05 Março 2025
"Transcorridos 18 anos do falecimento de dom José Ivo Lorscheiter, 6º bispo de Santa Maria, como bom 'regente' que foi, conseguimos identificar o compasso harmonioso que proporcionou", escreve Thiago Alves Torres, professor, em memória à morte de Dom José Ivo Lorscheiter, ocorrida em 5 de março de 2007.
Thiago Alves Torres é licenciado em Filosofia (FAPAS) e História (UFSM), especialista em Supervisão e Orientação Educacional (Barão de Mauá) e Gestão Educacional (UFSM), mestre em História (UFSM) e coordenador Pedagógico na EMF Visconde de Mauá (Júlio de Castilhos/RS).
Tem coisa melhor que, bem acomodado, acompanhar a apresentação de uma Orquestra entrosada e com instrumentos cuidadosamente afinados? Podemos permitir que a leveza da sonoridade musical invada nossos ouvidos, mas não conseguimos impedir o percurso pelos caminhos insondáveis em nosso cérebro e que possibilita realmente “viajar” sem sair do lugar. O som da melodia compassada chega ao coração e seu pulsar entra no ritmo dos músicos que, pretensiosamente, se esforçam para que estas sensações realmente ocorram nos espectadores. Depois, num momento de caminhada, no aguardo em uma fila, na curtição de uma sombra numa tarde quente, quando menos esperamos, recordamos do som, ritmo e/ou tom que aquela apresentação, recente ou não, nos proporcionou. Diferentemente de uma tatuagem exposta na pele, ficamos marcados na alma.
Para uma boa orquestra, exige-se necessariamente um bom regente. Este, no cuidado atencioso, acompanha os ensaios, corrige erros de execução, apresenta e orienta técnicas de interpretação e busca a afinação. Não adianta ter um grande número de músicos, se não há quem os oriente visando a sintonia. A batuta que ostenta não é para repressão e imposição autoritária, mas suavemente indica ao grupo o compasso a ser seguido. Depois de algum tempo o maestro deixa o palco, mas aquilo que foi ensinado aos seus acompanhados e proporcionado aos que assistiram, ficaram eternizados. Mesmo que nenhum de nós tenha conhecido pessoalmente o compositor e pianista Ludwig van Beethoven, muitos de nós ainda nos emocionamos e “viajamos” ao som da sua Sinfonia nº. 9, conduzida por esmerados regentes.
Transcorridos 18 anos do falecimento de dom José Ivo Lorscheiter, 6º bispo de Santa Maria, como bom “regente” que foi, conseguimos identificar o compasso harmonioso que proporcionou. Antes mesmo de assumir o trabalho na diocese de Santa Maria, em 21 de abril de 1974, já fazia parte da “equipe de regência” que buscava a harmonização de tom na Igreja do Brasil, nos tempos difíceis de uma ditadura civil-militar. Certamente, por seu empenho e protagonismo ao conduzir a batuta nos períodos de silenciamentos, “ainda estamos aqui!”. Depois, no chão sagrado da região central do Rio Grande do Sul, foi encontrando “músicos e músicas da vida”. Soube orientar, apontou novas possibilidades e instrumentos, desejou a afinação. Do seu empenho dedicado, ainda que muitos não o tenham conhecido pessoalmente, conseguem sentir a harmonia de seus resultados, seja por meio da organização da economia solidária, o incentivo à agricultura familiar, as parcerias ecumênicas, os territórios consolidados à reforma agrária, as lideranças pastorais identificadas com as urgências do momento em nível social e eclesial, etc.
José Ivo Lorscheiter (Foto: Reprodução)
Como homem convicto em sua fé e com visão à frente, poucos meses após chegar em Santa Maria, disse: “ao morrer, o homem dá o tom definitivo à sua existência, porque a morte vem coroar as opções feitas em vida. [...] E assim a clareza do destino futuro é alavanca para melhor viver o presente” (29/10/1974). Sendo assim, por seu legado, dom José Ivo Lorscheiter permanece muito vivo e sua memória merece e deve ser sempre mais recuperada, respeitada e valorizada pelos diferentes segmentos e protagonistas da sociedade e da Igreja.