se dirigir para possibilitar a aprovação da reforma da Previdência”, observa. “Não sei até onde eles irão nisso, pois querem tirar tudo da frente para aprovar essa medida, nem que seja o próprio presidente, por isso é preciso ficar atento”, acrescenta.

Na avaliação de Cléber Buzatto,”as mobilizações criam um campo político muito adverso” e poderão influenciar “significativamente na base parlamentar que poderia dar sustentação ao governo e às suas proposições”, criando “dificuldades para que o governo mantenha as atitudes extremamente agressivas contra os direitos da população brasileira”.

De acordo com Bruno Lima Rocha, as manifestações ocorridas em 15 de maio ilustram de forma surpreendente a primeira grande cruzada contra as políticas de austeridade que se iniciaram ainda no governo anterior. “No meio urbano e de forma nacionalizada foi a primeira grande jornada de luta contra as políticas do governo Bolsonaro, incluindo também a política herdada do governo Temer, que é o ‘teto dos gastos’ e essa aberração inconstitucional e imbecilidade macroeconômica dizendo que ‘acabou o dinheiro’”, pondera. Ao analisar o fenômeno em perspectiva com Junho de 2013, Rocha avalia que as mobilizações operam em “linha de continuidade na rebelião secundarista de 2015 em São Paulo – contra o fechamento de escolas públicas por parte do então governo Alckmin – e a ocupação de escolas públicas no início de 2016 – em Goiás e no Rio Grande do Sul, por exemplo – e na sequência, no final de 2016 – já no governo Temer - na ocupação dos campi universitários contra a aprovação da PEC 95 no Senado”, complementa.

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Luiz Werneck Vianna é professor-pesquisador na Pontifícia Universidade Católica - PUC-Rio. Doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo - USP, é autor de, entre outras obras, A revolução passiva: iberismo e americanismo no Brasil (Rio de Janeiro: Revan, 1997), A judicialização da política e das relações sociais no Brasil (Rio de Janeiro: Revan, 1999) e Democracia e os três poderes no Brasil (Belo Horizonte: UFMG, 2002). Sobre seu pensamento, leia a obra Uma sociologia indignada. Diálogos com Luiz Werneck Vianna, organizada por Rubem Barboza Filho e Fernando Perlatto (Juiz de Fora: Ed. UFJF, 2012). Destacamos também seu novo livro intitulado Diálogos gramscianos sobre o Brasil atual (FAP e Verbena Editora, 2018), que é composto de uma coletânea de entrevistas concedidas que analisam a conjuntura brasileira nos últimos anos, entre elas, algumas concedidas e publicadas na página do Instituto Humanitas Unisinos - IHU.

Benedito Tadeu César é graduado em Ciências Sociais pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Rio Claro, mestre em Antropologia Social e Doutor em Ciências Sociais com ênfase em Estrutura Social Brasileira, ambos pela Universidade Estadual de Campinas - Unicamp. É professor aposentado da Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS. Seu depoimento foi concedido por telefone. 

Cleber César Buzatto é graduado em Filosofia. Atualmente trabalha como secretário executivo do Conselho Indigenista Missionário – Cimi.

Bruno Lima Rocha é pós-doutorando em Economia Política, doutor e mestre em Ciência Política pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS e graduado em Jornalismo pela Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ. Atua como docente de Ciência Política e Relações Internacionais e também como analista de conjuntura nacional e internacional. É editor do portal Estratégia & Análise, onde concentra o conjunto de sua produção midiática, analítica e acadêmica. É professor de graduação na Unisinos, nos cursos de Relações Internacionais e Jornalismo, e de Direito na Unifin.

 

Confira as entrevistas.

IHU On-Line - Que avaliação faz das manifestações de quarta-feira, levando em conta que essa foi a primeira grande mobilização no país depois de quatro meses de governo Bolsonaro?

Werneck Vianna (Foto: Acervo IHU)

Luiz Werneck Vianna – Foi uma manifestação extraordinária. A lembrança que me veio foi a de 1956, quando aconteceu outra manifestação de caráter nacional dos estudantes secundaristas por causa do aumento da passagem de ônibus no Rio de Janeiro. Chegou a um ponto tal que o presidente da República da época, Juscelino Kubitschek, chamou os estudantes para conversar e a partir dessa negociação a coisa se resolveu. Tenho uma memória muito forte disso porque eu era secundarista na época e participei de algum modo dessa manifestação como massa dos estudantes que estavam protestando. Foi um movimento que incendiou a imaginação dos estudantes na época. Vi uma cena das manifestações em Manaus na televisão, que me impressionou muito, porque era uma manifestação de estudantes secundaristas, muito jovens, uniformizados. Se chegou em Manaus nessa força e nessa idade, é porque isso vai ficar.

