11 Abril 2019
Largada de Bolsonaro foi marcada por brigas, interferência familiar e queda de popularidade. Ainda sem conseguir formar base no Congresso para aprovar reformas, Planalto parece apostar ainda mais na radicalização.
A reportagem é de Jean-Philip Struck, publicada por Deutsche Welle, 10-04-2019.
O presidente Jair Bolsonaro chegou nesta quarta-feira (10/04) aos cem dias de governo. A marca simbólica costuma ser usada para avaliar a força inicial de um governo e sinalizar qual vai ser o seu tom no restante do mandato. Também costuma englobar a fase de "lua de mel" de presidentes estreantes com o Congresso e a maior parte da população.
No caso de Bolsonaro, no entanto, a lua de mel foi mais curta do que o habitual, e o novo governo tem sido marcado por controvérsias, brigas, intrigas e um desempenho aquém do prometido. O tumulto já começa a esfriar a euforia de alguns setores da sociedade e do mercado.
Em pouco mais de um trimestre, houve duas baixas ministeriais (na Educação e na Secretaria-Geral), queda de braço do Executivo com o Legislativo, interferência constante da família do presidente e disputas pelo poder entre os setores militar e o núcleo de extrema direita encabeçado pelo ideólogo Olavo de Carvalho.
Pastas como o Ministério da Educação ficaram paralisadas, a reforma da Previdência pouco avançou, e o Planalto não conseguiu montar uma coalizão digna de nome no Congresso.
No centro da maior parte dessas crises está o próprio presidente, que continua a jogar combustível em disputas com seu modo de confronto, como na troca de farpas com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e nas oportunidades em que tomou partido de seus filhos em intrigas.
Tudo isso aconteceu em um cenário que havia se apresentado inicialmente favorável ao governo, com uma oposição ainda desorganizada e um apoio praticamente incondicional do mercado.
A fatura já vem aparecendo, e o capital político do presidente tem demonstrado sinais de corrosão precoce. Segundo o Datafolha, Bolsonaro é o presidente eleito com a pior avaliação em início de primeiro mandato desde a redemocratização – 30% da população avalia seu governo como ruim ou péssimo. Além disso, 61% acreditam que ele fez menos do que o esperado.
Já pesquisa da corretora XP Investimentos aponta queda de confiança entre investidores. Apenas 28% consideram o governo ótimo ou bom. Em janeiro, o percentual era de 80%. A pesquisa mostrou ainda que 55% dos deputados consideram ruim ou péssima a relação da Câmara com o Planalto – em janeiro, eram só 12%.
Para Gaspard Estrada, analista político do Instituto de Ciências Políticas de Paris (Sciences Po), o cenário confirma os temores de que "Bolsonaro não estava preparado para o cargo". "Não era um temor infundado. Ele ainda continua no modo de campanha, perseguindo inimigos invisíveis e usando de maneira desmedida as redes sociais”, diz.
Já o cientista político Oliver Stuenkel, da FGV-SP, aponta que é nítido que "o governo vem tendo muitas dificuldades na transição". "Bolsonaro mostra que ainda não entendeu que agora faz parte do establishment. O governo continua a dar ênfase a temas que agitam a sua base, mas que a maior parte dos brasileiros não considera prioritários", disse. Enquanto isso, a economia ainda não mostra sinais de reação e o número de desempregados chegou à marca de 13 milhões.
Em 23 de janeiro, o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, apresentou 35 metas dos cem primeiros dias de gestão. Algumas foram realizadas, como o corte de 21 mil funções comissionadas da administração federal. Outras, como a independência do Banco Central, não saíram do papel.
Segundo levantamento da Agência Lupa, apenas 16 das 35 metas foram cumpridas. Mas mesmo as alcançadas incluem miudezas – como a retirada do padrão Mercosul dos passaportes – ou propostas que vão contra a opinião da maioria da população – como a flexibilização do acesso a armas de fogo, que é rejeitada por 61% dos brasileiros, segundo o Datafolha.
Já temas considerados fundamentais pelo mercado para a retomada do crescimento, como a reforma da Previdência, vêm patinando diante da forma como Bolsonaro tem escolhido governar e elencar suas prioridades. No início, o cenário parecia o melhor possível. O ministro da Economia, Paulo Guedes, recebeu carta-branca e as presidências da Câmara e do Senado contavam com figuras que prometiam ajudar na busca por votos. No entanto, em cem dias o governo pouco conquistou no Congresso.
Segundo o analista Estrada, a inexperiência de Bolsonaro está cobrando um preço. O presidente justifica sua posição como uma forma de evitar o "toma lá da cá" de governos anteriores, ou seja, de ceder ao loteamento em troca de apoio. Para Estrada, o presidente ficou "refém" da sua própria retórica.
"Nem toda negociação política significa corrupção. A oferta de cargos para ajudar a formar maiorias parlamentares, por exemplo, é normal em uma democracia, mas os anos de Lava Jato levaram à criminalização de qualquer tipo de negociação nesse sentido", diz. "O histórico de Bolsonaro como parlamentar também já demonstrava sua incapacidade. Ele nunca presidiu uma comissão, se distinguindo mais pelas provocações em mais de duas décadas como deputado."
Como resultado, o presidente ainda não conseguiu formar uma base consolidada no Congresso. Ele também demonstrou falta de controle sobre seu partido, o PSL, que chegou a votar contra o governo em algumas ocasiões.
