11 Abril 2025
Rita Baroud, repórter e estudante palestina, descreve para La Repubblica a situação das últimas semanas: sitiada e sem ajuda humanitária.
O relato é de Rita Baroud, publicado por La Repubblica, 11-04-2025.
Mais de 550 dias se passaram e Gaza continua a sangrar. Cada dia traz uma nova catástrofe, mas a dor continua a mesma. De uma guerra para outra, da destruição de lares ao deslocamento de famílias, da privação de educação para crianças a pacientes morrendo em silêncio. Mas entre todas essas tragédias, a fome continua sendo a mais brutal: a catástrofe invisível, mas sentida em cada célula do corpo.
Por mais de quarenta dias, nenhum caminhão transportando ajuda humanitária entrou na Faixa. Sem farinha, sem vegetais, sem comida enlatada. Não há pão, não há arroz, nem mesmo água limpa para beber. As pessoas sobrevivem com o pouco que resta, e mesmo isso está começando a desaparecer. Os mercados, antes cheios de vida, agora são espaços vazios, como um teatro abandonado depois do espetáculo. Nenhuma voz de vendedores chamando, nenhum cliente passando. Somente silêncio.
Vou ao mercado de manhã, não para comprar, porque não há nada para comprar, mas apenas para olhar. Observar. Tentar entender como é a fome aos olhos das pessoas. Eu os vejo caminhando lentamente, como se seus pés não pudessem mais sustentá-los. Rostos pálidos, olhos fundos, corpos exaustos. As crianças não gritam mais como antigamente, não correm mais entre as barracas, não se agarram mais às roupas das mães implorando por um doce. As crianças estão em silêncio. A fome ensina o silêncio.
Um velho está sentado em frente a uma barraca vazia. À sua frente, apenas uma pequena caixa com duas cebolas e uma vela velha. Olhe fixamente para o espaço. Ninguém chega perto. Ninguém compra.
Um jovem vende café na beira da estrada. Ele ficou sem gás para ferver água, então fez uma pequena fogueira com algumas sobras de papelão. Ele diz que não vendeu uma única xícara em três dias. "As pessoas querem pão, não café. E eu não como nada desde ontem".
Até os cheiros do mercado mudaram. Nenhum cheiro de pão fresco, nenhum tempero, nenhuma fruta. Apenas o cheiro de poeira, de lixo acumulado, de fumaça saindo de fogões improvisados. Alguns cozinham com lenha, se conseguirem encontrá-la. Outros comem cru porque não há gás e a eletricidade está desligada há meses.
O que torna a dor ainda mais profunda é que aqueles que deveriam apoiar as pessoas se tornaram cúmplices do seu sofrimento. Os comerciantes escondem suas mercadorias, empilhando-as em armazéns, enquanto crianças choram de fome e mulheres imploram por um pedaço de pão ou um saco de lentilhas. Esses crimes não são menos graves que os da guerra: eles transformam a fome em mercadoria, vendendo-a ao preço da dignidade das pessoas.
Quarenta dias se passaram e os mercados ainda estão vazios. Não porque os bens não existam, mas porque aqueles que os possuem optam por não distribuí-los até que a fome atinja o seu auge. Só então alguns produtos reaparecem de repente, como se surgissem do nada, mas a preços astronômicos, fora do alcance de qualquer um. Um quilo de arroz virou um sonho. Uma lata de leite vale a dignidade de um dia. Mesmo aqueles que ainda têm algum dinheiro não podem mais comprar.
E as pessoas… não compram mais, elas imploram. Estamos agora a assistir a cenas que nunca esqueceremos: um homem a chorar em frente a uma banca de legumes porque o preço de um quilo de batatas equivale ao rendimento de uma semana; uma mãe que confunde um cobertor velho com um saco de farinha. Vivemos não apenas sob ataques aéreos, mas também sob o bombardeio da ganância.
Ninguém suporta a visão de mercados vazios. O próprio vazio é um lembrete de quão longe caímos. As pessoas vão ao mercado várias vezes ao dia, não porque esperam um milagre, mas porque a esperança é a única coisa que resta. Apenas uma pequena chance, uma pequena chance de encontrar alguma coisa, qualquer coisa, para comer. Eu sou um deles. Vou com frequência, não só em busca de comida, mas para tentar entender o cenário. Acreditar que isso realmente está acontecendo. Que estamos realmente vivendo nesse vazio.
Ontem, enquanto eu ia ao mercado, ouvi uma senhora gritando na rua. Ele não estava gritando com ninguém em particular, apenas gritando para o céu: "Meu Deus... que se esqueçam de Gaza. Estamos tão cansados!"
O grito dela ecoou em meus ouvidos o dia todo. Não consegui esquecer sua voz cansada nem o peso de suas palavras, palavras que vinham de um coração que simplesmente não aguentava mais. Eu não a culpo. Quem pode suportar tudo isso? Quem consegue permanecer de pé depois de tantos meses de fome e medo? As pessoas estão desmoronando por dentro. A dor se tornou uma companheira diária. A sobrevivência agora parece uma fantasia.
Hoje, todos em Gaza estão à beira do colapso. Esta não é mais uma crise temporária, é uma realidade permanente. Vivemos dentro dela como se estivéssemos presos em um pesadelo sem fim. Mercados vazios não são apenas um sinal de escassez de alimentos, mas de vida em declínio. De esperança moribunda. De um povo testado além do que qualquer ser humano deveria suportar.