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Benedito Tadeu César – Foram se acumulando ações inconsequentes, impensadas que atingiram diversos segmentos da sociedade. Todo o governo tem um período de crédito, tem a legitimidade das urnas que lhe foi conferida e as pessoas ficam na expectativa. Mas, nesse governo, certas coisas foram se acumulando e atingiram um segmento que é formador de opinião e que hoje está ramificado em todo o Brasil. Só no Governo Lula foram criadas 18 novas universidades federais. Hoje, as grandes cidades brasileiras, e até as de porte médio, têm estudantes em universidades públicas.

Benedito Tadeu César (Foto: Leslie Chaves | IHU)

E ainda mais: esse é um segmento de jovens, que pela própria condição de juventude tem um ímpeto maior de expor suas opiniões. Assim, quando esse segmento foi atingido, deu o troco. Fiz alguns comentários, logo que começaram os cortes, as agressões a universidades, e disse: o governo acendeu o estopim de uma bomba que vai explodir contra ele próprio. E acho que não deu outra. O estopim foi aceso e as bombas estão explodindo.

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Cleber Buzzato (Foto: Marco Zero)

Cleber Buzatto - Considero que as manifestações da última quarta-feira, 15-05-2019, foram de grande importância pela amplitude de participação e abrangência, considerando todas as regiões do país em que elas aconteceram. Foi um momento especial que aponta para uma nova fase no processo de relação dos cidadãos brasileiros com este governo. Nós passamos por um período conturbado em que as forças populares estiveram retraídas do ponto de vista da mobilização social, mas as ações agressivas e antissociais por parte do governo Bolsonaro contribuíram para acelerar um processo de articulação e mobilização das organizações, movimentos, sindicatos e também das pessoas que não têm tanta articulação com movimentos. Acredito que as manifestações de quarta-feira servirão como um movimento de encorajamento para que outras manifestações possam acontecer nos próximos meses, seja acerca do tema da educação, da defesa da educação pública de qualidade, seja do ensino básico, superior e da pesquisa, ou relativamente a outras questões, como a da previdência.

Considero também de grande importância a participação de representantes de povos indígenas em diversas mobilizações no Brasil. Isso demonstra que os povos estão mobilizados em relação ao tema da questão fundiária, como eles já mostraram em outras ocasiões, como durante o Acampamento Terra Livre recentemente, que reuniu cerca de quatro mil indígenas em Brasília. Eles também estão mobilizados em relação ao tema da saúde, como mostraram as mobilizações que fizeram no mês de março em todas as regiões do Brasil. Isso demonstra que os povos estão muito atentos e estão tentando se articular com outras forças sociais. A participação dos povos indígenas nas manifestações do dia 15 demonstrou mais uma vez a atenção e a disponibilidade deles de se manifestarem e se mobilizarem em defesa dos seus direitos e dos direitos coletivos da população brasileira.

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Bruno Lima Rocha (Foto:Ricardo Machado | IHU)

 Bruno Lima Rocha – Foram positivamente surpreendentes. A convocatória ultrapassou a estimativa dos mais otimistas defensores da agenda da educação pública no Brasil. O fato do Ministério da Educação - MEC sob o governo Bolsonaro já estar no segundo titular da pasta, somado ao estilo do ministro Weintraub – acirrando os ânimos e mantendo o grau de provocação tipo bate boca nas redes sociais – e a tentativa de enquadramento que ameaçava a autonomia universitária (alegando “punir por balbúrdia”) motivou a unidade dentro do meio universitário e das vastas relações que esse ambiente tem com a educação brasileira. Diria que no meio urbano e de forma nacionalizada foi a primeira grande jornada de luta contra as políticas do governo Bolsonaro, incluindo também a política herdada do governo Temer, que é o “teto dos gastos” e essa aberração inconstitucional e imbecilidade macroeconômica dizendo que “acabou o dinheiro”.  É preciso reconhecer que o grande motivador da jornada de protesto foi o próprio governo Bolsonaro, causador de suas próprias crises e gerando unidades possíveis: unidade da agenda universitária (liderada pelas federais, mas seguida pelas demais); tentativa de uma unidade da direita que se alega lúcida (ex. defendendo o austericídio mas contra a cruzada olavista); uma unidade que vai das posturas nacionalistas de defesa do patrimônio público até o protagonismo dos movimentos sociais da primeira linha  (como o dos povos indígenas e movimentos afro). Enfim, 15 de maio foi um momento importante, através de uma pauta unificadora, onde até a direita não olavista-bolsonarista se viu na obrigação de reconhecer o mérito e a justiça da causa. A pesquisa científica e a capacidade instalada no meio universitário brasileiro têm capilaridade maior do que se imaginava no início do século XXI. 

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IHU On-Line - As manifestações podem produzir algum impacto no governo?

Luiz Werneck Vianna – É insondável; esse governo é imprevisível e não tenho como responsavelmente prever o que o governo vai fazer. Imagino que ele deva ter ficado sensibilizado com a proporção e a envergadura dessa movimentação, que foi uma movimentação estudantil de verdade, com o tema dos estudantes, o tema da universidade, do ensino. A questão do ensino está sendo posta na rua; isso é para ser saudado. A educação tornou-se parte da agenda dos jovens; isso é novo e é bom.

Não sei direito quem é o governo; temos que ver quem é o governo de verdade. É claro que os setores mais atentos e mais lúcidos estão fazendo a leitura correta dentro do governo sobre essa movimentação. Agora, há os que querem um antagonismo a todo preço, porque na verdade o que eles visam é instabilizar instituições: é fechar o Congresso, é fechar o STF. Essa é que é a ideia de fundo desses grupos mais “tresloucados”, como os “olavetes”. Eles querem essa mudança, mas isso não é o governo inteiro. O governo inteiro é outra coisa. Há uma disputa permanente de setores que sabem interpretar direito o que está se passando. Imagino que esses setores vão pressionar no sentido de mudanças na política educacional.

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Benedito Tadeu César – É muito cedo para fazermos qualquer avaliação nesse sentido. Vai depender de como isso será conduzido daqui para frente. Eu falei do estopim, mas se isso se torna um rastilho, como um rastilho de pólvora, vai ligando a outras bombas e acho que isso pode tomar um volume muito grande e realmente abalarem o governo.

Faria aqui uma previsão: não sei se esse governo chega ao seu final, podendo terminar muito rapidamente. Não sei se em decorrência dessas manifestações, mas desse acúmulo de ações que são, em última análise, inconsequentes, para reduzirmos tudo a uma expressão. Esse é o governo da inconsequência.

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Cleber Buzatto – Considero o governo Bolsonaro autocrata e autoritário, de modo que as mobilizações terão dificuldade de incidir e influir sobre os rumos do governo. Mas, evidentemente, as mobilizações criam um campo político muito adverso, o que certamente influirá significativamente na base parlamentar que poderia dar sustentação ao governo e às suas proposições. Isso certamente criará ainda mais dificuldades para que o governo mantenha as atitudes extremamente agressivas contra os direitos da população brasileira e, de modo especial, neste caso, relativo à temática da educação.

Relativamente à mobilização da quarta-feira, as manifestações públicas do presidente Bolsonaro foram extremamente desrespeitosas para com a população brasileira que se mobilizou, se manifestou, e isso é um indicativo de que o governo buscará desqualificá-las e deslegitimá-las. Mas, de qualquer maneira, as manifestações provocam um campo político que certamente criará ainda mais dificuldades para a condução dessas pautas antipopulares por parte do governo Bolsonaro.

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Bruno Lima Rocha – Insisto que se fossem apenas manifestações estudantis, o efeito seria menor. Mas como se trata da defesa da educação pública brasileira, chegando ao ponto da defesa da diversidade, da ciência e pesquisa nacionais além de uma posição pós-iluminista, a dimensão é muito maior. O presidente foi eleito em cima de uma agenda também ideológica, e manifesta convicção na hostilidade como método de governar e arregimentação de sua própria base. Esta forma de “agradar sua base” mira na educação, na pedagogia libertadora, nos ícones de Paulo Freire e Anísio Teixeira como seus alvos permanentes. Dentro dessa lógica, de pressionar a pesquisa e a autonomia universitária como uma forma de reduzir a amplitude de pensamento, a resposta foi inicialmente muito boa e coloca o governo contra a parede. Ocorre que não se trata apenas do núcleo da presidência, mas seguidas vezes vemos títulos de teses e de dissertações sendo ridicularizados em grupos de mídia – incluindo as tradicionais – como se os recursos da universidade fossem apenas para gerar discurso ideológico mais à esquerda, ou “globalista”. O impacto pode se dar em políticas localizadas, como o MEC de portas abertas para reitores, mas deve manter a tentativa de ocupar o Ministério como uma força conservadora e que vai de encontro aos consensos da área, como por exemplo, o respeito às eleições (não paritárias!) para as reitorias.