Stuenkel também aponta que Bolsonaro está pagando um preço alto por sua "retórica radical de campanha”, que "não se traduz em política real”. "Ele insiste em diferenciar a ‘velha' e a nova ‘política', mas ainda não disse o que é essa nova política", diz.
Já nas áreas que não dependem do Congresso, o governo se concentrou em desmontar estruturas herdadas. No primeiro dia, Bolsonaro extinguiu o Ministério do Trabalho. O Ministério do Meio Ambiente sobreviveu, mas várias das suas antigas competências foram esvaziadas ou passaram para a pasta da Agricultura, que ainda acumulou a tarefa de demarcação de terras indígenas.
"Nestes primeiros cem dias, o atual governo empenhou-se apenas numa agenda antiambiental. Não há, por exemplo, nenhuma nova medida de combate ao desmatamento da Amazônia", afirma Marcio Astrini, coordenador de Políticas Públicas do Greenpeace.
Mesmo diante de dificuldades, Bolsonaro tem afastado a expectativa de que seu mandato passe por um processo de normalização. Nos últimos meses, ele mostrou disposição em alimentar sua base de militantes mais radicais, que desejam mais acesso armas e que desprezam a imprensa, que professam um revisionismo desonesto sobre temas como o regime militar e que colocam a pauta dos costumes como prioridade.
Nesse sentido, Bolsonaro fez elogios a ditadores estrangeiros, ordenou que o golpe de 1964 fosse celebrado oficialmente e promoveu o ideólogo Olavo de Carvalho a uma espécie de eminência parda do governo. O resultado foi uma paralisia no MEC, que foi tomado por disputas barulhentas entre ex-alunos do professor e um setor mais moderado encabeçado pelos militares.
"Bolsonaro parece ter medo de perder o apoio dessa base, que deseja uma guerra cultural. Mas o presidente também prefere mesmo lidar com esses assuntos. Não tem paciência com temas que envolvem longas negociações. Desse jeito ele não vai resolver os problemas da economia, da corrupção e da violência, mas pelo menos vai poder dizer em sua campanha à reeleição 'eu combati o marxismo'", afirmou Stuenkel.
Olavo de Carvalho também influenciou a escolha de Ernesto Araújo para a chefia das Relações Exteriores. No comando do Itamaraty, Araújo tem promovido uma agenda ideológica radical que entrou em choque com a tradição diplomática brasileira, alinhando sem ressalvas o Brasil aos Estados Unidos e a Israel, alimentando a ansiedade de exportadores brasileiros que temem o afastamento da China e dos países árabes.
"O chanceler é alvo de piadas entre as embaixadas estrangeiras. O Brasil está fazendo uma aposta perigosa e o Itamaraty passou a acumular erros amadores", avaliou Stuenkel.
Bolsonaro chegou até mesmo a legitimar durante sua viagem a Israel uma fala absurda de Araújo sobre o nazismo ter sido um movimento de "esquerda" e a submeter seu popular ministro da Justiça, Sérgio Moro, a um constrangimento público ao ordenar a exoneração de um conselheira considerada esquerdista demais pelos seus seguidores nas redes sociais.
A queda de popularidade e as confusões públicas da gestão poderiam ser uma oportunidade para o governo repensar sua estratégia, mas Bolsonaro tem emitido sinais de que pretende priorizar mesmo essa agenda de guerra cultural. Após a queda do ineficiente Vélez, ele escolheu para o MEC uma figura com o mesmo perfil ideológico de extrema direita, que já disse desejar expurgar o "marxismo cultural" da educação. Também zombou da pesquisa Datafolha que apontou queda de popularidade e criticou a metodologia do IBGE que identificou a alta do desemprego.
Bolsonaro ainda deixou claro que não pretende afastar seus filhos dos assuntos de governo. No último trimestre, seu segundo filho mais velho, o vereador Carlos, foi responsável direto pela fritura de um ministro e esteve por trás de publicações no Twitter como o vídeo pornográfico envolvendo dois foliões no Carnaval. Na segunda-feira, Bolsonaro afirmou que a influência de Carlos não atrapalha o governo. "Eu acho até que ele deveria ter um cargo de ministro", disse. Outro filho do presidente, o deputado Eduardo, vem agindo como uma espécie de chanceler informal.
Para Stuenkel, são sinais de que Bolsonaro não vai mudar: "É provável que ele siga o caminho de Donald Trump, que se radicalizou ainda mais. Bolsonaro só funciona no ambiente de confronto, mas você não consegue governar assim, ainda mais no sistema brasileiro, que depende de criar consensos."
Estrada também é pessimista. "Ele vem repetindo erros, mantém seus filhos no governo, não avança nas negociações. Se não houver uma mudança de trajetória – com o fim de debates em torno de questões fúteis e a caça a inimigos imaginários –, questões fundamentais, como o crescimento econômico e a melhora do ensino, vão continuar sem solução."
O próprio Bolsonaro reconhece que o início de governo está sendo turbulento. Na inauguração de uma ouvidoria do governo federal, ele afirmou na última sexta-feira que "não nasceu para ser presidente" e que o cargo é "só problemas".
"Desculpem as caneladas, não nasci para ser presidente, nasci para ser militar, mas no momento estou nessa condição de presidente e, junto com vocês, nós podemos mudar o destino do Brasil", disse.
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Cem dias do presidente que "não nasceu para ser presidente" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU