05 Novembro 2025
Em um cenário de crises globais – do colapso climático à falência moral das potências ocidentais diante do genocídio em Gaza – e diante de uma Igreja em transição após o papado de Francisco, Frei Betto é enfático: "o capital paira acima dos direitos humanos e dos direitos da Terra". Teólogo da libertação, intelectual e frade dominicano, Frei Betto é uma das vozes mais contundentes no debate sobre as transformações da Igreja e o papel do cristianismo no mundo contemporâneo.
Ao comentar sobre o futuro da igreja após Jorge Mario Bergoglio, Frei Betto destaca que o legado estrutural do pontificado de Francisco é a sinodalidade. No entanto, adverte que nada impede retrocessos no pontificado de Leão XIV. "A Igreja Católica é a única monarquia absoluta do Ocidente. Tudo pode ser revertido por um novo papa", pontua. "Leão XIV nos confirmará se o caminho sinodal veio para ficar ou se será descartado aos poucos. As renovações da Igreja têm que vir de baixo para cima", complementa.
Na entrevista a seguir, concedida por telefone ao doutorando Thiago Gama, Frei Betto faz um diálogo incisivo e aborda a urgência do ecocídio promovido pelo governo de Donald Trump e as duras lições sobre os limites da solidariedade e da "comunidade internacional" expostas, principalmente, pela limpeza étnica do povo palestino.
Frei Betto (Foto: Arquivo pessoal)
Frei Betto é padre dominicano, escritor e autor do romance policial “Hotel Brasil” (Rocco), entre outros livros.
A entrevista é de Thiago Gama, doutorando pelo Programa de Pós-graduação em História Comparada da UFRJ, cedida ao Instituto Humanitas Unisinos – IHU pelo entrevistador.
Confira a entrevista.
O Papa Francisco (2013-2025) buscou reorientar a Igreja para as “periferias” e os “pobres”. Em sua análise, qual é a herança estrutural de seu pontificado, e o que, na Cúria e no mundo, já se move para neutralizar esse legado?
Frei Betto – Tenho receio em admitir legados estruturais ao tratar de sucessão papal. A Igreja Católica é estruturalmente conservadora. Ainda que um papa imprima inovações, logo elas deixam de ter importância no pontificado seguinte. Eu não esperava que João Paulo II e Bento XVI fossem retroceder avanços dos pontificados de João XXIII e Paulo VI. Talvez a prática da sinodalidade tenha sido um avanço estrutural implementado pelo papa Francisco.
Francisco abandonou a centralidade europeia e buscou ser um “Papa do Sul Global”. Como essa opção geopolítica, que o colocou em rota de colisão com o Ocidente em questões como a da Ucrânia, reconfigura o papel da Igreja no século XXI?
Frei Betto – Prevost, agora papa Leão XIV, embora também tenha vindo do Sul Global (Peru), malgrado sua origem estadunidense, ainda não me deixa seguro de que ele abraçará a mesma opção pastoral de Francisco. Mas me surpreendeu positivamente sua Exortação Apostólica Dilexit Te, um documento que consagra a Teologia da Libertação, como escrevi.
O “caminho sinodal” foi a grande aposta de Francisco para uma Igreja menos clerical e mais participativa. Foi uma revolução bem-sucedida ou uma tentativa que, após sua morte, corre o risco de ser revertida ao centralismo romano?
Frei Betto – A Igreja Católica é a única monarquia absoluta do Ocidente. Tudo pode ser revertido por um novo papa. Leão XIV nos confirmará se o caminho sinodal veio para ficar ou se será descartado aos poucos. As renovações da Igreja têm que vir de baixo para cima.
Enquanto o planeta experimenta colapsos climáticos em série, vemos os Estados Unidos — principal motor histórico da crise — paralisados pelo negacionismo ou pela inação. O “pecado ecológico”, como definiu a Igreja, tornou-se o modo de vida do Império?
Frei Betto – Pior, o Império promove o ecocídio. O capital paira acima dos direitos humanos e dos direitos da Terra. Por isso Trump não participará da COP30. Ele e seus seguidores não se dão conta de que, ao longo da evolução do nosso planeta, várias espécies foram extintas. A mais conhecida são os dinossauros, extintos há 70 milhões de anos. Nada impede que a natureza extermine a espécie humana e, sem o nosso incômodo, prossiga seu caminho evolutivo. Felizmente a Igreja Católica adquire cada vez mais sensibilidade à questão ambiental. Temos aqui no Brasil o principal ecoteólogo do mundo, Leonardo Boff.
Vimos em Gaza, ao vivo, a falência moral das potências ocidentais. Diante da limpeza étnica do povo palestino — um povo que inclui uma das comunidades cristãs mais antigas do mundo —, o que a longa noite da injustiça em Gaza nos ensina sobre os limites da “comunidade internacional” e o verdadeiro significado da solidariedade?
Frei Betto – A governança global precisa ser repensada e reestruturada, com vem insistindo Lula. A ONU, hoje, é manipulada pelo seu autocrático Conselho de Segurança, submisso à dobradinha EUA-Israel. A OTAN, que já deveria ter sido extinta, é controlada pela Casa Branca e fomenta o belicismo na Europa Ocidental. Só há solidariedade efetiva entre os artífices da morte, os fabricantes de armas e os donos do capital. As demais formas de solidariedade nem sequer logram fazer cessar o genocídio do povo palestino pelo governo teocrático de Israel.
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