O sistema educacional brasileiro é complexo e bastante integrado e não se nota reorientação de verbas que seriam do nível universitário para a educação infantil ou fundamental. Isso é balela e o governo não vai rever sequer a própria balela.  Em termos gerais posso afirmar que o governo foi abalado – parcialmente – pelos atos coincidentemente no mesmo dia da convocatória do ministro Weintraub na Câmara, contando com a assinatura de 307 deputados – faltaria um voto apenas para emplacar uma PEC, 308 votos. Dentro das batalhas simbólicas e de ausência de políticas positivas do governo Bolsonaro, 15 de maio foi uma demonstração de força da sociedade contra a posição assumidamente retrógrada e reacionária, anti-iluminista eu diria, do presidente e seus aliados ideológicos e de ocasião.     

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IHU On-Line - Que aproximações e distanciamentos podemos fazer entre as manifestações de ontem e Junho de 2013?

Luiz Werneck Vianna – Vejo uma diferença fundamental, porque Junho de 2013 tinha uma conotação antipolítica, que a manifestação de agora não tem. Ao contrário, o que se vê — e eu como professor universitário vejo com os estudantes iniciantes na universidade — é uma grande atração pelos partidos políticos; não pelos que existem, mas a necessidade de se ter partidos está muito presente entre eles. A discussão, inclusive, sobre a participação nessa movimentação de protesto contra os cortes teve uma presença forte dos partidos que têm trabalho juvenil. Vejo aí uma diferença muito grande e positiva em relação ao tema de 2013, que era aquele clima contra os partidos e antipolítica em geral. Essa coisa não está posta agora; ao contrário.

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Benedito Tadeu César – Tem algumas pessoas fazendo relações com 2013, mas acho que é cedo ainda para fazermos esse paralelo. As grandes mídias, principalmente a Globo, deu uma cobertura razoável ao que aconteceu na semana passada, mas não podemos esquecer que, em 2013, toda grande mídia nacional ficou incentivando, durante semanas, para que as pessoas saíssem às ruas. Se acontecer algo parecido, acho que podemos chegar a uma dimensão similar àquela de 2013. Senão, acho que isso vai se mantendo e, à medida que isso for se politizando mais, pode ser que atinja realmente o governo.

Uma semelhança com 2013 é que foi uma reação mais ou menos espontânea, porque transcendeu as universidades. Teve uma origem dentro das universidades públicas, mas isso já chegou, inclusive, aos estudantes das escolas particulares. Pudemos ver muitas escolas particulares nas manifestações, em muitas escolas os alunos suspenderam as aulas, aderiram à greve, adesão que chegou até mesmo aos professores da rede privada. E muitas pessoas que estavam nas ruas não eram estudantes nem professores universitários. Eu mesmo participei da manifestação e vi muita gente ali que necessariamente não era público universitário, mas populares que estão aderindo.

Por todos esses fatores considero que isso está transcendendo o movimento corporativo. Um primeiro impulso é corporativo, de reação, de defesa a uma agressão que foi feita. Então, os integrantes das corporações universitárias reagem, mas isso acaba atingindo segmentos muito mais amplos. Tem uma nova paralisação, não sei se está confirmada, para o dia 30 de maio, que é um chamamento da União Nacional dos Estudantes - UNE, e há uma greve geral convocada para o início de junho. Isso tudo pode demonstrar que as manifestações da última quarta-feira foram o estopim de uma grande revolta.

Politização e ação da mídia

Entretanto, para que isso ocorra, o movimento precisa ser politizado. Em 2013, a grande mídia se encarregou de dar um direcionamento político para uma reação que era de uma situação de insatisfação difusa e acabou direcionando aquilo contra o governo de Dilma Rousseff. A ex-presidente Dilma tinha uma aprovação altíssima e, depois de dois meses de manifestações, os índices de aprovação do governo dela caíram para menos da metade.

O atual governo já tem uma aprovação muito baixa, cerca de 30%, e a Dilma, na época que começaram as manifestações, tinha mais do que o dobro disso. Assim, as manifestações de agora começam num percentual de insatisfação parecido com aquele que Dilma tinha como piso no momento das manifestações, depois esse percentual caiu ainda mais. Por isso digo que tudo isso pode causar um estrago grande. Acho precipitado dizer que tudo vai evoluir na mesma direção de 2013, mas destaco: as grandes mídias se encarregaram de dar a dimensão política para as manifestações de 2013.

A mídia e o trabalho pela reforma da Previdência

Não acredito que a mídia deva exercer o mesmo papel agora, na mesma proporção. A cobertura da Rede Globo, por exemplo, deu bastante espaço para as manifestações, inclusive eu não imaginava que ela fosse dar todo aquele espaço. Fiquei em dúvida e, depois de meses sem assistir televisão, liguei para acompanhar e me surpreendi. Agora, ela bateu o tempo todo no seguinte: “esse governo está criando a impossibilidade de aprovar aquilo que é a grande necessidade, que é a reforma da Previdência”.

Na realidade, há uma estratégia bem traçada de que tudo deve se dirigir para possibilitar a aprovação da reforma da Previdência. O que, cá entre nós, é um grande caos. Não sei até onde eles irão nisso, pois querem tirar tudo da frente para aprovar essa medida, nem que seja o próprio presidente, por isso é preciso ficar atento. Vejo algumas pessoas dizendo que é preciso derrubar o [Jair] Bolsonaro, mas se isso acontecer, entra o [Hamilton] Mourão. E aí? Aí, não tem mais, eles fazem o que quiserem. Essas bateções de cabeça vão desaparecer.

Expressar insatisfação, mas nos marcos institucionais

Realmente não sei qual é o melhor cenário. Outro dia alguém comentou: “se correr o bicho pega e se ficar o bicho come”. É mais ou menos isso, as perspectivas não são boas. Mas isso não quer dizer que tenhamos que desistir. A sociedade civil tem que expressar as suas insatisfações e o ideal é que possamos agir dentro do marcos institucionais. Cada vez que se rompe com algo sem ter de fato algo mais sólido para colocar no lugar, dá no que deu. Quando começou o processo do impeachment e a Lava Jato, eu dizia que estavam abrindo a Caixa de Pandora e, depois, o que vai acontecer e como vai se fechar ninguém sabe. E foi o que aconteceu, pois quando se enfraquecem as instituições democráticas, abre-se espaço para a tirania.

E aí demora muito tempo para fazer uma recomposição. O melhor seria mesmo agirmos dentro dos marcos institucionais. Essa coisa de interromper mandato de presidente não é bom, temos que ter uma certa estabilidade. Agora, se criou um caos tão grande que se possibilitou a eleição dessa chapa; se não tivessem sido criadas todas aquelas situações que viabilizaram, que criaram aquele caos pré-eleitoral, essa chapa não seria eleita nunca. Ela seria motivo de chacota. Agora o mal está feito, como vamos superar é a questão. É preciso apostar na capacidade de resistência da sociedade, da nação brasileira. Nós vamos amargar, pelo menos, quatro anos de loucuras e do desmonte do Estado de bem-estar social precário que já tínhamos, de desmonte das empresas públicas.

Reflexos nos estados

É um absurdo o que estamos vivendo. Estamos entregando as nossas riquezas, estamos desmontando uma estrutura tanto do plano estadual como do federal. Recebi ontem um vídeo do governador [do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB)] dizendo: “estou aqui nos Estados Unidos, conversando com investidores e tal”. Não me contive e disse: isso é crime de lesa-pátria. Ele está oferecendo, dizendo para virem para o Rio Grande do Sul, pois temos aqui um parque energético instalado no valor de tantos milhões de dólares, temos uma rede rodoviária no valor de tantos milhões, e vai setor por setor dizendo o quanto aquilo custou para os cofres públicos, quanto se tem de investimento público em cima daquilo e dizendo para os investidores que tudo isso está à venda. Veja, se quer promover desenvolvimento, não é dessa maneira que se faz, porque esse investimento está feito. Desta forma está se entregando investimento público já realizado e somente trocando a titularidade, está entregando para outros.

Para promover crescimento é preciso novos investimentos. Se essa é a estratégia governamental, é preciso destacar as potencialidades do Estado e propor que os investidores coloquem novas empresas aqui. Agora, não transferir titularidade, pois isso não agrega nada, não gera emprego, pelo contrário.

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Cleber Buzatto – As manifestações de 2013 iniciaram uma pauta propositiva e progressista de ampliação de direitos coletivos, especialmente no que tange à questão do passe livre, mas não só. Na sequência houve um empoderamento das forças reacionárias antissociais, antipopulares, que acabaram ocupando as ruas com pautas conservadoras e até reacionárias e que, infelizmente, contribuíram para o fortalecimento da candidatura do então candidato Bolsonaro. Uma série de outras questões, mas de maneira especial a prisão do ex-presidente Lula, levaram-no à presidência da República.

Agora viveremos um novo momento em que a direita vencedora das eleições está testando seu governo e tem se mostrado extremamente incompetente, autoritária e tem perdido recorrentemente a adesão popular. Bolsonaro tem se mostrado uma antítese daquilo para o que se acreditou que seria eleito, inclusive no tema da corrupção: hoje se visibiliza uma série de situações extremamente comprometedoras por parte do presidente e de seus familiares. Portanto, o contexto é bastante diferente do de junho de 2013 e tende a favorecer a ampliação das mobilizações por parte de setores progressistas da sociedade. O grande desafio é manter a hegemonia nas ruas por parte dos setores progressistas, populares, e, por isso, é importante que as pessoas se mantenham mobilizadas para que se evite qualquer tipo de mobilização por parte dos setores reacionários em relação à disputa das ruas. Ganhar a disputa das ruas é um elemento político fundamental tanto na defesa dos direitos da população brasileira, especialmente daqueles mais pobres, explorados, quanto para que a tempestade desse governo reacionário possa passar o mais breve possível.

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Bruno Lima Rocha – Eu sinceramente não vejo grau de comparação com 2013. As jornadas de 2013 não iniciaram em junho e tampouco terminaram em 2013. Os atos de 2013 têm relação direta com os Comitês Populares da Copa e dos setores que em algumas capitais e regiões metropolitanas lutavam pela execução do Estatuto da Cidade e do direito à mobilidade urbana. Em termos de polarização ideológica, no começo ao menos, se deu um embate entre os setores à esquerda do lulismo e a centro-esquerda governista. Houve “sequestro da pauta” através da intervenção dos grupos de mídia – especialmente em São Paulo capital – e depois os “estudiosos” que em geral não estavam na rua e não conheciam quem se organizava fisicamente afirmam um “conflito de narrativas”. O delírio pós-moderno dá conta das interpretações narcisistas do pós-2013. Mas, os efeitos concretos se deram, e aí têm relação direta com os atos de 15 de maio. Vejo uma linha de continuidade na rebelião secundarista de 2015 em São Paulo – contra o fechamento de escolas públicas por parte do então governo Alckmin – e a ocupação de escolas públicas no início de 2016 – em Goiás e no Rio Grande do Sul, por exemplo – e na sequência, no final de 2016 – já no governo Temer - na ocupação dos campi universitários contra a aprovação da PEC 95 no Senado. Neste sentido, na dimensão socialmente organizada e à esquerda do governo deposto pelo golpe jurídico-parlamentar, observo alguma continuidade. Outro marco de continuidade, agora mais próximo do pós-2016, foi certa unidade por esquerda, mais próximo de uma pauta de defesa do patrimônio público e abertamente antifascista. Creio que esse será o marco das manifestações deste ano, especificamente ainda neste primeiro semestre. 

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IHU On-Line - Deseja acrescentar algo?

Luiz Werneck Vianna – Sim. Queria dizer o quanto esses profetas do absurdo, que nessa hora preconizam o fim dos partidos, estão equivocados. Os partidos não estão vivendo momentos finais nem aqui nem no mundo; eles estão vivendo crises que são crises de crescimento. Os partidos vão sair melhor do que eram. É preciso dar tempo ao tempo, especialmente no nosso caso. Percebe-se, entre a juventude estudantil, um interesse pela política e pelos partidos muito grande. Não é verdade que essa é a hora dos movimentos sociais e que os partidos não têm mais lugar no mundo. Isso é coisa desses políticos que se orientam pelos modismos, que vivem mudando de roupa para dizer sempre a mesma coisa, que não há saída, especialmente os da esquerda, os que na esquerda preconizam essa posição de dissolução dos partidos. Portugal está lá com seu sistema partidário indo muito bem. Era um país pobre e sem esperança ontem e está lá, é lugar de atração, despertou.

 

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